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Direitos culturais para a comunidade LGBT+

Por Paulo W. Lima e José Olímpio Ferreira Neto
Atualização:
Paulo W. Lima e José Olímpio Ferreira Neto. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Cultura, antes de ser reconhecidamente um direito, é uma condição necessária para a vida em sociedade. Por compartilharmos referências em comum é que nos percebemos como parte de um grupo, de um meio social. Contudo, será que o acesso, a fruição e a produção de cultura são igualmente garantidos para os diversos grupos sociais? E, de modo mais específico, será que a comunidade LGBT+ alcança as oportunidades para essas partilhas culturais? Precisamos falar sobre políticas culturais para a comunidade LGBT+.

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O pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional são garantidos a todos, a todas e a todys, de acordo com o texto constitucional. Obviamente, esses direitos, como direitos fundamentais, também devem ser acessados pela população LGBT+.

Entretanto, esta população é invisibilizada nos espaços de memórias das cidades e tem suas referências históricas destruídas ou apagadas. O preconceito antes velado, agora muito mais descarado, opõe-se à liberdade das pessoas vivenciarem as suas sexualidades e identidades de gênero. É assim que grupos conservadores seguem perpetrando violências estruturais e deslegitimando a competência, a qualidade e o direito à vida das populações marginalizadas.

A diversidade cultural é fundamental para garantir a cidadania cultural, pois os direitos culturais são regidos por princípios que não permitem que o Estado dite o fazer cultural, sendo indispensável a participação de comunidades diversas para o fomento e a elaboração de políticas para o setor.

Nesse sentido, a cidadania cultural diz respeito a uma existência digna no seio de uma coletividade que além de respeitar os imaginários criativos dessa existência, também garante o direito de ela existir e se transformar junto de sua cultura. O que se nota, na quase unanimidade dos movimentos sociais que pautam identidades políticas (como o movimento Negro, Indígena, Feminista, de Pessoas com Deficiência - PCDs - e LGBT+) é que não há garantia de direitos sem o esforço das lutas coletivas.

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Nesse contexto de lutas sociais, muitos nichos e referências culturais foram surgindo e hoje é possível notar a circulação de várias manifestações culturais originadas nas comunidades LGBT+, como a dança Vogue e o vocabulário do Pajubá. Mas antes mesmo destas aparições serem um instrumento de resistência, são meios para re-existência que vão ganhando dimensões coletivas e movimentando grupos e instituições.

Em 2004, um conjunto de programas, ações e mecanismos institucionais do então Ministério da Cultura (MinC) foram direcionadas à comunidade, que teve como marco inicial a criação do Grupo de Trabalho de Promoção da Cidadania dessa população, ligada à Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural (SID) do Ministério.

Ao se perceberem invisibilizadas e até mesmo assassinadas - simbólica e fisicamente - pelos padrões coloniais machistas e hetero-cis-normativos, a população LGBT+ começa a entender que para sobreviver não basta lutar pela garantia de sua vida de forma isolada. Aqueles outrora denominados "os entendidos" começaram a se saberem uma comunidade, posto que além das encruzilhadas culturais, afetivas e sociais que vivenciavam, a luta pela vida, pelo direito de ser e de amar era (e ainda é) uma constante que atravessava todos os gêneros e sexualidades diversos que formam hoje a sigla variável e grafada com o sinal de "+" ao final, indicando que esta comunidade segue aberta para acolher as diversidades.

Este contexto de reconhecimento de uma comunidade produz uma vasta e rica cultura na qual Tybyra e Pabllo Vittar se encontram. Tybyra é o nome que a história oral dos povos originários deu à pessoa que foi condenada à morte pelos agentes da colônia francesa no Nordeste brasileiro, no início do século XVII. Foi o primeiro caso de LGBTfobia letal que a história brasileira documentada revelou.

Tybyra foi revivido pelo artista indígena Juão Nyn, que escreveu a literatura cênica intitulada "Tybyra: uma tragédia indígena brasileira". Já a Pabllo Vittar - a Drag Queen mais influente do mundo contemporâneo - é criação artística de um rapaz gay nascido também no Nordeste do Brasil. Do começo ao fim da história do país do Carnaval (e da Parada Gay), a comunidade LGBT+ tem mostrado a potência, a criatividade e a beleza de um mundo focado na vida e nos bons encontros. Toda perversão ou pecado associados à comunidade LGBT+ nada mais é do que a reposição do espírito colonial vestindo a bata branca de um falso Estado laico.

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A garantia do direito à cultura para a comunidade do Vale do Arco-Íris, assim como o direito ao uso e reconhecimento do nome social ou o direito a denunciar casos de LGBTfobia, não deveria mais ser uma questão do tipo "por que garantir?", mas sim do tipo "como garantir?". Tal qual o processo de reparação histórica dos negros e o processo de retomada dos povos originários, trata-se aqui de um processo de reparação sociocultural, o que Juão Nyn chamou de retomada do imaginário como território. É preciso garantir o direito à cultura LGBT+ para que o Brasil deixe de ser o país que mais mata pessoas Pride, ao mesmo tempo que é o país que mais consome entretenimento adulto sobre esta população na internet.

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Segundo o princípio da igual dignidade e do respeito a todas as culturas, prevista na Convenção sobre a proteção e a promoção da diversidade das expressões culturais da Unesco, as minorias também precisam ter suas variadas formas de expressões e manifestações protegidas e promovidas, assegurando o reconhecimento de sua dignidade e respeito à diversidade. As minorias, como a população LGBT+, são sujeitos de direitos culturais, que precisam ter sua vida e sua dignidade respeitadas, em sua diversidade, incluindo não só suas práticas artísticas, mas também os modos de existir, de resistir e de re-existir.

*Paulo Willame Araújo de Lima é originário de Comunidade Eclesial de Base (CEB) com formação técnica em Finanças, licenciatura e mestrado em Filosofia. Atualmente cursa o Doutorado em Filosofia, pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), na linha de subjetividade, arte e cultura. Faz parte da rede Embaixadores da Juventude, formada pelo escritório da ONU sobre Drogas e Crimes (UNODC). Periférico, miscigenado e LGBT+, atua profissionalmente com produção cultural, arte-educação e acessibilidade (principalmente audiodescrição e LIBRAS)

*José Olímpio Ferreira Neto é capoeirista, advogado, professor, mestre em Ensino e Formação Docente, especialista em Direitos Homoafetivos e de Gênero, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza (GEPDC/UNIFOR) e secretário executivo do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)

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