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Diversidade de gênero pode ser tema da redação do Enem 2017

Conceito, formas de expressão e desafios sociais e políticos da questão podem ser discutidos na prova
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O personagem trans Ivan, de “A Força do Querer”, é uma das evidências da relevância da questão da identidade de gênero” Foto: Divulgação
O personagem trans Ivan, de “A Força do Querer”, é uma das evidências da relevância da questão da identidade de gênero” Foto: Divulgação

O mundo vive uma “revolução do gênero”. Percebê-la no dia a dia não é difícil, com as fronteiras de gênero cada vez mais borradas na moda, ruas e comportamento da população. Essa fluidez é ainda mais expressiva na indústria cultural, seja na música com a nova estrela Pabllo Vittar e seus milhões de seguidores, no sucesso das séries “Orange is the New Black” e “Sense 8” da Netflix, ou no protagonismo do personagem Ivan (Carol Duarte) na novela “A Força do Querer” (TV Globo). Sem falar nas páginas na internet que falam do assunto com bom humor ou em tom mais político.

Para quem vai fazer o Enem 2017, a discussão é um tema importante, já que a identidade de gênero é apontada por professores como um dos possíveis temas de redação neste ano. Deste modo, é fundamental que os candidatos entendam os conceitos e tenham sensibilidade para considerar as diversas formas de expressar a identidade, assim como os desafios sociais e políticos que a questão enfrenta no Brasil.

Identidade de gênero, segundo o documento “Livres & Iguais”, da Organização das Nações Unidas (ONU), diz respeito à experiência das pessoas com o próprio gênero. Quem se identifica com o gênero designado no nascimento é cisgênero, ou seja, a identidade da pessoa está de acordo com as características físicas (genitais e hormonais) reconhecidas ao nascer.

Há, no entanto, uma extensa variedade de identidades, permitindo outras possibilidades de existência às pessoas que não se identificam com o sexo biológico. Esse é o caso das pessoas transgênero, que têm identidade diferente daquela determinada no nascimento a partir de aspectos físicos.

Estudante de Marketing na Universidade Veiga de Almeida (UVA), Yuri Branco, de 24 anos, foi o primeiro homem trans a usar o nome social na faculdade. Com o direito de ser chamado pelo nome de preferência dentro e fora do campus, Yuri percebe que a desinformação é uma das principais fontes do preconceito contra a população trans no Brasil.

— As pessoas devem aproveitar o acesso à informação para aprender mais. Há quem confunde identidade de gênero com orientação sexual, algo que pode ser buscado na internet facilmente. Ao mesmo tempo, temos que ter paciência com quem deseja saber mais e perdoar as pessoas pela ignorância. Isso é diferente de alguém bem informado que escolhe ser preconceituoso — pontua Yuri, que sugere o filme “Meninos Não Choram” (1999) e o livro “Viagem Solitária” (Casa da Palavra), de João W. Nery, para se aprofundar no assunto.

Assim como Yuri, o documento da ONU reconhece que é comum entre leigos a confusão entre identidade de gênero e orientação sexual. A diferença entre os dois conceitos pode não apenas ser cobrada no Enem como também é uma questão central nas discussões de gênero.

Para combater o preconceito contra a população LGBTI , a ONU pede leis relacionadas a crimes de ódio, reconhecimento legal e acesso a serviços públicos Foto: Fotolia
Para combater o preconceito contra a população LGBTI , a ONU pede leis relacionadas a crimes de ódio, reconhecimento legal e acesso a serviços públicos Foto: Fotolia

Pessoas trans e cis estão sob o mesmo espectro de orientações sexuais, característica que define por quais gêneros o indivíduo sente atração. A ONU considera possível ter orientação heterossexual, homossexual, bissexual ou assexual, independentemente da identidade.

343 vítimas apenas em 2016

A cartilha “Livres & Iguais” lembra que ser trans não significa necessariamente ser homossexual, mesmo com os dois grupos inseridos na sigla LGBTI (lésbica, gays, bissexuais, travestis e transgênero e intersexuais).

Estar em uma dessas subdivisões do conjunto LGBTI indica somente a participação no mesmo grupo de minorias, ou seja, pessoas com mais dificuldade de representação política por questões de gênero ou sexuais. A falha de representação, porém, resulta em outros problemas.

