Liderança indígena Tremembé reclama da ausência de aulas em comunidades do Ceará.
As dez escolas indígenas do Povo Tremembé, nos municípios de Acaraú, Itapipoca e Itarema, estão sem previsão de início das aulas por conta de um impasse na contratação de professores pelo estado do Ceará. O ano letivo da rede estadual iniciou nesta segunda-feira (31), mas cerca de mil alunos dessas instituições ainda precisam lidar com as portas das escolas fechadas.
O impasse, que segue desde setembro de 2021, acontece porque o Povo Tremembé contesta as regras e a maneira como o edital para a escolha dos professores foi feito.
A Secretaria da Educação informou ao g1 que não haverá prejuízos para a aprendizagem dos estudantes e os 200 dias letivos serão cumpridos, assim como as das demais escolas, tão logo a situação seja resolvida, dentro da perspectiva legal.
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“Neste ano, a gente teve uma seleção de professores indígenas, para todas as escolas, que ao nosso olhar, enquanto Tremembé, estava ferindo os nossos princípios. Primeiro porque a gente compreende a importância das lideranças nesse processo e, como diz a Seduc, é preciso seguir uma legislação, que impede que quem esteja dentro do processo seletivo seja avaliado”, explica a professora Cleidiane Tremembé.
Ela disse, inclusive, que em Itapipoca há apenas uma escola indígena para atender toda a população dessa etnia, e de acordo com ela, anualmente os contratos dos professores são renovados.
Dez escolas estaduais que atendem aos indígenas Tremembé não iniciaram as aulas por impasse na contratação de professores. — Foto: Luan de Castro Tremembé
"Só que essas lideranças que teriam de avaliar também são professores. Elas teriam de optar: ou elas ficariam na posição de professores, ou de liderança [indígena]. A gente considera isso uma afronta à luta, ao histórico de vivência que temos dentro dos nossos territórios", ressalta Cleidiane.
No portal da Seduc há a informação que o processo de constituição das escolas indígenas no Ceará começou no final da década de 1990, com a luta das diferentes etnias indígenas. Atualmente, existem 38 escolas indígenas na rede estadual, quatro escolas das redes municipais de ensino de Maracanaú e Caucaia, e uma creche localizada em Itapipoca.
Impacto na educação
A questão da seleção de professores é discutida desde o lançamento do edital, no ano passado. "Isso vem desde setembro de 2021. A gente apresentou a proposta dia 19 de outubro à Seduc. Eles disseram que iam avaliar, analisar, tiveram várias reuniões. Isso já tem meses e a gente não tem definição de como vai ficar", explica Cleidiane.
A situação impacta no processo educativo de cerca de mil alunos, conforme o povo Tremembé. Entre eles o filho de Fabiana Tremembé. “Eu tenho um filho que estuda na escola Brolhos da Terra, vai fazer o oitavo ano e ele tem muita dificuldade na leitura, na escrita. Esse momento está sendo difícil para mim, enquanto mãe, ver meu filho todo dia pedindo para estudar, aprender, estar junto dos colegas, e eu não consigo fazer nada porque a escola se encontra de portas fechadas”, lamenta a mãe de um dos alunos.
“Essas escolas, que ofertam desde o ensino fundamental I ao ensino médio, estão drasticamente afetadas. Nós entendemos que isso é uma afronta ao nosso direito, porque a educação escolar indígena foi conquistada com muita luta, muita batalha e desafio”, complementa a professora.
A reclamação é reforçada por Fabiana. “Já passamos dois anos com a pandemia, que já impactou demais e agora, que queremos voltar presencialmente, a Seduc nega esse direito de educação diferenciada só porque nós não aceitamos o modelo que o estado quer impor para nós. Nós queremos o nosso jeito de ser e fazer”, disse a mãe.
Análise das demandas
A Secretaria da Educação informou ainda que o impasse surgiu após reivindicação da etnia Tremembé por uma proposta específica que altera o formato previsto no edital de seleção de professores. Um documento foi elaborado pela comunidade indígena e enviado à Seduc, que agora analisa a demanda conforme a legislação vigente. Diz ainda que a Seduc está adotando as providências necessárias que o caso requer.
"Para as outras 13 etnias, cujos 615 professores foram selecionados pelo primeiro edital, atualmente lotados em 29 escolas indígenas, o ano letivo segue normalmente", conclui o órgão.