Brasil Educação

Diretor do Inep ligado a movimento de 'combate à ideologia' poderá interferir no Enem

Não há impedimento para que Murilo Resende Ferreira modifique a prova
Murilo Resende, diretor de Avaliação da Educação Básica (Daeb) do Inep Foto: Reprodução
Murilo Resende, diretor de Avaliação da Educação Básica (Daeb) do Inep Foto: Reprodução

BRASÍLIA - O novo coordenador do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Murilo Resende Ferreira, terá poderes para inspecionar e modificar itens da prova. Embora não seja praxe que o titular da Diretoria da Avaliação da Educação Básica (Daeb) do órgão — cargo que ele assume no governo Bolsonaro — interfira no exame, não há impedimento formal para que o procedimento seja adotado.

O protocolo atual de segurança, no entanto, preconiza que o menor número possível de pessoas tenha acesso ao Enem, para evitar vazamentos. O exame contou com mais de 5,5 milhões de inscritos no ano passado.

Ferreira tem 36 anos, é doutor em Economia pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e teve o nome avalizado por integrantes do movimento Escola sem Partido. Ele coleciona declarações polêmicas sobre o que chama de "doutrinação ideológica nas escolas" e já acusou professores de "manipuladores" e de "gente que que não quer estudar", durante uma audiência no Ministério Público Federal em Goiás, segundo mostrou O GLOBO na última sexta-feira, 4.

O presidente Jair Bolsonaro prometeu, durante a campanha, que iria "tomar conhecimento da prova antes", ao se insurgir contra uma questão da edição do Enem de 2018 em que foi cobrado do candidato a compreensão sobre "dialeto". Como exemplo, a prova mencionou uma linguagem usada pela comunidade LGBT. O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, já disse que "ninguém vai impedir" caso Bolsonaro queira ter acesso prévio às provas.

Prova já começou a ser elaborada

Apesar de não haver um impedimento legal para que o diretor de Avaliação da Educação Básica do Inep avalie previamente o Enem, a prova deste ano já começou a ser elaborada, embora não esteja ainda montada. Os itens que compõem o exame passam por uma longa preparação.

Primeiro, são formulados por professores de universidades públicas federais, de institutos federais de educação, ciência e tecnologia (Ifets) e de escolas militares. Depois, passam por pré-testes, sendo aplicados a uma amostra de alunos com características semelhantes ao do público-alvo.

Só depois de aprovadas nos pré-testes, as questões podem ser usadas no Enem. Esse ciclo de preparação dura em média 18 meses. Pelas normas de segurança usadas hoje pelo Inep, somente uma parte da equipe técnica do órgão tem acesso à prova montada. Como nem todos os servidores envolvidos são especialistas nas áreas cobradas no Enem, uma comissão de profissionais convidados também costuma participar da revisão final do exame. Nesse momento, itens ainda podem cair por problemas relacionados a questões metodológicas.

Tensão em torno do tema da redação

O tema da redação é considerado o ponto nevrálgico do Enem, em termos de segurança. O vazamento das poucas linhas do enunciado simplesmente derruba a prova. Não é incomum, portanto, que o presidente do Inep seja consultado sobre o interesse de saber antecipadamente qual o tema da redação. Mas a praxe é que nem isso saia da equipe restrita que tem acesso ao exame.

Até mesmo os poucos servidores que teriam acesso à prova podem ser barrados caso tenham parentes de até segundo grau que vão prestar o Enem. Essa regra é mantida desde 2009, primeiro ano em que a prova foi usada como seleção para universidades, a partir de uma orientação do departamento jurídico do Ministério da Educação (MEC).

O sigilo e a consistência técnica do Enem são fundamentais para garantir a lisura do exame, cuja nota é usada por 1.481 instituições de ensino superior brasileiras e 35 portuguesas para seleção de candidatos.