Por Bárbara Muniz Vieira, G1 SP — São Paulo


Os meninos bolivianos Iker e Leonardo Zapata estudam na EMEI Guilherme Rudge, na Mooca, Zona Leste da capital — Foto: Bárbara Muniz Vieira/G1

A rede municipal de ensino de São Paulo possui atualmente 7.777 estudantes imigrantes matriculados, vindos de 97 países diferentes, de acordo com a Secretaria Municipal da Educação.

Nesta sexta-feira (25) é comemorado o Dia do Imigrante, e são várias as nacionalidades que podem ser homenageadas nas escolas da rede. A que tem mais representantes é a boliviana, seguida da haitiana. Há também um número significativo de estudantes originários de Venezuela, Angola, Paraguai, Peru, Argentina, Japão, Colômbia e Estados Unidos.

No ano passado, eram 7.350 alunos imigrantes, o que representa um aumento de 5,8% neste ano. Em 2017, eram 82 nacionalidades na rede, um crescimento de 18,2% em quatro anos. No total, esses alunos representam cerca de 0,7% do universo de matriculados na rede em 2021.

Embora o número seja pequeno proporcionalmente, a realidade muda de escola para escola, chegando, em alguns casos, a representar a maioria dos estudantes – como ocorre na Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) Guilherme Rudge, localizada na Mooca, Zona Leste da capital paulista.

Crianças brincam no parquinha de escola na Zona Leste de SP — Foto: Bárbara Muniz Vieira/G1

A escola fica perto dos bairros do Brás e do Bom Retiro, locais tradicionalmente ocupados por lojas e confecções de roupas populares que atraem comerciantes de todo o Brasil e imigrantes de vários países, mas principalmente bolivianos que chegam ao Brasil para trabalhar nas oficinas de costura.

Por causa da proximidade com essa cultura local, a escola tem cerca de 60% dos alunos imigrantes. Além de bolivianos, há também venezuelanos, egípcios, angolanos e já passaram por ali russos e japoneses.

Um deles é Iker Dilan Ayca Copa. Nascido em La Paz, na Bolívia, ele tem 5 anos e está no Brasil desde julho de 2019. Em espanhol, ele conta que é fã de Sonic, um personagem de videogame de uma franquia de multimídia japonesa. "Olha como eu corro igual ao Sonic", diz ele, que usa uma calça com o porco-espinho estampado.

Iker está aprendendo português e conta que gosta de ajudar a mãe a cozinhar. "Minha mamãe cuida muito de mim e também meu papai. Eles fazem costura", conta ele.

O aluno Iker Dilan Ayca Copa, nascido em La Paz, na Bolívia, tem 5 anos e está no Brasil desde julho de 2019 — Foto: Bárbara Muniz Vieira/G1

A diretora da escola, Solange Cordeiro dos Santos, trabalha há 12 anos com essa comunidade tão heterogênea, mas que constitui a maioria na escola.

"Tinha uma aluna boliviana que ficava esperando os pais quando fechava a escola, mas eles estavam trabalhando. Eles não conseguem acompanhar a vida das crianças por causa do trabalho", conta ela.

A condição dos pais, claro, interfere na vida escolar dos filhos.

"O que mais me toca é a vida de 'escravidão' que os pais destes alunos imigrantes levam, especialmente os bolivianos. Consigo falar com as mães de madrugada, quando elas estão na máquina de costura, e os filhos estão dormindo. Muitas vezes elas não conseguem participar das reuniões na escola. A rotatividade de alunos é grande, porque se os pais mudam de oficina, os filhos vão para outra escola", afirma.

De acordo com a professora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) Katia Norões que pesquisou no doutorado migrações internacionais e educação na rede municipal de São Paulo, estudos mostram que a participação dos pais na vida escolar dos filhos é essencial na formação deles.

“A aprendizagem da criança cujos pais participam da escola é muito mais intensificada porque há uma valorização dessas famílias em relação à aprendizagem. Considerando que a família é a primeira instituição dessa criança, a relação dessa primeira com a escola, que é a segunda ou a terceira instituição, é onde a criança percebe o valor daquele espaço e cria sua relação com o espaço também.”

“No caso dos imigrantes essa participação é essencial porque é onde a criança faz essa ponte entre a sociedade de origem, a família e a sociedade de destino. Além disso, quando a criança entra para o sistema educacional, ela acessa um conjunto de bens sociais que é extensível à família. É uma forma de inserção da família na sociedade de destino e a porta de entrada para o convívio maior com essa sociedade”, afirma.

Na escola de Solange, porém, uma parte do trabalho de acolhimento dos pais parou de acontecer por causa da pandemia de Covid-19.

"Quando não estávamos em pandemia, fazíamos festa das nações, trazíamos mães para tocar instrumentos. Nossa principal festa era a junina, eles ficavam tão felizes. A festa de final de ano também não podia faltar. Essas pessoas não têm muitas opções de diversão, aqui perto elas só têm o Parque do Belém, que eles adoram. Há pais que perguntam de cursos porque querem aprender português e encaminhamos", conta ela.

A doutora Katia Norões, que pesquisa migrações internacionais e educação na rede municipal de São Paulo — Foto: Arquivo pessoal/Divulgação

Vulnerabilidade

Atualmente, a cidade de São Paulo possui 367.043 imigrantes de mais de 200 países em situação regular, de acordo com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC).

A tabela abaixo mostra as 10 nacionalidades mais presentes na capital paulista:

Capital paulista possui 367.043 imigrantes em situação regular

País de origem Número de imigrantes em SP
Bolívia 99.933
China 26.039
Haiti 20.042
Peru 17.250
Estados Unidos 17.097
Colômbia 12.887
Argentina 12.411
Paraguai 10.396
Japão 10.235
França 9.950

Em 2018, quando defendeu o doutorado, Kátia localizou mais de 100 nacionalidades diferentes entre os estudantes imigrantes que viviam em São Paulo. De acordo com ela, a criança é a parte mais vulnerável dentro do processo de imigração.

