Quando as aulas presenciais voltaram na Escola Estadual Fernandes Lima, em Maceió, em agosto, a falta de Alex Luick foi notada pela direção. A escola tentou contato com a mãe do estudante, que também havia abandonado a Educação de Jovens e Adultos, mas não conseguiu. A família já não tinha mais telefone. Depois de muitas tentativas, a direção encontrou Alex e descobriu o que o afastava: o estudante não tinha calças jeans, item previsto no uniforme, para voltar a frequentar a escola, nem material escolar.
— Eu estava sem condições. A escola foi atrás, ligou para minha tia e me forneceu o que precisava. Eu pedia para minha mãe resolver a questão da calça e do material, mas o dinheiro que meu pai recebia não dava. Ele fazia a feira e acabava — conta o estudante, já de volta às aulas. — Quando a diretora me procurou, meu olho encheu de lágrima.
— Observamos que vários alunos não voltaram porque com a pandemia perderam roupas, cresceram, engordaram. Então fizemos uma campanha e agora temos um guarda-roupas na escola com um monte de peças. Temos vários alunos que não retornaram para escola porque estão trabalhando e em casa são a única pessoa com trabalho — relata a diretora da escola Estadual Fernandes Lima, Michele Lins.
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Velha conhecida dos gestores da educação, a evasão escolar voltou a ser uma das principais preocupações na área devido à pandemia. Todos os estados retomaram de alguma forma as atividades presenciais, completamente ou de maneira híbrida (presencial e remoto). A retomada é o momento em que as escolas começam a medir o abandono dos alunos, que é quando o estudante sai num ano, mas volta depois. Há o caso mais grave, a evasão, quando o aluno não retorna.
Bolsa Escola inspira
Com a interrupção das aulas presenciais, o enfraquecimento do vínculo dos estudantes com a escola e a piora da crise econômica, redes públicas de educação têm lançado iniciativas para conter a saída dos estudantes. O GLOBO consultou todas as unidades da federação sobre o tema. Alagoas, Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo, que responderam à consulta, relataram iniciativas para evitar a evasão.
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Em quatro estados há criação de programas de concessão de benefícios financeiros para estudantes que frequentem a escola. As medidas bebem na fonte de iniciativas como o Bolsa Escola, lançado na década de 1990 no Distrito Federal. Na versão original, era concedida ajuda a famílias exigindo em contrapartida a presença em sala de aula. A exigência foi incorporada ao Bolsa Família, lançado em 2003, que hoje atende 14,6 milhões de pessoas.
Alagoas chegou a ter um índice de abandono de 40% dos alunos da rede estadual desde o início da pandemia. A Secretaria de Educação intensificou ações de busca de estudantes por parcerias com conselhos tutelares e associações comunitárias, e o percentual caiu à metade. Agora, o estado enviou à Assembleia Legislativa um projeto para criar o Cartão Escola 10, que prevê o pagamento de R$ 500 para quem voltar a estudar e R$ 100 mensais a todos os matriculados na rede estadual com frequência acima de 80%.
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— A crise econômica e o desemprego foram fundamentais para alto índice de evasão durante a pandemia. Muitos alunos não tinham condição de ter aulas on-line, poucos conseguiam ir à escola fazer a troca do conteúdo impresso — afirma o secretário estadual de Educação, Rafael de Góes Brito.
Santa Catarina, Bahia e São Paulo também criaram bolsas para alunos que mantiverem a frequência. O Bolsa Estudante, que aguarda aprovação da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, prevê o pagamento de 11 parcelas de R$ 568 ao longo do ano a estudantes do ensino médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) cujas famílias tenham renda total igual ou inferior a quatro salários mínimos, ou de até meio salário mínimo por integrante. O secretário de Educação, Luiz Fernando Vampiro, reconhece que muitos estudantes têm que trabalhar para complementar a renda familiar.
— Temos de atrair e patrocinar o estudante que não tem como “pagar” o estudo — explica o gestor.
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O Bolsa Presença, criado em março pelo governo da Bahia, transfere R$ 150 por mês para famílias de estudantes inscritos no CadÚnico e em vulnerabilidade. Os alunos devem ter no mínimo 75% de frequência. Em São Paulo, o governo criou o Bolsa do Povo Estudante, com repasse que pode totalizar R$ 1 mil por ano letivo para estudantes inscritos no CadÚnico. As parcelas são concedidas a cada bimestre, depois que a secretaria verifica se os alunos tiveram frequência mínima de 80% nas aulas, participação nas avaliações e fizeram atividades pelo aplicativo do Centro Mídias de SP.
A estratégia mais comum entre os estados é a busca do aluno fora da escola, mas há outros modelos. O governo de Pernambuco aguarda aprovação, pela Assembleia Legislativa, do Programa Monitoria, em que bolsistas nas escola da rede criarão estratégias contra a evasão. Os selecionados ganharão uma bolsa de R$ 800.
Reprovação preocupa
Em março, o Ministério da Educação lançou o Brasil na Escola, contra a evasão nos anos finais do ensino fundamental. Entre as medidas, a pasta estima repasse de R$ 200 milhões, a cada dois anos, para 5 mil escolas.
— O controle de frequência vai ser mais rigoroso com a reabertura das atividades presenciais. A primeira grande preocupação é o aumento das reprovações. Vamos sentir os impactos da pandemia na educação nos próximos dois ou três anos — calcula o chefe de educação do Unicef no Brasil, Ítalo Dutra.