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Destruição e retrocesso, as políticas do governo Bolsonaro

Se a sociedade não estiver consciente do tamanho do desmonte promovido, não seremos capazes de varrer os escombros

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Camila De Mario

Doutora em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora de sociologia política do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/Universidade Cândido Mendes

Este será um ano decisivo para o Brasil.

Integrando um superciclo eleitoral de grandes mudanças na América Latina, o país decide em outubro se dará mais um mandato a Jair Bolsonaro ou se seguirá o exemplo de seus vizinhos e fará uma nova guinada ideológica para longe da extrema direita.

Caso opte pela segunda opção, o Brasil ainda terá muitos desafios a enfrentar, o principal deles, talvez, o de se recuperar de três anos de uma política de governo pautada pela destruição e o retrocesso.

Bolsonaro elegeu-se com uma promessa central: destruir. A agenda era destruir o legado da "esquerda" brasileira. Seus discursos focavam os ataques às conquistas dos movimentos identitários e às minorias, bem como aos direitos e políticas sociais erigidos após a Constituição de 1988.

Não nos enganemos, incluem-se nesse legado a ser destruído as conquistas políticas e sociais da Nova República. É esse pacto que está em risco.

Os efeitos da destruição estão por toda parte: no censo demográfico não realizado; nos dados sobre a pandemia que precisaram ser divulgados por um consórcio da imprensa; na ausência de transparência nos atos públicos; na insuficiência de dados de monitoramento da produção das políticas públicas.

Por fim, no recente apagão de dados sobre a pandemia de Covid, nos deixando à deriva justo enquanto o país era varrido pela variante ômicron.

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, gesticula com o braço esquerdo durante entrevista em Brasília; ele é careca, usa óculos, um terno cinza, e sua gravata é azul
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, durante evento sobre renegociação de dívidas do programa Fies, no Palácio do Planalto, em Brasília - Pedro Ladeira - 10.fev.2022/Folhapress

Cortes e desmontes na ciência e na educação

A destruição opera de diferentes formas. Por meio dos cortes orçamentários em diversas áreas, da descontinuidade de programas e de políticas públicas. Secretarias, departamentos, setores desmobilizados, fechados.

A ciência e a tecnologia, por exemplo, sofrem com a paralisia da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) agoniza diante do sistemático corte de verbas e de bolsas de pesquisa nos diversos níveis de formação e áreas de conhecimento.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), frontalmente atacados, sofrem com exonerações sem critérios claros, com destituições de diretores, denúncias de casos de assédio moral, sobrecarga de trabalho, além dos questionamentos de caráter ideológico sobre a qualidade do trabalho dos seus técnicos, responsáveis pela elaboração e realização do Enem.

Como esquecer o recente incêndio no Pantanal e a omissão e falta de apoio do governo federal ao seu combate?

As áreas queimadas e desmatadas tiveram um aumento recorde por todo o país desde 2019, e a resposta do governo se traduziu em discursos com retórica vazia e manipuladora, somada ao corte de verbas no Ministério do Meio Ambiente e nos órgãos de fiscalização e controle nessa área.

Efeitos análogos, e mais graves, têm o protelar na tomada de decisões fundamentais e urgentes.

A pandemia nos fornece muitos exemplos. Demandas por insumos, como o oxigênio em Manaus, cuja urgência foi ignorada; vacinas para Covid compradas com um atraso injustificável, prática que se reproduziu com a vacinação infantil.

Pagamos com a vida de milhares de brasileiros.

Retrocessos na saúde

Mas não só de cortes, paralisia e atrasos é feito o desmonte das políticas públicas.

Lembremos da Política Nacional de Saúde Mental (PNSM), implementada em 2001, e da Política Nacional sobre Drogas (PND), de 2006.

O atual governo fez alterações fundamentais em ambas, atacando diretamente os princípios e conquistas da Reforma Psiquiátrica. Os alvos são a desinstitucionalização dos cuidados em saúde mental e a prática de redução de danos para o tratamento de usuários de drogas.

O modelo de saúde mental que vigorava até o início do governo Bolsonaro estava pautado pelo reconhecimento de que pessoas com transtornos mentais e usuários de drogas são sujeitos políticos, portadores de direitos e que deveriam ser tratados em seu próprio meio social.

Acima de tudo, a PNSM reconhecia o direito das pessoas de tomarem decisões sobre sua própria vida e tratamento.

A nota técnica 11/2019 publicada pelo Ministério da Saúde trouxe mudanças que permitem agora a atuação de serviços privados como Hospitais Psiquiátricos e Comunidades Terapêuticas.

Trouxe também a possibilidade de internação compulsória e a defesa da abstinência como forma de prevenir e combater o uso de drogas. O resultado foi o aumento de Comunidades Terapêuticas a partir de 2019.

Em 2018, o governo federal financiava cerca de 2.900 vagas nessas instituições; em 2019 o Ministério da Cidadania financiava 11 mil vagas.

O último movimento de retrocesso na saúde foi a proposta, sem respaldo científico, de inclusão da eletroconvulsoterapia para a contenção de comportamentos agressivos em casos de Transtorno de Espectro Autista no Protocolo Clínico e de Diretrizes Terapêutica. A prática é considerada tortura pela ONU (Organização das Nações Unidas).

A resistência dos demais poderes instituídos, de políticos, de parte da mídia e da sociedade civil parecem ter bloqueado a ação.

Jair Bolsonaro coloca o dedo indicador direito na parte externa do nariz em evento no Palácio do Planalto, em Brasília
O presidente Jair Bolsonaro na Solenidade de Valorização dos Professores da Educação Básica, no Palácio do Planalto, em Brasília - Pedro Ladeira - 4.fev.2022/Folhapress

A tarefa de reverter as políticas de Bolsonaro

É impossível elencar todas as mudanças e suas consequências neste artigo. Elas estão presentes em todas as políticas públicas.

Neste 2022 temos a urgente tarefa de buscar conhecer e entender os sentidos de cada uma delas, esquadrinhar cada decreto, cada nota técnica, cada corte de verba, cada programa descontinuado e substituído, ou não.

A tarefa é gigantesca.

O próximo presidente precisará fazer muito mais do que conter o avanço do autoritarismo e a destruição institucional promovida pelo bolsonarismo.

Livrar-se do teto dos gastos e frear o desmonte não reconstruirá nossas instituições, nossas políticas públicas, não recuperará nossa democracia, nosso pacto, nossa dignidade.

Se a sociedade brasileira não estiver consciente do tamanho e dos sentidos do desmonte promovido durante o governo Bolsonaro, não seremos sequer capazes de varrer os escombros.

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