Por Desirèe Assis*, g1 Bauru e Marília


De educação básica à saúde, caciques de aldeias nas regiões de Bauru e Marília narram desafios para garantia de direitos e proteção dos costumes — Foto: Lidiane Damaceno Cotui Afonso /Arquivo pessoal

Cercados por enredos de massacres, genocídios e ataques, olhar para a história dos povos indígenas é uma tarefa necessária. No Dia Nacional da Luta dos Povos Indígenas, o g1 relembra o trabalho de resistência e preservação das tradições nas aldeias de Avaí e Arco-Íris, no interior de São Paulo.

Em 2023, o Brasil viu a maior reserva indígena em extensão territorial, a Terra Indígena Yanomami, ser centro de discussões políticas e de saúde nacional em razão da crise sanitária com registro de casos de malária e desnutrição severa.

O problema é causado pelo avanço do garimpo ilegal que, em um ano, aumentou 46% no território. Em 30 anos de demarcação, os indígenas ali vivem o pior cenário de devastação ambiental, o que impacta diretamente na forma de vida, nas tradições e costumes.

Caciques de aldeias nas regiões de Bauru e Marília narram desafios para garantia de direitos e proteção dos costumes — Foto: Lidiane Damaceno Cotui Afonso /Arquivo pessoal

Para entender melhor os caminhos que os indígenas percorreram e atravessam todos os dias para preservar suas terras, o g1 conversou com a cacique de uma aldeia em Arco-Íris, Lidiane Damaceno Cotui Afonso, da etnia kaingang, cujo nome indígena é Naim.

Mulher e líder de 240 indígenas, 90 famílias e sete povos diferentes (Kaingang, Krenak, Terena, Pankararu, Athikum, Fulni-ô e Guarani Nhandewa), Lidiane enfrentou desafios e responsabilidades antes desconhecidas para chegar ao prestígio.

Para conseguir solucionar as questões do dia a dia que envolvem a sua aldeia, com 113 anos de homologação, a indígena conta com apoio da comunidade e garante que lidera para todos.

“Me tornei cacique devido ao meu tio ficar doente e não poder mais lidar com as situações da comunidade local. A função de liderança é coordenar e buscar para eles melhorias e parcerias para o desenvolvimento”, narra.

Caciques de aldeias nas regiões de Bauru e Marília narram desafios para garantia de direitos e proteção dos costumes — Foto: Lidiane Damaceno Cotui Afonso /Arquivo pessoal

Lidiane inclui no trabalho como líder a necessidade de revitalizar e reconstruir os costumes e tradições de sua etnia, a fim de preservar aqueles que já existem, como o canto, a dança, a culinária e o artesanato.

A maior dificuldade, segundo ela, é mantê-los por conta da degradação da natureza, biomas e rios, já que sem eles perdem o principal meio pelo qual ensinam seus sucessores sobre a história dos antepassados.

Na aldeia há escolas que garantem ensino, além de postos de saúde. Contudo, como não há médico, os indígenas precisam ir ao município vizinho para atendimento. Em casos mais graves, são encaminhados ao hospital de Tupã (SP).

“As políticas públicas que vêm até nós, não são necessariamente voltadas apenas a nós. São políticas que alcançam os indígenas menos favorecidos”, explica.

Para Lidiane, é de suma importância um dia que relembre a luta pela preservação da memória indígena. Contudo, mais que apenas um dia, reforça a necessidade de ações desenvolvidas durante todos os anos, em prol da causa.

Às novas gerações, Lidiane pede que continuem na luta pelo reconhecimento e respeito, e preservem aquilo conquistado pelos mais antigos

“Que continuem lutando e fazendo valer toda a luta que nossos mais velhos vêm fazendo ao longo dos anos, pois muitos sofreram para que hoje possamos ter um chão, mesmo que degradado. Que se tornem guerreiros e guerreiras, e que valorizem muito a sua identidade cultural”, pede.

Araribá

Reserva de Araribá, que fica em Avaí, completa 109 anos neste ano — Foto: Chicão Terena / Arquivo pessoal

Neste ano, a reserva de Araribá, em Avaí, completa 109 anos, com 20% da população da cidade, ou seja, 800 indígenas povoando o local. Apesar de alguns motivos para comemorar, outros levam o cacique da aldeia Kopenoti, Chicão Terena a repensar formas de resistir.

Conforme o cacique, historicamente, a terra-indígena Araribá era povoada pelo grupo tupi-guarani até 1932, quando vieram os primeiros Terena do Mato Grosso do Sul, para assegurar o território que estava sendo invadido por fazendeiros.

Assim como os caciques, Chicão foi escolhido para poder levantar discussões entre a comunidade e o poder público, além de manter a aldeia alinhada com um propósito, e organizada socialmente.

As políticas públicas que existem no local, na área da educação e na saúde, são garantidas pelo Ministério de Saúde, através da Secretaria Especial de Saúde Indígena, e pelo Estado. Há ainda a questão de moradias, com um projeto de lei para a construção das casas de alvenaria em parceria com os municípios.

“Dentro da aldeia temos uma Unidade Básica de Saúde (UBS) que faz o atendimento primário, com um médico que vem para atender a comunidade. Para os especializados, eles fazem o encaminhamento pelo SUS. Já tivemos muitas doenças na aldeia, como a chagas”, explica.

Além da UBS, há ainda uma escola em cada aldeia, vinculada à Diretoria de Ensino de Bauru (SP), através da Secretaria Estadual de Educação, responsável pela contratação dos professores e do corpo docente indígena.

A questão da água, através da captação e poço artesiano, que abastece toda a aldeia, é uma questão que mexe com os indígenas de Avaí. Isso porque, muitos ainda não possuem, inclusive, saneamento básico.

Há ainda, segundo o cacique, a necessidade de programas na área da atividade produtiva, com a agricultura familiar e recuperação ambiental. Sobre a cultura, o idioma é um forte fator na comunidade que preserva as tradições, além das danças.

“Temos muito cuidado com relação de manter nossa cultura, para não deixarmos de ser indígenas, com a formação de jovens da comunidade para podermos ser protagonistas do nosso próprio trabalho. Que a gente mantenha viva a tradição”, diz.

Na comunidade em Avaí há uma escola ligada a educação municipal — Foto: Chicão Terena / Arquivo pessoal

*Sob a supervisão de Júlia Nunes

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