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Dia do professor: numa cidade em guerra, exemplos de mestres que ensinam a sonhar

Era manhã do dia de São Cosme e Damião, e algumas crianças já sonhavam com os doces que comeriam após as aulas, quando seus pensamentos foram cortados por fortes estampidos. Um tiroteio deixou um homem morto e outro ferido na porta da Escola municipal Bernardo Vasconcelos, na Vila Cruzeiro. Os estudantes se protegeram no corredor e, passado o perigo, foram liberados. Mas o trauma causado pelo episódio poderia dificultar o retorno dos alunos à unidade. Não fosse uma jogada de mestre. No dia seguinte ao confronto, os diretores Marcelo dos Santos Martins e Daniela Azini Henrique, em parceria com um grafiteiro da comunidade, pediram às crianças sugestões de mensagens positivas para serem pintadas no muro da escola. O exercício serviu para desviar o foco da violência e trazer um novo tom ao ambiente escolar, antes frio e cinzento.

Em uma cidade em guerra, esse é apenas um, entre tantos exemplos, de casos de professores, homenageados neste domingo, Dia do Professor, que se desdobram para garantir um direito básico à população. São heróis do cotidiano, que apresentam a educação como escudo contra os males da sociedade.

— Depois daquele tiroteio, a gente precisava mudar o foco. A ideia era fazer os alunos refletirem sobre coisas boas, nas quais podem acreditar e projetar o futuro. Eles abraçaram a ideia. Com isso, conseguimos impedir que aquele episódio interferisse na imagem da escola — conta Marcelo.

Nascido e criado na Vila Cruzeiro, além de dirigir a escola municipal, o professor de 40 anos coordena desde 2011 o projeto “Estudando para vencer”, que oferece aulas de pré-vestibular e pré-técnico (preparatório para escolas técnicas) a adolescentes da comunidade. Quando percebe que algum aluno, do curso ou da escola Bernardo Vasconcelos, precisa de atenção especial, vai até casa da criança para conhecer e conversar com seus pais.

— Ser professor não me tornou milionário, mas me fez ajudar a realizar sonhos. Hoje, tenho autoridade para pegar o aluno que está se envolvendo com o tráfico e dizer que esse caminho não é para ele. Isso, dinheiro nenhum poderia pagar — orgulha-se. — Passei muita dificuldade na vida e a única coisa que me libertou foi o estudo. Passo para os meus alunos um pouco do que acredito — acrescenta Marcelo.

Mostrar que os alunos podem traçar seu próprio destino também é a missão de Gláucia da Silva Morais Acioli de Lima, de 29 anos. Nascida no Alemão e criada na Maré, filha de um gari e uma servente, ela concluiu duas faculdades e fez questão de não abandonar a favela. Hoje, é coordenadora pedagógica da Escola municipal Professor Afonso Várzea, unidade bilíngue do Alemão.

— Poderia ter escolhido qualquer unidade na Zona Sul, mas pedi para trabalhar em favela. Preciso dar a mesma oportunidade que eu tive para essas crianças. É a hora de mostrar que, mesmo com todos os problemas, mesmo sendo oriundo de favela, a gente pode chegar longe — diz.

Na visão da professora Gláucia, o maior desafio de mestres que atuam em áreas conflagradas é conseguir manter a esperança.

— É preciso saber que aquele dia, aquela aula, aquele olhar atento ao aluno vão fazer muita diferença na vida dele. Ter essa dedicação e esse carinho, apesar de todos os problemas que a comunidade enfrenta, é o que faz a diferença — conta. E continua: — Não quero que meus alunos se lembrem de mim como aquela que não mexeu um palito por eles, mas como quem fez parte da vida deles.

Mais que lição, missão de mestre

A palavra esperança está na ordem do dia de Roberto de Oliveira Ferreira, de 56 anos. Após ser filmado tocando violão para acalmar alunos do Ciep Roberto Morena, em Paciência, durante tiroteio, o professor foi elogiado pelo secretário municipal de Educação, Cesar Benjamin, que compartilhou o vídeo no Facebook. Depois do episódio, em maio, Roberto deu entrevistas a jornais e canais de TV estrangeiros, foi homenageado na Câmara de Vereadores do Rio e recebeu no Ciep a visita do educador português António Nóvoa, que escreveu o artigo “A história exemplar de um professor brasileiro”.

— Trabalhar nesses lugares exige muito mais do que ensinar. Somos pai, mãe, avô, amigo, irmão, psicólogo. A ignorância, a insensatez e a irresponsabilidade do poder publico são balas perdidas que atingem essas crianças. Podem até matar — diz Roberto.

A pedagoga Mírian Paura, da Faculdade de Educação da Uerj, diz que o agravamento da violência no Rio trouxe desafios diante dos quais os professores não são postos durante a formação. O heroísmo está em lidar com esses desafios sem prejudicar a carga horária e nem traumatizar os alunos.

— Ser professor hoje é ter uma missão. Não basta proteger alunos do tiroteio. Quando a situação estiver normalizada, dentro do possível, é preciso discutir o que leva os indivíduos a promoverem essas ações — diz a educadora, que lamenta a ausência de políticas públicas de valorização da classe.