Descrição de chapéu Conservadorismo na Educação

Datafolha: 70% confiam mais em civis do que militares para trabalhar em escolas

Escolas cívico-militares avançam no governo Bolsonaro e geram elogio à disciplina e temor de opressão

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São José do Rio Preto e Guarulhos

A busca pela disciplina foi o que motivou a empresária Samara Pereira Ribeiro, 43, a matricular a filha, Maria Fernanda Pereira Ribeiro, 15, em uma escola cívico-militar da rede particular de ensino em São José do Rio Preto (interior de SP). Samara elege a rigidez como um dos pontos positivos da instituição.

"O aluno aprende a importância de ser disciplinado, passa a ter mais responsabilidade e entende que seu comportamento pode ter consequências", diz a mãe da estudante. O fato de passar pelo período integral sem acesso ao celular é outro ponto que a empresária avalia como positivo. "A gente sentiu que teve uma diferença grande no esforço e na concentração dela."

0Centro de Ensino 1 (CED) da Estrutural, região administrativa de Brasília -
Centro de Ensino 1 (CED) da Estrutural, região administrativa de Brasília - - Pedro Ladeira/Folhapress - 15/02/2019


Samara, porém, destoa da maioria dos brasileiros: 7 em cada 10 disseram confiar mais em professores do que em militares para trabalhar em uma escola, segundo a pesquisa Ultraconservadorismo na Educação. Ela foi encomendada pelo Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) e pela Ação Educativa e realizada pelo Datafolha, que ouviu 2.090 pessoas com 16 anos ou mais.

Atraente para um grupo de pais como Samara, o modelo baseado na militarização cresce no país desde o início do governo Bolsonaro (PL).

Programa avança com injeção no orçamento

Foram as regras rígidas de conduta, além da vestimenta, que fizeram a autônoma Pâmela Cristina Gonçalves, 40, transferir a matrícula da filha, Valentina Gonçalves, 12, para a mesma escola cívico-militar do interior de SP.

"Hoje minha filha é outra criança. Ela sempre deu trabalho para ir à escola e para estudar, o que piorou durante a pandemia", diz.

Criado no início da gestão Bolsonaro, o Pecim (Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares) prevê que militares da reserva, como policiais, bombeiros ou membros das Forças Armadas, participem da administração das escolas.

No modelo cívico-militar das escolas públicas, as aulas são dadas por professores civis, enquanto a disciplina e a organização dos colégios ficam sob responsabilidade de militares da reserva, que são selecionados e capacitados pelo Ministério da Defesa.

Nas escolas da rede particular, desvinculadas do Pecim, a gestão é feita por associações de militares da reserva.

Os dois casos se diferenciam dos 14 colégios militares existentes no país, segundo o Ministério da Defesa, totalmente geridos pelo Exército.

De acordo com o MEC (Ministério da Educação), o Brasil tem hoje 216 escolas cívico-militares distribuídas em 26 estados e no Distrito Federal. Isso representa 0,1% de 178.370 instituições de ensino básico em 2021, segundo o Inep. Outros 89 colégios estão em fase de implantação.

Mesmo em número menor, os colégios cívico-militares tiveram o repasse triplicado pelo governo federal, de cerca de R$ 16 milhões em 2020 para R$ 45,1 milhões em 2021.

Docente na UnB (Universidade de Brasília), Catarina de Almeida Santos avalia que a presença de militares no ambiente escolar põe em risco o incentivo ao debate, prática que contribui para reforçar noções de diversidade e inclusão. "A lógica do quartel é de uniformização do comportamento, dos corpos, das roupas, do cabelo."

Para Santos, a ideia da disciplina como remédio para os males de crianças e adolescentes pode ser ilusória, já que a rigidez no ensino não daria conta de todos os desafios do ambiente escolar. "A homogeneização do pensamento também alimenta uma postura mais conservadora."

Popularização de modelo militar evidência falhas na educação

Graziela Pepe, 45, diz que que o filho, João Pedro, 17, foi agredido verbalmente por um policial após participar, em maio, de um protesto contra a exoneração da vice-diretora de um colégio cívico-militar onde estudou por três anos, em Brasília. A mãe soube da história e chegou a tempo de impedir que o adolescente fosse levado à delegacia. Depois do episódio, decidiu transferi-lo. "Hoje, meu filho entra em pânico quando vê um policial."

Graziela, que foi favorável à mudança da gestão da escola pública convencional para o modelo cívico-militar, agora vê o avanço da militarização do ensino com preocupação. "A polícia tem que proteger o cidadão e não oprimir e fazer da escola um quartel."

Em nota, o MEC afirmou não ter recebido denúncias de quaisquer abusos de policiais das escolas participantes do programa cívico-militar.

O ex-ministro da Educação Cristovam Buarque não vê sentido na militarização do ensino, já que o propósito da educação é promover o espírito crítico. Para ele, a popularidade de escolas cívico-militares é reflexo da ineficiência das tradicionais, que precisam ser repensadas. "Isso é resultado de erros nossos ao não sabermos combinar liberdade, disciplina e respeito."

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