“A criança precisa de um adulto para ser representada, seja na sociedade de origem, seja na de destino. Isso as coloca em uma situação de maior vulnerabilidade em relação aos adultos, que têm a autorrepresentação. Até entrar nos espaços, reivindicar direitos, para tudo isso ela precisa de representação. Na condição de migrante, isso é ainda mais agudo", afirma.

Segundo ela, São Paulo tem estudantes de todos os continentes, o que a torna uma das cidades com maior concentração e diversidade de nacionalidades do mundo.

“A contribuição de imigrantes é fundamental para os nossos processos educacionais porque eles aprimoram e contribuem para enxergar a nossa própria realidade e cultura.”

“As culturas latinas, europeias e asiáticas desembocam nas nossas escolas e possibilitam que saiamos do universo da abstração ao nos oferecer contato com esse caldeirão de culturas. A grande contribuição é trazer diversidade humana concreta para nossos espaços”, afirma.

A diretora da EMEI Guilherme Rudge, Solange Cordeiro dos Santos, trabalha há 12 anos com a comunidade imigrante, que é maioria na escola — Foto: Bárbara Muniz Vieira/G1

Desafio da língua e evasão

A diretora Solange diz que o primeiro impacto das crianças imigrantes na escola é a língua.

"Algumas crianças quando chegam não falam português. Já trabalhei em escolas em que as professoras achavam que a criança tinha autismo porque elas se fecham, mas a questão é o idioma. Se eu chegasse na Alemanha, eu ficaria quieta também (risos). Mas as crianças aprendem rápido", afirma.

Segundo a pesquisadora Kátia, a dificuldade com a língua depende muito da faixa etária.

"Na educação infantil, essas diferenças não ficam tão latentes porque a criança aprende muito rápido o idioma e passa a funcionar inclusive como intérprete da família. Quando a criança migra mais velha, o problema da língua é maior, assim como o da documentação", afirma.

O que acontece, segundo a pesquisadora, é que, por causa de problemas com a língua, as crianças e os jovens acabam deixando os estudos. Não há dados sobre esses casos.

"Essas crianças mudam de escolas e região, mas não se sabe realmente qual é o percurso delas quando saem da escola porque não há estudos sobre isso. É uma lacuna para nós o que acontece. Elas voltaram para o país de origem? Elas pararam de estudar?", questiona Kátia.

Leonardo Zapata Garcia, de 5 anos, é filho de bolivianos. — Foto: Bárbara Muniz Vieira

Convívio

De acordo com Solange, os alunos de diferentes nacionalidades convivem bem entre si na escola, apesar das origens e culturas diferentes.

"Eu não sinto diferença de tratamento entre os alunos, já está na rotina deles esta diversidade. Não vejo uma criança se negando a brincar com outra estrangeira", afirma ela.

O parquinho da escola é o espaço de convívio favorito das crianças, como Leonardo Zapata Garcia, de 5 anos, que também é filho de bolivianos. Conhecido na escola como Zapata, o menino fala português e é bastante comunicativo.

"Gosto de fazer pipa na escola e em casa faço carro de papel e papelão. Eu quero ser cozinheiro, ainda estou aprendendo. Só sei fazer ovo. Também gosto de ajudar minha mãe a cortar cenoura", conta ele, enquanto se pendurava no labirinto de grades do parquinho.

Já Michele Mita Mayta, 5 anos, filha de bolivianos, quer ter uma profissão tradicionalmente mais masculina quando crescer. "Quero ser bombeira", conta ela, em português.

Iker, Zapata e Michele durante o recreio na EMEI Guilherme Rudge, que tem 60% de alunos imigrantes — Foto: Bárbara Muniz Vieira/G1

O parque também é o espaço preferido de Yussef Ahmed Abdelaal Azam, de 5 anos, que tem pais egípcios, mas nasceu em São Paulo.

"Gosto muito daqui porque tem parque. Eu gosto mais daqui do que do Egito", diz ele. Yussef diz que ainda não decidiu o que quer ser quando for adulto. "Eu tenho planos artísticos, mas ainda não sei o que vou fazer quando crescer", afirma.

Yussef Ahmed Abdelaal Azam, de 5 anos, tem pais nascidos no Egito, mas nasceu em São Paulo — Foto: Bárbara Muniz Vieira/G1

Desde setembro de 2017, a capital oferece um curso de português permanente e gratuito destinado aos adultos. Ele é oferecido de forma descentralizada nas escolas municipais de todas as regiões de São Paulo e com professores da rede.

Podem participar da iniciativa pessoas com idade igual ou superior a 18 anos, independentemente de sua situação documental.

Por telefone, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) afirmou que, no Centro de Referência e Atendimento a Imigrantes (CRAI), as pessoas são orientadas, passo a passo, como emitir seus documentos, tanto os nacionais (como CPF) quanto os migratórios.

De acordo com a pasta, o imigrante é orientado sobre os requisitos, como emitir declarações e certidões necessárias, prazos etc. Mas trata-se de um serviço de orientação, porque a documentação em si só é emitida por órgãos do governo federal.

Para a regularização migratória, é necessário que o imigrante esteja com a Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM) dentro do prazo de validade. Também é considerado regular o imigrante que esteja de posse do Protocolo de Solicitação de Refúgio, que é um documento provisório recebido pelas pessoas em situação de refúgio quando solicitam o reconhecimento dessa condição ao governo brasileiro.

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