Educação

Por Patrícia Teixeira e Fernanda Almeida*, g1 Campinas e Região


Evasão escolar aumenta em 2021 na região de Campinas — Foto: Getty Images via BBC

O segundo ano da pandemia da Covid-19 representou um aumento significativo na taxa de evasão dos estudantes no ensino médio público na região de Campinas (SP). O g1 analisou dados das cinco maiores cidades de acordo com o Censo Escolar, divulgado este mês, e Indaiatuba foi destaque com quase quatro vezes mais jovens fora das salas de aula do que antes da crise sanitária.

São alunos que pararam de estudar em um período de retomada nas aulas presenciais, e este cenário foi observado em todo o país, segundo os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Abaixo, entenda os motivos do aumento na evasão de estudantes:

Entre Campinas, Sumaré, Indaiatuba, Americana e Hortolândia, a única que não dobrou a taxa foi a metrópole; e Indaiatuba, o terceiro maior município em população, viu esse índice saltar de 2,2% para 8,2%. Veja a evolução no gráfico abaixo:

Em quais séries houve maior evasão em 2021

  • Campinas: 3º e 2º anos tiveram taxa de 3,3% de evasão. A média geral foi de 3,2%.
  • Sumaré: média geral de 3,7%, com destaque para o 2º ano, com 5%.
  • Indaiatuba: média de 8,2%, com destaque para o 2º ano com 10,5%.
  • Americana: 2,9% de média geral, com destaque para o 2º ano com 3,3%.
  • Hortolândia: média foi de 3,2%, com destaque para o 2º ano, com 4,4%.

Professora e pesquisadora do Grupo de Políticas Públicas, Educação e Sociedade da Faculdade de Educação da Unicamp, Dirce Zan disse ao g1 que esse comportamento dos estudantes é resultado da crise econômica.

A população a partir de 15 anos de idade que estuda se viu dentro de uma necessidade de auxiliar no aumento da renda das famílias.

"As famílias de baixa renda, elas têm nos filhos jovens uma possibilidade de melhorar a renda, entregador, chapeiro na lanchonete... Para essas famílias liberarem os filhos do trabalho, elas precisam ter condições de manter a sua situação financeira. O mercado de trabalho é mais aberto para eles do que para os pais, que são mais velhos".

O g1 questionou a Prefeitura de Indaiatuba sobre políticas públicas na cidade, que destoou das demais. A administração municipal respondeu que desenvolve ações de estímulo aos jovens e ao vínculo familiar, como diálogo mais aberto entre a prefeitura e as escolas estaduais para solução de problemas, além de oficinas esportivas e culturais para desenvolvimento de habilidades.

Além disso, no ano passado implementou um programa de ajuda financeira custeado com recursos municipais, o Renda Mínima, que "beneficiou mais de 4 mil famílias por seis meses, com a proposta de apoiar as famílias na retomada após o período mais severo da pandemia".

O que diz o governo estadual?

Em nota, a Secretaria da Educação do Estado de SP disse que desenvolve desde 2021 programas de apoio à recuperação da aprendizagem. "O Bolsa do Povo Ação Estudantes pagou R$ 1 mil aos estudantes de maior vulnerabilidade e teve como principais objetivos a recuperação da aprendizagem e o combate à evasão". O montante, no entanto, foi pago uma única vez.

O governo estadual também investiu em aulas de reforço e recuperação no contraturno, e ressaltou que expande o programa de ensino integral nas escolas.

Ensino integral atrapalhou?

O modelo remoto que foi adotado na pandemia, abriu espaço para o ensino presencial por conta da melhora nos índices do coronvírus, mas num formato que prejudica aqueles estudantes que já trabalhavam, segundo Dirce

"Uma das coisas que a gente consegue identificar é que, com a reforma do ensino médio, que ganhou fôlego no estado no ano passado, boa parte das escolas foram transformadas em tempo integral. Na medida em que há o retorno presencial, muitos não conseguem ficar na escola o tempo todo por conta do agravamento da crise econômica".

