Dificuldades são contornadas com poucos privilégios e autodidatismo

No Nordeste, estudantes enfrentam falta de aparelhos e acesso à internet durante aulas remotas

PUBLICIDADE

Foto do author Ludimila Honorato
Por Ludimila Honorato
Atualização:

No interior do Rio Grande do Norte, o jovem Johab Fidélix, de 19 anos, enfrenta sinal telefônico ruim e internet de má qualidade para conseguir estudar minimamente e concluir o terceiro ano do ensino médio. Quando raramente consegue acesso, a conexão é lenta e falha a cada minuto.

"Está sendo muito difícil participar das aulas online. Estou tentando me virar como posso com livros da escola daqui. Às vezes, vou na escola do fundamental, pego livros do oitavo, nono ano para revisar, utilizo os livros que recebi do terceiro ano. Quando dá, consigo assitir partes de videoaula no YouTube e por aí vou tentando para não ir tão mal no Enem", ele conta.

No interior do Rio Grande do Norte, o jovem Johab Fidélix, de 19 anos, enfrenta sinal telefônico ruim e internet de má qualidade. Foto: Arquivo pessoal

PUBLICIDADE

A escola onde estuda fica na cidade de Touros, a 21 quilômetros de onde mora, no distrito de Cana Brava. Em tempos pré-pandemia, Johab ia para a escola de ônibus. "Não é que eu parei de estudar, mas parei de tentar interagir com o pessoal da turma nas aulas online, porque quebrava muita a cabeça tentando achar internet que desse certo. Estou sendo autodidata."

Já na capital Teresina, no Piauí, a jovem Francisca Andreia da Costa Ferreira, de 17 anos, passou três dias sem acompanhar as aulas online logo que a escola deu início a esse modelo. Como estudar dessa forma se não havia internet em casa, na zona rural da cidade? O jeito foi acordar cedinho todos os dias para percorrer dois quilômetros a pé até a casa de um tio que disponibilizou a conexão. Pelo menos o percurso era bem menor do que os 50 quilômetros entre a casa dela e a escola, feito em mais de duas horas, contando com as paradas para buscar mais alunos.

"Quando entrou essa pandemia, estudar pelo celular complicou muito porque é uma modalidade nova, a gente não está acostumado a ter no dia a dia. Dentro de casa, teve de diminuir a carga horário das aulas remotas porque não estava dando certo estudar e fazer as coisas de casa. Na escola, a gente não tem interrupção de parente que chega e atrapalha você na hora que está estudando", relata a jovem, que está no último ano do ensino médio.

A jovem Francisca Andreia da Costa Ferreira, de 17 anos, passou três dias sem acompanhar as aulas online logo que a escola deu início a esse modelo. Foto: Arquivo pessoal

Depois de um tempo, a mãe de Francisca conseguiu instalar internet em casa, mas nem todos os problemas estavam resolvidos. "No início foi muito difícil, quase que a gente desiste, mas aí eu pensava que não podia desistir", diz. A escola também disponibilizou material impresso para quem não podia acompanhar pela internet. "Não está sendo fácil, até porque não estamos acostumados a isso dentro de casa, sozinha, sem auxílio de professores." 

Os docentes, por sua vez, adotam métodos diferentes de acordo com as ferramentas que possuem. Alguns conseguem dar aulas ao vivo; outros disponibilizam o conteúdo apenas em vídeos previamente gravados. Andreia planejava cursar Medicina, mas já está pensando em outra possibilidade porque acredita que, com as dificuldades que vem enfrentando, será difícil passar em um curso tão concorrido. "A cada dia os planos só mudam, é uma incerteza que a gente tem de não conseguir se programar."

Publicidade

Ainda no Nordeste do Brasil, o cearense Francisco Matheus Bezerra, de 18 anos, mora na cidade interiorana de Solonópole e reconhece os privilégios que tem em comparação a alguns colegas que não têm conseguido fazer aulas online. Ele tem à disposição um celular, um computador, internet de qualidade e um espaço privado para estudos, mas teve de lidar com outros desafios. 

O cearense FranciscoBezerra, de 18 anos, reconhece os privilégios que tem em comparação a alguns colegas que não têm conseguido fazer aulas online. Foto: Arquivo pessoal

Antes da pandemia, Francisco estudava no período da manhã, passava a tarde estudando e descansando e à noite fazia um turno de quatro horas de trabalho em uma farmácia. Com a chegada do novo coronavírus, alguns funcionários ficaram doentes e precisaram ser afastados, ao que o jovem aceitou dobrar o período de trabalho, primeiro de manhã e depois à noite.

"Não cheguei a parar totalmente, mas teve algumas semanas que estava difícil continuar por conta da grade curricular, que é extensa e acumulava por dois dias. Mas como a gente tem um prazo de 48 horas para fazer a devolutiva ao professor, eu tirava uma folga da farmácia e continuava", conta Francisco. Para ele, a desmotivação atinge todos os alunos, alguns mais, outros menos, e muitos abandonaram o estudo.

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.