Educação

Por Filipe Gonçalves, Anne Barbosa e Eliane Silva, SP1

Diário de Escola: alunos do EJA decidem sobre currículo e conteúdo na Zona Sul de SP

Diário de Escola: alunos do EJA decidem sobre currículo e conteúdo na Zona Sul de SP

No Cieja - o Centro de Integração de Educação de Jovens e Adultos - que fica no Campo Limpo, na Zona Sul de São Paulo, as portas ficam abertas das 7h até quando termina a última aula, às 22h30. As salas de aula não têm carteiras tradicionais. As mesas são sextavadas e redondas para facilitar a interação entre os alunos. A escola tem mais de 1.700 alunos, todos no ensino fundamental. São os alunos que escolhem o tema que vão estudar no ano. Assuntos do dia a dia deles.Neste segundo semestre foi "preconceito".

Há muito verde entre uma sala e outra. E para não interromper o aprendizado bruscamente, o clássico sinal do intervalo foi substituído por uma boa conversa antes do encerramento da aula.

Todas essas ideias foram dadas pelos próprios alunos do Cieja, há 20 anos, para a diretora da época, a dona Eda Luiz.

A série Diário de Escola apresenta projetos que estão promovendo mudanças positivas em escolas públicas de São Paulo. Ideias para aprimorar o ensino de matemática, aumentar a participação da comunidade escolar na gestão das instituições, combater a evasão e a violência escolares, são alguns exemplos.

Atualmente aposentada, ela conta que foi um desafio enorme melhorar a educação em um dos lugares mais violentos do mundo e com um alto número de abandono da escola regular. E, para isso, passou a convidar os moradores do bairro para conhecer a escola e, juntos, construir algo diferenciado.

Foi assim que a dona de casa Jade Maria da Silva mudou a história da vida dela. Depois de sofrer um acidente e perder a memória, não conseguia escrever o próprio nome nem ler. Com a ajuda das filhas, fez a matrícula e voltou a estudar.

Jade encontrou outros colegas que também estão aprendendo com a ajuda de profissionais prontos para acolher.

A ex-diretora do Cieja, Eda Luiz — Foto: TV Globo/Reprodução

A Kelly Almeida Santos é uma das professoras dedicadas. Ela diz que o aluno quando chega ao Cieja vem amedrontado, que muitos já foram humilhados no banco, no mercado, na hora de pegar um ônibus e que o trabalho na escola começa com um abraço, para tentar fazer com que toda a humilhação pela qual ele passou ao longo da vida seja esquecida, pelo menos no momento em que ele estiver estudando.

A aluna Ozanira Lima Esteves sentiu na pele o preconceito quando se mudou de Pernambuco para São Paulo, sem saber ler nem o destino do ônibus, há quase 50 anos.

"Cada um fala do que já passou, e isso é muito importante para o dia a dia da gente. Se a gente passou, não vamos fazer os outros passar também, né? Se alguém falar alguma coisa, alguma piadinha, não vai falar mais. Se vem pra sala de aula, não vai falar mais. Por quê? Sofreu na pele", diz.

Para chegar a essa escola tão diversa, não foi fácil. Dona Eda lembra que a pressão para voltar ao modelo tradicional era grande. Mas ela nunca desistiu de investir e sempre acreditou no aluno.

"A escola é muito importante porque é uma maneira onde ele vai encontrar as diferenças, onde ele vai aprender a argumentar, respeitar e quanto mais diferença mais se cria esse respeito, essa tolerância, essa compreensão do diferente. Quando você isola muito, a pessoa não tem parâmetro para fazer isso. Então uma escola diversa como a nossa faz com que as pessoas criem essa habilidade de convivência de relacionamento."

Jade diz que depois de reaprender a ler e escrever quer ser engenheira. “Eu gosto de obra. Estou no caminho certo. Estou aqui pra aprender e tenho certeza de que eu vou aprender.”

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