Além da busca por um emprego, Dirce pontua que muitas meninas tiveram que assumir trabalho doméstico nas suas casas, incluindo o cuidado de pessoas em situação de vulnerabilidade, para que os pais pudessem trabalhar.

A proposta de ensino integral faz parte do Plano Nacional de Educação. O tempo de permanência em sala de aula aumenta de cinco para sete horas, podendo ser das 7h às 14h ou das 14h15 às 21h15.

Evasão escolar foi maior no ensino médio público em Indaiatuba — Foto: Reprodução/EPTV

Professores se mobilizaram

Dirce atua em pesquisa dentro de escolas estaduais na região e acompanhou o abandono nas salas de aula. Houve casos em que os educadores de instituições de ensino se mobilizaram para arrecadar e doar cestas básicas para ajudar as famílias e, consequentemente, os alunos.

Em Indaiatuba, a professora de sociologia Katia Regina da Silva, que atua na rede pública, disse que o contato com os pais ocorria, mas havia uma barreira na questão tecnológica que foi exigida no período de ensino à distância.

"Eles falavam pra gente: ‘Professora, é muito difícil. A gente não consegue, não tem internet e quando tem, não funciona. E quando temos internet, não temos o celular e precisamos trabalhar. [...] A cada sala de aula, por volta de seis ou sete alunos acabam se perdendo no meio do caminho", disse.

Outra educadora na cidade, Judite Zenni leciona língua portuguesa e percebeu maior evasão na faixa de 14 a 16 anos. A saída para alguns estudantes foi sair da escola modelo integral e buscar a opção do ensino regular.

"Eles alegavam que tinham que trabalhar para ajudar no sustento da casa. [...] Vejo nesses jovens, principalmente da periferia, a falta de sonhos, de um projeto de vida. Eles não têm essa visão e são cobrados pelo sustento da família, o que deveria ser responsabilidade do adulto".

A especialista da Unicamp destacou que uma pesquisa do Conselho Nacional da Juventude divulgada em meados do ano passado já mostrava essa tendência de evasão. Quatro em cada dez jovens cogitaram parar estudos, e o principal motivo foi a necessidade do trabalho. A dificuldade em relação à plataforma de estudos à distância foi o segundo ponto.

A EPTV, afiliada da TV Globo, mostrou esforços dos professores em uma reportagem especial nesta segunda-feira (30). Assista no vídeo abaixo:

Confira os desafios para garantir um ensino de qualidade para todos

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EJA é alternativa?

A saída para alguns alunos é retomar os estudos nas turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA), que atualmente têm mais opção no turno da noite do que o próprio ensino médio, destacou a especialista.

"Já vinham sendo fechadas no estado nos últimos anos as turmas de ensino médio noturno. O que tem são algumas salas de EJA, a maioria das escolas não tem mais o médio. A gente tem visto um crescimento da população de jovens no EJA, mais do que a população mais velha que não teve a oportunidade de estudar".

EJA teve aumento de jovens que não concluíram o ensino médio, segundo pesquisadora da Unicamp — Foto: Oscar Herculano Jr./EPTV

Políticas públicas e bolsa de estudos

Ainda assim, a pesquisadora alerta para o grande número de alunos fora da escola que acabam não retornando para concluir o ensino médio. Ela aposta em políticas públicas e bolsas de estudo para esses estudantes conseguirem cumprir essa etapa da vida.

"Se eles vão demorar a voltar, vai depender de políticas em torno deles. Precisa voltar a ter condições de trabalho para os pais, salários que permitam que as famílias liberem os filhos do trabalho e políticas que estimulem os jovens dentro da escola".

"Não é possível pensar uma escola de período integral com a situação do país que a gente tem. Antigamente escolas assim tinham bolsa. É importante ter essa contrapartida".

O g1 questionou o governo estadual sobre o impacto da educação integral e a possibilidade de bolsa, mas não teve retorno.

*Sob a supervisão de Patrícia Teixeira

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