No Brasil, o ano de 2016 teve o maior número de assassinatos de pessoas LGBTI em 37 anos, com 343 vítimas, segundo relatório do Grupo Gay da Bahia. No estudo sobre a população trans, a ONU afirma que essas pessoas correm maior risco de sofrer discriminação. A intolerância se manifesta no cotidiano em forma de bullying, abuso verbal, negação à saúde, educação, trabalho ou moradia, assim como lesão corporal, tortura, estupro e assassinato.

Como medidas para corrigir o problema, a ONU sugere ações para os Estados, como campanhas contra o bullying, leis relacionadas a crimes de ódio e discriminação, reconhecimento legal, não tratar pessoas trans como doentes, garantir o acesso a serviços de saúde e incentivar a educação e o treinamento.

Ambulatório de readequação de voz

A urgência por direitos iguais tem impulsionado iniciativas da sociedade, como os grupos de apoio que não ficam esperando medidas governamentais. João Lopes, fonoaudiólogo e professor da Universidade Veiga de Almeida (UVA), é um desses agentes sociais. Em parceria com a universidade, o educador criou o ambulatório de readequação de voz para transgêneros. Os atendimentos ocorrem no centro de saúde da instituição e auxiliam pessoas trans a adequar a voz ao gênero com que se identificam.

— Eu percebia que muitas pessoas não se identificavam com a própria voz. Nosso objetivo é trabalhar a autoestima, inserindo os pacientes na sociedade e no mercado de trabalho. 36 pessoas já passaram por aqui e várias já tiveram alta, conseguiram empregos ou foram promovidas. Trabalhamos a ressonância da voz. Por exemplo, com mulheres trans exercitamos mais os agudos, respeitando, claro, os limites anatômicos e os desejos da pessoa — relata João, que contou com a ajuda de uma aluna para abrir a primeira turma.

João Lopes, professor de Fonoaudiologia da UVA, criou um ambulatório de readequação de voz para transgêneros Foto: Divulgação
João Lopes, professor de Fonoaudiologia da UVA, criou um ambulatório de readequação de voz para transgêneros Foto: Divulgação

A cidadania está nas pautas do movimento trans em vários sentidos, exigindo proteção social, mas também a inserção no mercado de trabalho e o acesso à universidade. Assim como a Receita Federal e o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), o Enem permite desde 2014 que alunos trans usem o nome social para realizar a prova. Yuri Branco ressalta, no entanto, que a opção ainda é pouco divulgada:

— Quando fiz o Enem, ainda não havia a opção. No entanto, tenho amigos trans que reclamam da falta de informação sobre o uso do nome social. Eu ainda não fiz a retificação do meu nome legalmente, então às vezes passo por problemas, mesmo que seja para entrar em uma casa de shows. De qualquer forma, fico feliz em ver uma prova tão grande e que envolve milhões de jovens tocando no assunto.

A redação do Enem tradicionalmente lida com questões de direitos humanos. A organização do exame apresenta problemas e pede propostas de intervenção aos candidatos. Nesse sentido, uma possível dissertação com identidade de gênero como tema deve exigir que os estudantes saibam quais são os principais conflitos e desafios enfrentados no Brasil.

Dados sobre a intolerância e outras estatísticas sobre o país podem ajudar o candidato a se preparar para uma redação com o tema, além de prestar atenção em possíveis soluções para o problema social. Para Romulo Bolivar, professor de Redação no curso ProEnem, é possível que o Enem dê foco a outros assuntos na redação, considerando que minorias étnicas e religiosas já foram os temas das duas edições anteriores.

— Identidade de gênero é um assunto social, atual e bem discutido este ano na mídia, o que o torna um tema não só relevante, mas possível, dado o aumento dos direitos adquiridos e a grande exclusão pela qual algumas identidades de gênero ainda passam. É possível, mas não sei se tão provável. Duas aplicações de 2016 já trataram de preconceito a minorias: intolerância racial e religiosa  — argumenta Romulo, que acredita que as novas relações familiares no Brasil também podem vir a ser um tema de redação na prova.