Diversidade
Discurso político e assédio a professores enfraquecem educação sobre gênero e sexualidade, diz HRW
Organização afirma que leis têm sido utilizadas por legisladores e autoridades públicas para proibir projetos que tratem do tema
Políticos brasileiros nos níveis federal, estadual e municipal têm utilizado leis para enfraquecer e até proibir projetos de educação que tratem de questões de gênero e sexualidade. A denúncia é da Human Rights Watch, em relatório divulgado nesta quinta-feira 12.
A organização não-governamental analisou 217 projetos de lei apresentados e aprovados, entre 2014 e 2022, destinados a proibir explicitamente o ensino ou a divulgação de conteúdo intitulado por conservadores como “ideologia de gênero” nas escolas municipais e estaduais.
O documento aponta que existe esforço político, por parte do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), para desacreditar e até criminalizar a educação sobre gênero e sexualidade. A bandeira também é usada pelo ex-capitão com fins políticos e eleitorais, visando agradar eleitores conservadores e religiosos.
Entre as táticas usadas pelos legisladores e políticos está a tentativa de banimento de termos como “gênero” e “orientação sexual” na educação.
Em 2014, após pressão da ala conservadora do Congresso, o tema foi suprimido do Plano Nacional de Educação (PNE). Anos depois, em 2017, o mesmo grupo conseguiu retirar a utilização dos termos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Apesar desses dois documentos que orientam a educação a nível nacional terem deixado de fora as discussões, outras diretrizes que tratam do tema conseguiram sobreviver à onda conservadora, adequando-se à orientação do direito internacional que prevê educação integral em sexualidade como um elemento essencial dos direitos à educação, à informação, à saúde e à não discriminação.
Segundo a organização, pelo menos 20 projetos que proíbem a “doutrinação” estão em vigor em municípios brasileiros. Outros 41 projetos estão em tramitação no Congresso.
O estudo também trouxe relatos de professores de escolas públicas que declararam ter medo ou hesitar em abordar gênero e sexualidade em sala de aula. Alguns ainda relataram terem sofrido ameaças de representantes eleitos e membros da comunidade, enquanto outros enfrentaram processos administrativos e policiais por abordarem o tema.
Professores e especialistas em educação dizem que as leis e projetos, o discurso político e o assédio criam um “efeito inibidor” na disposição de alguns professores de tratarem sobre o tema em sala de aula.
“As tentativas de suprimir a educação integral em sexualidade no Brasil são baseadas em preconceito e prejudicam os direitos à educação e a não discriminação “, explica Cristian González Cabrera, pesquisador da divisão de direitos LGBT da HRW.
Além das manifestações do próprio presidente da República contrárias à educação sexual, o tema também virou alvo de ataques por parte da ex-ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos Damares Alves. Ela criticou a educação sobre gênero e sexualidade, condenando o que chama de “doutrinação” e “sexualização” de crianças.
No ministério da Educação o cenário não difere. Os escolhidos para preencher o cargo por Bolsonaro têm empregado uma retórica discriminatória com o objetivo de desacreditar a educação sobre gênero e sexualidade.
O ex-ministro Milton Ribeiro, que deixou o cargo após denúncias de corrupção e tráfico de influências na pasta, defendia que a educação sobre gênero e sexualidade seria um “incentivo” para que jovens façam sexo. Ribeiro disse ainda que as crianças homossexuais vêm de “famílias desajustadas”.
“Ao alimentar o medo de que as crianças e adolescentes estejam correndo algum risco, esses grupos usam a educação como plataforma política entre segmentos conservadores da população”, diz trecho do documento.
O levantamento também aponta para a importância do protagonismo do Supremo Tribunal Federal para a contenção de leis aprovadas. Ao todo, a Corte derrubou oito delas só em 2020. Como consequência, o órgão se tornou alvo de ataques e insultos por parte do presidente e de seus apoiadores.
No entanto, mesmo com a declaração de inconstitucionalidade concedida pelo STF, apenas a aprovação das leis pelo Congresso já cria um efeito amedrontador entre os professores, que já lidam com a restrição do tema desde 2004, quando ganhou força o movimento chamado “Escola Sem Partido”.
Entre os principais temas abordados pelo movimento estava a disseminação da ideia de que existe uma “ideologia de gênero” utilizada por feministas e pela comunidade LGBTQIA+ para destruir os valores tradicionais da família brasileira. Foi a partir da criação desse imaginário que foi possível a disseminação da fake news da “mamadeira de piroca” durante o pleito de 2018.
“Em última análise, o uso indevido da educação sobre gênero e sexualidade como arma política afeta mais direta e negativamente os professores e os jovens brasileiros, justamente aqueles que mais precisam de informação”, disse González. “O Brasil deve concentrar seus esforços em garantir que todos os jovens tenham informações adequadas e inclusivas sobre gênero e sexualidade, essenciais para que possam viver uma vida saudável e segura”.
Por fim, a entidade defende a importância da educação sexual integral, que ao contrário do esbravejado por conservadores não sexualiza crianças, consistindo na oferta de um currículo de ensino apropriado a cada idade, com conteúdos afirmativos e cientificamente precisos, que possam ajudar a promover práticas seguras e informadas visando prevenir a violência baseada em gênero, desigualdade de gênero, infecções sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada.
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