Topo

Descompasso entre avanço da inteligência artificial e sistemas de educação pode acentuar desemprego

10/05/2023 16h11

Os avanços da inteligência artificial têm o potencial de provocar mudanças radicais na economia global. É o que aponta um relatório do banco Goldman Sachs, publicado em abril, que calcula em 300 milhões o número de empregos ameaçados na Europa e nos Estados Unidos.

Maria Paula Carvalho, da RFI

Os dados podem ser analisados sob um viés pessimista, se considerarmos que as máquinas serão responsáveis por um desemprego em massa, com consequências nefastas nos países onde as redes de segurança social são fracas, ou por um ângulo mais otimista, se focado na geração de novas atividades e oportunidades, especialmente em áreas como desenvolvimento, análise e gerenciamento de dados.

De acordo com a mesma fonte, à medida que essas novas ferramentas penetram nos negócios e na sociedade, elas também podem melhorar a eficiência e a produtividade em muitos setores, levando ao crescimento. Os economistas do Goldman Sachs calculam que a inteligência artificial possa gerar um acréscimo de 7% (ou quase US$ 7 trilhões) no PIB global, aumentando a produtividade em 1,5 ponto percentual, em um período de dez anos.

Apesar da incerteza atual sobre a IA generativa, ou seja, a tecnologia com capacidade de aprender padrões complexos de comportamento a partir de uma base de dados como o ChatGPT, "sua capacidade de gerar conteúdo indistinguível da produção criada pelo homem e de quebrar as barreiras de comunicação entre humanos e máquinas reflete um grande avanço com efeitos macroeconômicos potencialmente grandes", explica Joseph Briggs, economista do Goldman Sachs e um dos autores da pesquisa, ao lado de Devesh Kodnani.

"Embora o impacto da IA no mercado de trabalho provavelmente seja significativo, a maioria dos empregos e indústrias está apenas parcialmente exposta à automação e, portanto, é mais provável que seja complementada em vez de substituída pela IA", acrescenta Briggs .

Consequências vão além dos trabalhos manuais

A RFI investigou como os novos sistemas de inteligência artificial poderão ter impacto nos mercados de trabalho. Para Jérôme Beranger, presidente da GoodAlgo - que encoraja empresas francesas a usarem IA - as consequências dessa vez vão muito além dos trabalhos manuais. "As primeiras revoluções industriais afetaram os operários e as profissões manuais. Agora, pela primeira vez, a revolução digital afeta os chamados trabalhadores de 'colarinho branco', ou seja, profissionais mais graduados, como posições de análise e de inteligência", explica o especialista.

"Assim, afetará tanto os programadores de computador, como assistentes jurídicos, analistas do mercado financeiro, comerciantes, jornalistas, até médicos, advogados, contadores etc", cita. "É verdade que muitas profissões sofrerão impacto de forma duradoura. Os nomes das profissões podem ser os mesmos, mas as funções vão mudar", ele acrescenta.

Outra preocupação é com o equilíbrio entre postos de trabalho fechados e a abertura de novas vagas. "Se até então encontramos aparentemente um certo equilíbrio, ou seja, uma inovação tecnológica mudava um paradigma levando repentinamente à substituição de certas profissões, mas também à criação de outras, agora, não tenho certeza se, com essa inovação tecnológica, chegaremos a um equilíbrio", pondera o pesquisador de ética digital da Universidade Paul Sabatier, de Toulouse.

"Quero ser bastante otimista e acreditar que talvez tenhamos um retorno do manual ou humano. Ou seja, as tarefas repetitivas serão substituídas ou até melhoradas, otimizadas pela inteligência artificial. Mas, por outro lado, o que é humano como empatia, escuta, análise, sentimentos - que são traços próprios da humanidade - terão ainda mais destaque para compensar ou para completar tarefas. E certas profissões vão ter que se reinventar nesse sentido", conclui Beranger.

"Essas máquinas vão tomar o poder e nos superar?"

Para Jean-Gabriel Ganascia, professor e especialista em inteligência artificial na Universidade Sorbonne, de Paris, o receio de que as máquinas dominem os homens não é uma realidade, por enquanto. "A primeira pergunta é se essas máquinas vão tomar o poder e nos superar? Não há nenhum argumento sério que nos faça pensar isso", diz.

"O risco é que instituições poderosas possam tirar partido da inteligência artificial para seu benefício", ele alerta. "Por exemplo, pode acontecer de todo o comércio ter de passar por um agente robô, quando você quer reservar um restaurante poderá ser por meio de um agente de inteligência artificial com os quais os comerciantes terão contratos", cita. "São desafios futuros enormes e é importante que as sociedades democráticas como a nossa saibam usar bem essa tecnologia", completa o professor.

O pesquisador destaca outras áreas que poderão se beneficiar da inteligência artificial. "Falar da medicina é extremamente importante e todo o setor da saúde. Há poucas chances de o médico ser substituído por uma máquina, mas certas tarefas podem ser facilitadas por computadores. A pesquisa médica pode ser auxiliada por essas máquinas que extraem conhecimento de bancos de dados muito grandes", explica.

"Mesmo o domínio ecológico pode ser auxiliado pelo uso dessas ferramentas para monitorar, por exemplo, incêndios florestais, para regular a temperatura. A agricultura também pode ser ajudada por essas ferramentas, e isso é extremamente importante", acrescenta. "Portanto, existem esses avanços potenciais que são extraordinários. E depois, claro, existem os riscos que são tão importantes quanto o progresso. E a responsabilidade é tão forte quanto o poder destes novos meios", ele conclui.

 

 

Desigualdade digital

Jaques Moulin, do DigiWorld Institute, um centro de estudos europeu da economia digital, alerta, no entanto, sobre a importância de haver certa regulação sobre o uso dessas novas ferramentas. "De fato, estamos em um mundo onde a disseminação de notícias falsas, o uso indevido e com objetivos de desestabilizar as democracias, em benefício de países totalitários, é um risco", destaca.

"Mas eu acredito que a melhor estratégia é justamente garantir que haja uma consciência cívica na análise da informação e desenvolver um pensamento crítico para garantir que todos possam aprender a verificar informações, e colocar em funcionamento órgãos reguladores", diz.

Regulação e maior participação da sociedade, no entanto, depende de educação. E esse é o maior desafio que os países, ricos ou pobres, enfrentarão no futuro, de acordo com o professor de economia da Escola de Comunicações da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Gilson Schwartz destaca o descompasso entre os avanços da inteligência artificial e os sistemas de ensino. "Quando se diz que todo esse sistema de informação de comunicação depende de muita inteligência para operar, eu diria que a inteligência só tem uma fonte que é o ser humano. Então, de fato, o potencial de crescimento e de geração de novas atividades, novos produtos, novos serviços é enorme e difícil de estimar", afirma.

"A má notícia é que os nossos sistemas educacionais, ou seja, justamente os aparatos envolvidos pelos seres humanos, pela sociedade, para dar conta da democratização do acesso à inteligência, esses sistemas estão muito defasados", explica Schwartz. "Na medida que vemos uma aceleração da inovação tecnológica com uma inércia institucional, política e organizacional é que teremos problemas. Ou seja, uma inteligência artificial sem uma inteligência coletiva e colaborativa aumenta a desigualdade, levando mais jovens à situação de vulnerabilidade, especialmente nos países menos desenvolvidos", ele conclui.