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Opinião|Desafios da EJA ampliados pela pandemia

Potencial destes alunos pode retornar à sociedade na forma de profissionais qualificados e que consomem mais.

Atualização:

No contexto brasileiro da educação básica, a pandemia de covid-19 promoveu a ampliação dos desafios, em especial para a Educação de Jovens e Adultos (EJA). O período salientou as dificuldades de infraestrutura de escolas, recursos tecnológicos limitados ou até mesmo inexistentes, capacitação docente, desaparelhamento discente e despreparo para a gestão da crise pela mudança repentina das formas de oferta curricular. Além de todas essas problemáticas, a trajetória deste público da EJA era marcada por interrupções antes mesmo da pandemia. Geralmente, ocorrem por necessidades de trabalho e geração de renda, obrigações com o sustento da família ou outras condições que lhes foram impostas ao longo da vida.

Uma consequência direta disso é a evasão escolar, como mostra o mais recente Censo Escolar de Educação Básica divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que registrou redução de 7,7% nas matrículas em 2020, representando em torno de 58 mil estudantes a menos do que em 2019. Vale ressaltar que a redução das matrículas e das escolas dedicadas à oferta de EJA vem acontecendo ao longo da última década, tendo a pandemia apenas agravado esse quadro.

As dificuldades vão muito além da vivência do calendário letivo: elucidam a urgência de revisão das políticas públicas de financiamento, de investimento na infraestrutura tecnológica, fortalecimento da formação docente e desenvolvimento de metodologias adequadas para o público da EJA, composto por jovens, adultos e idosos.

É preciso avançar para conceitos de sistemas educacionais ao longo da vida e que valorizam a educação formal e informal, ou seja, dentro e fora da escola. A formação de adultos precisa ser mais abrangente, visando à educação continuada, ao reconhecimento de saberes que o aluno já tem e à certificação de competências, superando a visão de suplência ou simples correção de fluxo escolar.

Também gosto de lembrar que estamos falando de uma população economicamente produtiva e que trabalha, gera renda e desenvolvimento, paga impostos e consome serviços, produtos, mesmo com escolaridade incompleta ou de baixa qualidade. Vem daí a importância de políticas de inclusão digital e que garantam a democratização do ensino, por meio do acesso e, principalmente, da permanência deste aluno na escola. Assim, todo esse potencial será mais bem explorado e devolvido para a própria sociedade, na forma de profissionais qualificados e que consomem mais bens e serviços.

Já está bastante claro que, em meio à pandemia, a desigualdade social e de aprendizagens é ainda mais grave e vem minando as chances dos menos favorecidos de alcançar uma educação de qualidade, seja por falta de estrutura, apoio e incentivo, de tempo para os estudos, de formação adequada de professores, entre outros motivos.

Para além dos problemas estruturais e exaustivamente comentados, há, ainda, a questão do desenvolvimento de habilidades socioemocionais, que, embora pouco exploradas, são importantes para que o aluno consiga tomar melhores decisões, gerir os próprios recursos e tempo, tenha empatia, autonomia, responsabilidade e saiba conviver bem com seus pares, em meio às diferenças que, naturalmente, existem.

É um momento muito desafiador para a Educação, mas as metodologias precisam ser alinhadas às necessidades reais dos alunos, que têm diferentes graus de complexidade, já que a EJA contempla populações ribeirinhas, trabalhadores rurais e urbanos, mães solo, egressos prisionais, entre outros grupos com algum tipo de vulnerabilidade. A enorme bagagem cultural desses alunos e suas experiências sociais e profissionais, os aprendizados plurais acumulados ao longo de suas trajetórias devem ser convertidos em integração e valorização do outro.

Acredito que toda a crise gerada pela pandemia deve ser encarada também como uma oportunidade – única e que não pode ser desperdiçada – de criar políticas públicas prioritárias para a EJA, adotando estratégias que incluam verdadeiramente este público que, além de trabalhar e sustentar a família, precisa também melhorar suas competências e seus conhecimentos relativos ao mercado de trabalho.

É preciso considerar que a escola não será o que foi antes da pandemia. Por isso existe a necessidade de investir na educação híbrida como metodologia que favoreça a ampliação de tempo e dos espaços dos processos de ensino e aprendizagem, que vai desde a formação do docente até a familiarização de alunos com dispositivos eletrônicos. Assim será possível promover o fortalecimento dos canais de comunicação, que garante a compreensão de mensagens e informações a fim de estabelecer vínculos – entre alunos, professores e comunidade escolar – para reduzir os índices de evasão.

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CONSULTORA NA MIND LAB, PEDAGOGA COM HABILITAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR E ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL PELA UFPA, MESTRA EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL PELA UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ, É PRESIDENTE DA CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO CNE

Opinião por Suely Menezes