EDUCAÇÃO

Por Pedro Brodbeck, g1 PR — Curitiba


Jane Hir conta sobre sua trajetória profissional e o que acredita ser o papel do professor

Jane Hir conta sobre sua trajetória profissional e o que acredita ser o papel do professor

A primeira vez que Jane Hir entrou em uma escola como aluna foi aos 27 anos, após o filho pedir ajuda para uma lição de casa que ela não sabia como resolver. Depois disso, ela não saiu mais da sala de aula. Quatro décadas depois, é ela que ajuda a transformar a vida de outras pessoas.

Aos 66 anos, hoje mestre em educação, Jane dá aula no sistema prisional, no Complexo Prisional de Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba.

"Para todas as turmas que eu inicio, eu conto a minha história. Conto da fome, conto da escassez que nós vivemos e que nada disso me impediu de realizar os sonhos. Foi difícil, foi dolorido", disse.

Jane, que já foi professora de crianças de todas as faixas etárias, desde 2013 usa a produção de texto para dar aulas a mulheres detidas.

De acordo com ela, o ensino dentro da prisão tem exemplos práticos da transformação que a educação pode promover. "Eu vejo uma pessoa que não conseguia entender um texto, que não sabia o que estava escrito à sua volta, mas que agora consegue fazer uma carta para filha", disse.

Segundo a educadora, isso mostra que o papel do professor é mostrar que é possível evoluir. "É a concepção de que o ser humano é incompleto, e a educação mostra que podemos ser mais", afirmou.

Alfabetizada no papel de pão

Jane Hir, de 66 anos, com o primeiro diploma do supletivo, que começou a cursar aos 27 anos — Foto: Divulgação/Seed

A relação de Jane com os textos e com a escrita começou muito antes dela entrar numa escola ou se formar como professora.

Começou quando ela e os 13 irmãos foram alfabetizados pela avó paterna em casa.

"Minha avó era uma exímia leitora. Ela também não tinha frequentado a escola, mas aprendeu a ler, se dedicou e passou a escrever muito bem", relembrou.

Sem dinheiro e com poucas oportunidades, apenas homens da casa foram à escola quando eram crianças.

Em casa, os demais aprenderam a ler e escrever com jornais velhos e livros doados. Os cadernos eram feitos com vários papéis de pão costurados com barbante.

"Apesar de estar fora da escola, eu fui privilegiada por uma grande diversidade de livros. Eu li José de Alencar antes dos 10 anos de idade", disse.

De aluna a professora

Jane se matriculou em uma escola somente aos 27 anos, quando ficou incomodada por não conseguir entender uma atividade escolar do filho, que na época era adolescente. "Aquilo mexeu muito comigo", lembrou.

Com a ajuda de amigos, se formou na educação básica e, com 31 anos, entrou para um curso de magistério.

Jane dá aula há mais de 20 anos — Foto: Jane Cleide Hir/Arquivo pessoal

Alguns anos mais tarde, já dando aula nas redes municipal e estadual, fez a graduação em Letras e, depois, mestrado em Educação, em que pesquisou a escrita no ensino de jovens e adultos no sistema prisional.

"Eu tive a aventura de passar pela educação infantil, pelas séries iniciais, pelo ensino médio, fui professora de pós graduação e desde 2013 estou no sistema prisional. São públicos completamente diferentes, mas tem um princípio só, que é acolher cada um", disse.

Dentro da penitenciária, Jane contou que anualmente faz um livreto artesanal com os textos das detentas, como forma de incentivá-las a escrever.

"Uma passagem que me marcou foi uma aluna que me disse que, até aquele dia, ela só tinha visto o nome dela nos autos e processos como autora de delitos, mas que agora era autora de livros. Pelo domínio da escrita, ela mudou de condição", relembrou.

Jane faz livretos com textos produzidos pelas alunas — Foto: Divulgação/Seed

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