Os desafios para implantar a educação em tempo integral no ensino médio são muitos e precisam atender a realidades específicas dos estudantes de cada estado. A definição dos horários de início e fim das aulas e a grade curricular, por exemplo, devem ser ajustadas para atender turmas diversas, seja na cidade, em comunidades quilombolas, áreas rurais ou para manter nos bancos escolares adolescentes que precisam trabalhar para ajudar a família.
A questão, com toda a sua complexidade, foi um dos assuntos debatidos nesta segunda-feira na sexta edição do seminário Diálogos RJ, promovido pelo GLOBO, que teve a educação como tema.
— A educação integral que desejamos é aquela que não produza analfabetos funcionais, que seja identidade do povo, um projeto de vida. Ela promove e integra — explicou a secretária estadual de Educação, Roberta Barreto, no painel “Os desafios da educação integral na sociedade brasileira”.
Roberta citou exemplos de escolas do Estado do Rio com ensino integral bastante procuradas justamente por atenderem demandas específicas da população.
— Os municípios têm suas especificidades. Nossa escola agrícola da Região Serrana (Nova Friburgo) é um sucesso. O povo quer se matricular porque ela é a identidade do arranjo produtivo da região. No Rio (Tijuca), temos a Nave (Colégio Estadual José Leite Neves) que trabalha muito com inteligência artificial — contou.
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Exemplos de sucesso
O mediador foi o jornalista Antônio Gois, colunista de educação do GLOBO. No painel, os especialistas destacaram ainda que esse debate é pertinente principalmente pelo momento atual de discussão da reformulação do ensino médio no Brasil.
Em abril deste ano, diante de críticas de especialistas em educação, o presidente Lula decidiu rever as diretrizes que entraram em vigor no ano passado para reformular o ensino médio. Entre as ponderações estava o fato de o modelo focar mais em matérias específicas para a formação profissional do aluno, em detrimento de disciplinas da formação básica, entre as quais língua portuguesa e matemática.
Lina Kátia Mesquita de Oliveira, coordenadora-geral do Centro Nacional de Políticas Públicas e Avaliação em Educação, lembra que o Plano Nacional de Educação (2014) estabeleceu que, até o ano que vem, pelo menos 50% da rede estadual de ensino em todo o país deve ter turmas em tempo integral. Em 2020 o índice era de 29,5%.
No caso das escolas do Rio, esse percentual estava acima da média nacional, com oferta de ensino integral em 17,5% da rede estadual — com 30,2% dos alunos neste sistema de ensino, contra 20,4% do país.
— O desafio é muito grande e difícil. Pesquisa feita para a Unicef (2022) mostrou que dois milhões de crianças e adolescentes de 11 a 19 anos abandonaram a escola em todo o Brasil. Os principais motivos: trabalho infantil, falta de motivação pelo ensino oferecido e a pandemia da Covid-19 — avaliou Lina Mesquita.
Apesar da dificuldade, ela citou alguns exemplos de sucesso de implantação do tempo integral, como em Pernambuco e no Ceará, que já tem 40% dos estudantes matriculados. No entanto, alertou, é preciso ter cuidado para evitar o aumento da evasão escolar por aqueles que não podem ficar na escola o dia todo.
No caso específico de Pernambuco, acrescentou Rosalina Soares (assessora de Pesquisa e Avaliação da Fundação Roberto Marinho), a ampliação do tempo integral ocorreu em paralelo à redução das mortes violentas de jovens. Porém, ela frisou, esse processo de ampliar as escolas integrais não necessariamente será bem-sucedido.
— Em conversa com uma gestora da ONG Redes de Desenvolvimento da Maré, ela citou o caso de duas escolas de lá. Uma, com educação integral, está vazia, tem cerca de 200 alunos. A escola que não adota o regime está cheia — ponderou.
Na sexta-feira passada, o Ministério da Educação encaminhou à Casa Civil um novo projeto de lei que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e será remetido para o Congresso Nacional. A proposta é que os alunos do ensino médio tenham 2,4 mil horas na formação básica, e a proibição de disciplinas de forma híbrida ou remota.
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Os estados, por intermédio de entidades como o Conselho Nacional de Educação (CNE) e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), vão defender no Congresso mudanças no texto para que tenham mais autonomia na definição da grade e que só entrem em vigor em 2025,de modo que as redes estaduais de ensino se preparem.
Atividades em paralelo
A discussão sobre as escolas em tempo integral é antiga. Secretária de Educação de Nova Iguaçu e vice-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime-RJ), Maria Virgína Andrade Rocha lembrou que o debate sobre a adoção deste modelo já dura 40 anos, desde que os Cieps foram concebidos por Darcy Ribeiro, na década de 1980, em um programa que não foi aplicado como tinha sido idealizado.
— O verdadeiro desenvolvedor do processo educacional passa por vários pontos, inclusive a integração curricular e o desenvolvimento pleno dos alunos — disse ela.
A partir deste entendimento, Lina defendeu que, nesse processo, a escola tem que ser atrativa, oferecendo atividades culturais:
— É importante que a escola não ofereça apenas turmas em tempo integral, mas que seja de fato integrada. Educação não é só oferecer prédios, mas um propósito de vida. Assim, o ensino deve ser oferecido com outras atividades em paralelo, como dança, música e esportes.
Por fim, Roberta e Lina também destacaram que oferecer auxílio financeiro ou bolsas para que os alunos permaneçam nas escolas não necessariamente surtirá efeito se esses incentivos não forem monitorados de forma adequada.
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