Por Leonardo Barreto, g1 SE


Mulheres trans que superaram obstáculos e ocupam espaços no mercado de trabalho formal — Foto: g1 SE

Entrar no mercado de trabalho formal é uma grande dificuldade para muita gente. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem hoje aproximadamente 10 milhões de desempregados. Para mulheres trans, em específico, o desafio é ainda maior.

O g1 ouviu algumas dessas mulheres, que contaram suas histórias, dificuldades e sobre como superaram os obstáculos para entrar no mercado de trabalho.

Geovana Soares - militante dos direitos humanos — Foto: Arquivo pessoal

A universitária Geovana Soares, de 29 anos, atua como assessora parlamentar, mas contou que até chegar a ocupar esse espaço, as dificuldades foram muitas e começaram ainda na escola.

"Acho que só consegui de fato superar os desafios, porque tive oportunidade de estudar em escolas particulares, mas tem muitas meninas que não tem as mesmas oportunidades e passam por dificuldade muito maior. Comecei a me afirmar enquanto travesti ainda na adolescência com 17 anos, terminando o ensino médio, e na época, a única perspectiva que eu tinha era a prostituição, porque era esse o único lugar designado para as travestis há uns anos. Comigo não foi diferente, passei anos me prostituindo e até consegui alguns trabalhos que me ajudavam a complementar a renda mas, sempre trabalhos pequenos sem muito contato com o público. Meu primeiro trabalho formal com carteira assinada foi de atendente em uma pizzaria delivery, onde fiquei por alguns anos, até receber o convite para assessorar uma parlamentar”, contou.

Ariel Brito assistente social — Foto: Arquivo pessoal

Foi também na assessoria parlamentar que Ariel Brito, de 22 anos, conseguiu trabalhar formalmente. Ela tem 22 anos, é travesti não binárie, formada em Serviço Social pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Segundo Ariel, as dificuldades no mercado de trabalho começam pela falta de interesse de empresas de contratar mulheres trans, travestis e pessoas que tenham identidade de gênero LGBTQIAPN+.

“Quando contratadas estas pessoas, são mais cotadas a estarem em serviços administrativos, longe do atendimento a clientes. Além da admissão de funcionárias trans e travestis, se faz necessária a aplicação de políticas efetivas dentro das empresas sobre a não violência a ‘estas corpas’, até mesmo no uso do banheiro e na movimentação das documentações de pessoas que utilizam o nome social ou que retificaram. O meu maior desejo para o Dia da Mulher é o maior investimento nas políticas de erradicação das violências de gênero”, pontuou.

Linda Brasil - primeira deputada estadual eleita em Sergipe. — Foto: Leonardo Barreto/g1

A cabeleireira, maquiadora e professora, Linda Brasil, de 49 anos, é deputada estadual em Sergipe, a primeira mulher trans a ocupar o cargo. Até chegar nesta posição, ela precisou enfrentar as barreiras do preconceito e da prostituição.

“Fui empurrada a viver da prostituição, como acontece com 90% das mulheres trans. Mesmo trabalhando em uma área que é muito aberta às pessoas LGBTQIAP+, tive desrespeito à minha identidade de gênero e isso dificultou a minha permanência no mercado formal. Quando comecei a me afirmar socialmente, percebi que algumas clientes começaram a se afastar, pelo fato de eu exigir que eu fosse tratada pelo gênero feminino, que é o qual me identifico. Morei cinco anos na Itália me prostituindo, quando voltei ao Brasil tive oportunidade no salão de uma amiga, mas minha vida mudou quando entrei na universidade”, contou.

Segundo Linda, a educação foi a ‘porta de entrada’ em uma vida melhor. “Passei a me conscientizar da luta pelos meus direitos e entrei na política. Meu maior desejo é que todas as mulheres possam ter oportunidade de ocupar espaços na sociedade, principalmente espaços de poder, só assim teremos uma sociedade melhor”, destacou.

As dificuldades enfrentadas por mulheres trans apontam para falta de informação e para o preconceito. O Brasil ocupa há 13 anos o topo da lista dos países que mais matam pessoas trans no mundo.

A estimativa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) é que 2% da população brasileira é composta por pessoas trans.

