Exclusivo para Assinantes
Brasil Brasil

De guarda-roupa novo a bolsas de estudo, escolas públicas do todo o país oferecem atrativos para resgatar alunos perdidos na pandemia

Doze estados ouvidos pelo GLOBO têm estratégias para evitar que abandono escolar na pandemia se torne evasão escolar
Alex Luick diante de Escola Estadual Fernandas Lima, em Maceió, que forneceu a calça jeans do uniforme para ele poder voltar às aulas presenciais Foto: Jonathan Lins / Agência O Globo
Alex Luick diante de Escola Estadual Fernandas Lima, em Maceió, que forneceu a calça jeans do uniforme para ele poder voltar às aulas presenciais Foto: Jonathan Lins / Agência O Globo

Quando as aulas presenciais voltaram na Escola Estadual Fernandes Lima, em Maceió, em agosto, a falta de Alex Luick foi notada pela direção. A escola tentou contato com a mãe do estudante, que também havia abandonado a Educação de Jovens e Adultos, mas não conseguiu. A família já não tinha mais telefone. Depois de muitas tentativas, a direção encontrou Alex e descobriu o que o afastava: o estudante não tinha calças jeans, item previsto no uniforme, para voltar a frequentar a escola, nem material escolar.

— Eu estava sem condições. A escola foi atrás, ligou para minha tia e me forneceu o que precisava. Eu pedia para minha mãe resolver a questão da calça e do material, mas o dinheiro que meu pai recebia não dava. Ele fazia a feira e acabava — conta o estudante, já de volta às aulas. — Quando a diretora me procurou, meu olho encheu de lágrima.

— Observamos que vários alunos não voltaram porque com a pandemia perderam roupas, cresceram, engordaram. Então fizemos uma campanha e agora temos um guarda-roupas na escola com um monte de peças. Temos vários alunos que não retornaram para escola porque estão trabalhando e em casa são a única pessoa com trabalho — relata a diretora da escola Estadual Fernandes Lima, Michele Lins.

Matou três: Gasolina causou explosão de churrasqueira em Curitiba, diz sobrevivente

Velha conhecida dos gestores da educação, a evasão escolar voltou a ser uma das principais preocupações na área devido à pandemia. Todos os estados retomaram de alguma forma as atividades presenciais, completamente ou de maneira híbrida (presencial e remoto). A retomada é o momento em que as escolas começam a medir o abandono dos alunos, que é quando o estudante sai num ano, mas volta depois. Há o caso mais grave, a evasão, quando o aluno não retorna.

Bolsa Escola inspira

Com a interrupção das aulas presenciais, o enfraquecimento do vínculo dos estudantes com a escola e a piora da crise econômica, redes públicas de educação têm lançado iniciativas para conter a saída dos estudantes. O GLOBO consultou todas as unidades da federação sobre o tema. Alagoas, Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo, que responderam à consulta, relataram iniciativas para evitar a evasão.

Risco nas universidades: Crise na Capes ameaça pós-graduação

Em quatro estados há criação de programas de concessão de benefícios financeiros para estudantes que frequentem a escola. As medidas bebem na fonte de iniciativas como o Bolsa Escola, lançado na década de 1990 no Distrito Federal. Na versão original, era concedida ajuda a famílias exigindo em contrapartida a presença em sala de aula. A exigência foi incorporada ao Bolsa Família, lançado em 2003, que hoje atende 14,6 milhões de pessoas.

Alagoas chegou a ter um índice de abandono de 40% dos alunos da rede estadual desde o início da pandemia. A Secretaria de Educação intensificou ações de busca de estudantes por parcerias com conselhos tutelares e associações comunitárias, e o percentual caiu à metade. Agora, o estado enviou à Assembleia Legislativa um projeto para criar o Cartão Escola 10, que prevê o pagamento de R$ 500 para quem voltar a estudar e R$ 100 mensais a todos os matriculados na rede estadual com frequência acima de 80%.

Racismo: Doutorando de filosofia gaúcho é acusado por mensagens no Instagram

— A crise econômica e o desemprego foram fundamentais para alto índice de evasão durante a pandemia. Muitos alunos não tinham condição de ter aulas on-line, poucos conseguiam ir à escola fazer a troca do conteúdo impresso — afirma o secretário estadual de Educação, Rafael de Góes Brito.

Os auxílios criados para ajudar os estudantes Foto: Editoria de Arte
Os auxílios criados para ajudar os estudantes Foto: Editoria de Arte

Santa Catarina, Bahia e São Paulo também criaram bolsas para alunos que mantiverem a frequência. O Bolsa Estudante, que aguarda aprovação da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, prevê o pagamento de 11 parcelas de R$ 568 ao longo do ano a estudantes do ensino médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) cujas famílias tenham renda total igual ou inferior a quatro salários mínimos, ou de até meio salário mínimo por integrante. O secretário de Educação, Luiz Fernando Vampiro, reconhece que muitos estudantes têm que trabalhar para complementar a renda familiar.

— Temos de atrair e patrocinar o estudante que não tem como “pagar” o estudo — explica o gestor.

Aprovados por liminar: Testes toxicológico, de cor da pele e de peso fazem alunos do ITA irem à Justiça

O Bolsa Presença, criado em março pelo governo da Bahia, transfere R$ 150 por mês para famílias de estudantes inscritos no CadÚnico e em vulnerabilidade. Os alunos devem ter no mínimo 75% de frequência. Em São Paulo, o governo criou o Bolsa do Povo Estudante, com repasse que pode totalizar R$ 1 mil por ano letivo para estudantes inscritos no CadÚnico. As parcelas são concedidas a cada bimestre, depois que a secretaria verifica se os alunos tiveram frequência mínima de 80% nas aulas, participação nas avaliações e fizeram atividades pelo aplicativo do Centro Mídias de SP.

A estratégia mais comum entre os estados é a busca do aluno fora da escola, mas há outros modelos. O governo de Pernambuco aguarda aprovação, pela Assembleia Legislativa, do Programa Monitoria, em que bolsistas nas escola da rede criarão estratégias contra a evasão. Os selecionados ganharão uma bolsa de R$ 800.

Reprovação preocupa

Em março, o Ministério da Educação lançou o Brasil na Escola, contra a evasão nos anos finais do ensino fundamental. Entre as medidas, a pasta estima repasse de R$ 200 milhões, a cada dois anos, para 5 mil escolas.

— O controle de frequência vai ser mais rigoroso com a reabertura das atividades presenciais. A primeira grande preocupação é o aumento das reprovações. Vamos sentir os impactos da pandemia na educação nos próximos dois ou três anos — calcula o chefe de educação do Unicef no Brasil, Ítalo Dutra.