Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Alexandre Schneider

Diga não ao homeschooling

Dar aos pais o direito de escolha se seus filhos devem ou não frequentar a escola viola o direito das crianças e estimula a evasão escolar nas áreas mais vulneráveis

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O Governo Federal elegeu como prioridade na agenda educacional —e o Congresso entrou na onda— a regulamentação do ensino domiciliar, ou homeschooling. Além de confirmar a dificuldade de eleger prioridades e da ênfase em temas ideológicos, a autorização do ensino domiciliar no Brasil pode trazer sérias consequências às crianças e adolescentes mais vulneráveis, bem como ser a porta para a criação de redes paralelas de educação.

A educação como função do Estado, universal, gratuita e laica data do século 19, na Europa, e do século 20, no Brasil. É, portanto, algo anacrônico discutir que as crianças possam deixar a escola para serem educadas em casa por suas famílias, como era comum na Idade Média.

O Brasil é o país em que as escolas permaneceram fechadas por mais tempo em todo mundo. O ensino remoto fracassou. Há milhões de crianças e adolescentes que simplesmente foram privados das atividades a distância por não terem acesso à internet ou a dispositivos eletrônicos. Apoiar estados e municípios a vencer esses desafios deveria ser a prioridade do Ministério da Educação, mas este preferiu ser pautado pela ideologia.

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Crianças de famílias adeptas do homeschooling, ensino domiciliar, em Piracaia (SP) - Karime Xavier/Folhapress

Dar aos pais o direito de escolha se seus filhos devem ou não frequentar a escola viola o direito das crianças, estimula a evasão escolar nas áreas mais vulneráveis e abre a porta para que crianças e adolescentes estejam sujeitas à violência.

Como bem lembrou Luciana Temer, presidente do Instituto Liberta, mais de 70% dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes acontecem dentro de casa, segundo dados do Ministério da Saúde. Dados da Polícia Militar de São Paulo, levantados por esta Folha, indicaram um aumento de 20% nas notificações de violência doméstica entre 20 de março e 13 de abril deste ano em relação ao anterior.

Evidentemente não se trata de inferir que aqueles que optam pela educação domiciliar são potenciais agressores de seus filhos, longe disso. Mas é necessário lembrar que o ambiente escolar é um espaço de proteção das crianças. Não é incomum que casos de crianças que sofrem algum tipo de violência —doméstica ou não— só ganhem visibilidade a partir da identificação na escola.

A escola não é apenas um lugar de transmissão de conhecimento. É um instrumento de coesão social, de exposição ao contraditório, da colaboração, da socialização entre grupos distintos, da educação para a cidadania, da expansão dos horizontes preexistentes (sem ignorá-los), da construção de um sentido do coletivo e de interdependência. Esses aprendizados só são possíveis na interação proporcionada em uma escola.

A única exigência de cunho pedagógico no texto em discussão na Câmara é a de que um dos pais ou responsáveis seja formado ou esteja cursando uma faculdade. Não há clareza em relação a um currículo a ser seguido e sobre quem deve efetuar a fiscalização das atividades educacionais realizadas em domicílio.

O governo defende que os pais que optarem pelo ensino domiciliar possam se vincular a associações ligadas ao tema, o que é uma porta para a captura de recursos públicos e a criação de um mercado paralelo ao das escolas privadas e públicas.

Assim como outros países que proíbem a prática, o Brasil não é obrigado a autorizar o ensino domiciliar, para o qual não há evidência científica de sucesso. Enquanto a Câmara e o Governo Federal se empenham na discussão de um tema pré-iluminista, a regulamentação do Fundeb —principal fundo de financiamento da educação— está parada, não há solução para garantir a conectividade de estudantes e escolas e o orçamento do Ministério da Educação mais uma vez foi reduzido.

Escola e família são instituições complementares, não concorrentes. Negar a criança o direito de frequentar a escola compromete seu desenvolvimento integral e a construção de uma sociedade mais coesa e solidária. Diga não ao homeschooling.

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