
Em geral, os coortes nascidos entre 2013 e 2014 destacam-se como os mais prejudicados pela pandemia, refletindo taxas mais altas de analfabetismo em idades críticas para o aprendizado da leitura e escrita
A pandemia trouxe impactos significativos na educação, especialmente nas fases iniciais de alfabetização. Isso porque, no período, as escolas permaneceram fechadas por mais de um ano, o que foi especialmente prejudicial para aquelas que estavam entrando em fase de alfabetização. No entanto, há ainda desafios que persistem mesmo após o retorno das aulas presenciais há mais de dois anos.
O gráfico abaixo evidencia a taxa de analfabetismo de crianças aos 7, 8, 9 e 10 anos, de acordo com o ano de nascimento. Os coortes nascidos em 2013 e 2014, em particular, foram severamente impactados. O coorte de 2013, que tinha entre 6 e 7 anos no início da pandemia (2020), mostra uma elevação significativa nas taxas de analfabetismo comparado a coortes anteriores. O coorte de 2014, que enfrentou o auge das interrupções educacionais em 2021, também sofreu um aumento expressivo nas taxas de analfabetismo, principalmente aos 7 e 8 anos.
Em geral, os coortes nascidos entre 2013 e 2014 destacam-se como os mais prejudicados pela pandemia, refletindo taxas mais altas de analfabetismo em idades críticas para o aprendizado da leitura e escrita. Além dos efeitos imediatos, os impactos da pandemia continuam a ser sentidos ao longo do tempo. A taxa de analfabetismo aos 10 anos de idade, uma idade em que geralmente espera-se que as crianças estejam alfabetizadas, permanece o dobro do observado em coortes anteriores à pandemia. Essa persistência evidencia a necessidade de intervenções educacionais para mitigar os danos de longo prazo na aprendizagem infantil.
O gráfico abaixo ilustra as taxas de analfabetismo aos 10 anos de idade por coorte de nascimento, desagregadas por raça (brancas/pretas e pardas). Nota-se que, ao longo do período analisado, as crianças pretas e pardas apresentam taxas consistentemente mais altas de analfabetismo em comparação às crianças brancas. A partir dos coortes nascidos em 2011, essas disparidades se tornam mais evidentes, com um aumento acentuado nas taxas para crianças pretas e pardas, enquanto as crianças brancas mantêm um crescimento mais moderado e taxas relativamente baixas.
Esses dados refletem um aumento das desigualdades raciais em uma faixa etária em que todas as crianças, idealmente, deveriam estar plenamente alfabetizadas, indicando que os impactos adversos da pandemia e outras condições socioeconômicas amplificaram as barreiras já existentes no sistema educacional. O fenômeno é particularmente trágico considerando que a desigualdade racial de alfabetização estava sendo eliminada até os coortes nascidos em 2010.
O gráfico abaixo apresenta a taxa de analfabetismo aos 10 anos por coorte de nascimento, desagregada pelo maior nível educacional encontrado no domicílio (ensino médio incompleto, ensino médio completo e ensino superior completo). Observa-se que as crianças vivendo em lares onde o maior nível educacional é o ensino médio incompleto possuem taxas de analfabetismo significativamente mais altas, especialmente a partir dos coortes nascidos em 2011, quando a taxa ultrapassa 8% e atinge 13% nos coortes de 2012 a 2014.
Em contrapartida, crianças de lares onde o maior nível educacional é o ensino médio completo ou superior completo apresentam taxas de analfabetismo consideravelmente mais baixas, com valores em torno de 2% e 4%. Esses dados refletem a influência das condições educacionais do lar no aprendizado infantil, com os lares menos escolarizados sofrendo os maiores impactos, evidenciando uma amplificação das desigualdades durante o período analisado.
O gráfico abaixo exibe a taxa de analfabetismo aos 10 anos de idade por coorte de nascimento, desagregada pelo tipo de escola (pública ou privada). Observa-se que, ao longo dos anos, as crianças que frequentam escolas públicas apresentam taxas significativamente mais altas de analfabetismo em comparação às que frequentam escolas privadas. A partir dos coortes de 2011, a taxa nas escolas públicas aumenta de forma acentuada, atingindo um pico de mais de 8% em 2012, enquanto as escolas privadas mantêm taxas quase insignificantes.
Um aspecto interessante do gráfico é que, embora as taxas de analfabetismo em escolas privadas permaneçam baixas, elas mostram um aumento contínuo, especialmente a partir dos coortes de 2010. Isso sugere que, mesmo em ambientes educacionais considerados mais favorecidos, os efeitos adversos observados em larga escala, como os provocados pela pandemia, impactaram o aprendizado também em ambientes privilegiados. No entanto, a desigualdade entre os dois tipos de escola se ampliou significativamente, refletindo como a infraestrutura e os recursos limitados do sistema público exacerbam os desafios educacionais.
Os gráficos apresentados destacam os efeitos significativos e persistentes da covid-19 e da ausência da oferta de ensino público presencial no Brasil. As taxas de analfabetismo cresceram substancialmente, especialmente entre os coortes nascidos entre 2013 e 2015, refletindo os impactos de eventos críticos em idades-chave para o desenvolvimento educacional. Esses aumentos não foram homogêneos, mas sim amplificados por fatores como raça, nível educacional do lar e tipo de escola frequentada, evidenciando desigualdades preexistentes no sistema educacional brasileiro.
Crianças negras e pardas, assim como aquelas que vivem em lares com menor nível educacional ou que frequentam escolas públicas, foram desproporcionalmente afetadas, com taxas de analfabetismo e atraso escolar consideravelmente mais altas do que as de seus pares em contextos mais favorecidos. Embora crianças em escolas privadas e lares mais escolarizados tenham sido impactadas em menor grau, as taxas de analfabetismo nessas categorias mantiveram a tendência de alta após a pandemia, indicando que os efeitos da pandemia transcenderam barreiras econômicas e sociais, ainda que de forma desigual.
Esses resultados reforçam a necessidade urgente de políticas públicas direcionadas para mitigar os impactos educacionais da pandemia e reduzir as desigualdades estruturais no sistema de ensino. Investimentos em programas de alfabetização, suporte educacional para populações vulneráveis e melhorias na infraestrutura das escolas públicas são fundamentais para reverter essas tendências e garantir que todas as crianças tenham as mesmas oportunidades de aprendizado e desenvolvimento. Sem políticas robustas e contínuas, os efeitos educacionais e sociais desse período poderão se perpetuar, ampliando ainda mais as desigualdades no país.
Daniel Duque é graduado e mestre em ciências econômicas pela UFRJ, e doutorando pela Norwegian School of Economics. Atualmente, trabalha como coordenador de pesquisa do Neri/Insper.
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