O termo trans é utilizado para denominar um diversificado grupo de pessoas cujas identidades de gênero diferem em graus e expressões diversas das determinadas ao sexo que foram atribuídas ao nascer.

Dayanna Louise Leandro dos Santos - historiadora e dotouranda em educação — Foto: Arquivo pessoal

Na prática, as diferenças vão muito além da identidade de gênero e passam principalmente pela falta de oportunidade, como explica a historiadora e doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), Dayanna Louise Leandro dos Santos.

“A transfobia é um gargalo social brasileiro que se ampara na fragilidade de ações voltadas ao enfrentamento desta discriminação, assim como de políticas públicas destinadas às necessidades básicas de travestis e transexuais, como acesso aos estudos, à profissionalização e a bens e serviços de qualidade em saúde, habitação e segurança. A dificuldade de acesso ao mercado formal é efeito colateral da negação de diversos direitos, contribuindo assim, para perpetuação do quadro de rejeição e vulnerabilidade social da nossa população”, pontuou.

Para Dayanna, a dificuldade de acesso da população trans e travesti ao mercado formal de trabalho é também resultado de uma série de violências.

“A transfobia mostra sua face no abandono familiar, na interrupção da jornada escolar ou na recusa do mercado em contratar nossos serviços por nos considerar "inadequadas" para assumir a vaga. É nessa conjunção de fatores que a empregabilidade trans no mercado formal ainda é uma dívida histórica”, destacou.

Para reparar essa dívida, instituições civis e as gestões públicas desenvolvem iniciativas de combate ao preconceito e de inclusão social.

Johnatan Andrade - Presidente da Comissão de Direito LGBTQIAPN+ da OAB/SE — Foto: Arquivo pessoal

O Presidente da Comissão de Direito LGBTQIAPN+ da Ordem dos Advogados do Brasil em Sergipe (OAB/S), Johnatan Andrade, explicou que a comissão atua na promoção de ações voltadas à garantia e defesa dos direitos desta população e no combate à violência e preconceito relativos à diversidade sexual e de gênero .

“Atuamos internamente, congregando profissionais da advocacia, como em co-participação com entidades públicas e privadas afins, promovendo o conhecimento sobre legislação e luta por conquista de direitos, sempre como defensora das normas constitucionais que primam pela equidade e cidadania plena”, explicou.

Para Johnatan Andrade, é fundamental que as empresas se comprometam a, dentro do ambiente de trabalho, eliminar a discriminação, garantindo que a mesma não ocorrerá nas condições de trabalho, em processos seletivos, na contratação de novos funcionários, nos benefícios, no respeito à privacidade, além de garantir o tratamento de situações de assédio. "Além disso, ainda dentro do ambiente de trabalho, é fundamental que os colegas de trabalho demonstrarem seu apoio a colaboradores LGBTQIAPN+ proporcionando um ambiente positivo e afirmativo para que os mesmos possam trabalhar com dignidade e sem estigma”, avaliou.

Silvânia Santos de Sousa - Coordenadora de Políticas Públicas para População LGBTQIAPN+ — Foto: Arquivo pessoal

Dados sobre a população trans em Sergipe ainda são muito precários, mas Coordenadora de Políticas Públicas para População LGBTQIAPN+, Silvânia Santos de Sousa, explicou que o governo está estudando o projeto de implementação de um Censo para fazer a identificação através de dados, inclusive com campanhas para retificação do nome social.

"A partir desta identificação, poderemos ter dados mais completos sobre a diversidade de gênero em Sergipe. Eu sei o quanto isso é importante para que tenhamos políticas mais efetivas, como algumas que já são desenvolvidas como o serviço do Centro de Referência em Direitos Humanos LGBTI+. A unidade é responsável pelo acolhimento e atendimento jurídico e psicossocial, bem como pela promoção dos Direitos da Cidadania do público LGBTQIAPN+. Lá, as pessoas tem à disposição uma equipe interdisciplinar, formada por psicólogos, assistentes sociais, assessores jurídicos. Com isso, nosso estado retira a população de travestis e transexuais da invisibilidade e traz cidadania e diretos", falou.

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