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Bruno Soller analisa o comportamento do eleitor brasileiro com base em big data e pesquisa

Opinião|Da Pátria Educadora ao ocaso: Lula aposta no tema educação para reverter impopularidade

O anúncio da criação de institutos federais traz de volta à cena um tema que parecia ter caído no ostracismo, mas só sua edificação não será suficiente para mudar realidades

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Em queda acentuada na popularidade e com piora substancial de aprovação da gestão, o presidente Lula anunciou a construção de 100 unidades de institutos federais de ensino em todas os estados brasileiros, privilegiando justamente municípios e localidades que dialogam mais diretamente com sua base eleitoral, regiões de concentração de classes sociais C2 e D.

Anunciado com muita expectativa pela ex-presidente Dilma Rousseff, o lema Pátria Educadora, tinha como objetivo inaugurar um novo marco educacional no Brasil. O resultado, no entanto, foi pífio. Com um governo absolutamente desastroso, que atingiu os piores níveis de aceitação popular da história democrática, a presidente foi deposta por um processo de impeachment e se viu ruir a sua bandeira de gestão, que jamais deixou de ser apenas uma intenção, muito longe de sequer ser executada.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em cerimônia de anúncio dos 100 novos Institutos Federais, realizada na manhã desta terça-feira 12 de março no Palácio do Planalto em Brasília-DF. FOTO: WILTON JUNIOR/ESTADÃO Foto: Wilton Junior

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Ao assumir o governo transitório, Michel Temer nomeou Mendonça Filho para a pasta da Educação. O Novo Ensino Médio foi um passo importante dado pelo governo para dinamizar o ensino brasileiro. Com muita objeção do PT e da esquerda, em geral, a iniciativa sofreu grande oposição e a discussão sobre o tema foi cada vez mais enfraquecida.

Com uma mudança bastante radical no perfil de comando do MEC, o governo Bolsonaro viveu às turras com as instituições federais de ensino e com a categoria dos professores. Personagens bastante caricatos assumiram a pasta e não conseguiram criar relevância para a educação brasileira, deixando sempre o assunto no hall de grandes polêmicas e muita pouca resolutividade. O colombiano Ricardo Velez, o agora inimigo de Bolsonaro, Abraham Weintraub e o pastor Milton Ribeiro não deixaram saudade como gestores.

Ao anunciar o ex-governador cearense Camilo Santana para ministro, Lula tentou trazer o exemplo mais bem sucedido de modelo educacional no Brasil para o centro do governo. O estado do Ceará lidera a maioria dos índices educacionais e tem na cidade de Sobral, berço politico da família Ferreira Gomes, os padrinhos de Camilo Santana, uma cidade modelo para o País. No entanto, chegando quase à metade do seu terceiro mandato nenhum projeto havia ganho tanto destaque até o anúncio dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, que prometem atingir 140 mil alunos de maneira direta.

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A educação é sempre vista como a tábua salvadora de qualquer nação. Não há na história da humanidade, grandes potências que se desenvolveram sem ter na pesquisa, no conhecimento e na formação de sua população importantes resultados. A revolução educacional dos Tigres Asiáticos é sempre lembrada para exemplificar o quanto uma mudança de prioridade no trato dessa área pode ser impactante para transformar o desenvolvimento de uma nação.

Os números do PISA - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, que medem alunos de 81 países do mundo mostram a diferença abissal do Brasil para esses países asiáticos. Coreia do Sul, Hong Kong e Japão fulguram a lista de liderança da avaliação, enquanto o Brasil ocupa a vexatória quinquagésima primeira posição.

Em matérias como matemática, o posto de sexagésimo quinto lugar mostra a dificuldade dos alunos brasileiros com o conhecimento exato e lógico. O impacto disso é uma baixíssima produção de conhecimento e geração de inteligência para esse mundo cada vez mais desafiador nas áreas tecnológicas. Um drama de difícil solução para quando não se tem a pauta como prioridade. Em pesquisas de opinião realizadas pelo Brasil, a educação está longe de ser vista como um dos principais problemas pela população. Com níveis de subdesenvolvimento grandiosos, para muitas famílias a assistência básica ofertada por prefeituras e estados no quesito educacional, como o fornecimento de uniformes e refeições, já garante um nível de satisfação das famílias com o assunto.

Problema na década de 1990, a infraestrutura das escolas foi um ponto que avançou muito nos últimos vinte anos. Mesmo com todas as dificuldades, muitas escolas, mesmo em regiões muito pobres do País, já estão equipadas com ar condicionado, carteiras de qualidade e algumas até com tablets para os alunos. O fornecimento de material escolar, vestimentas e merendas também parecem estar em níveis satisfatórios na maioria dos municípios brasileiros. Esse avanço, no entanto, contrasta com graves problemas de ensino, que não permitem o desenvolvimento dos alunos e ainda criam um problema permanente do País: a evasão escolar e taxas ainda consideráveis de analfabetismo.

Com uma abissal diferença regional, o Brasil tem duas realidades educacionais. O Nordeste do país tem índices quase cinco vezes superior de analfabetismo do que as unidades federativas mais ricas. Piauí (14,8%), Alagoas (14,4%) e Paraíba (13,6%), lideram os índices de analfabetismo, em contraposição ao Distrito Federal (1,9%), Rio de Janeiro (2,1%) São Paulo e Santa Catarina (ambos com 2,2%). O Nordeste é justamente a região em que Lula teve sua maior votação proporcional em 2022 e não obstante é o destino de 38% dos institutos federais anunciados.

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O ensino básico é o maior desafio para o País e o resultado desse esforço concentrado demora a ser observado. Há uma necessidade de maturação geracional. Para que se tenha essa visão e se alcance os resultados estimados, é imperativo que o tema seja tratado como uma politica de Estado e não só de governo, dadas as muitas mudanças de perfis de gestão que o País passou na última década, por exemplo.

O anúncio dos institutos traz de volta à cena um tema que parecia ter caído no ostracismo, mas só sua edificação não será suficiente para mudar realidades. Um levantamento da RealTime Big Data para a Record, no final de 2022, mostrou que para transformar a vida financeira das pessoas, o brasileiro, em sua maioria, 76%, acredita que uma boa formação é o item mais fundamental. Dadas as circunstâncias e a mudança mais do que urgente desse desolador cenário brasileiro, espera-se que o governo Lula não tenha com esse ato só buscado responder uma queda de popularidade, mas que esse seja um primeiro passo para trazer de fato uma nova versão real e atualizada de uma Pátria Educadora.

Opinião por Bruno Soller

Bruno Soller é estrategista eleitoral. Especializado em pesquisas de opinião pública, é graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, com especialização em Comunicação Política pela George Washington University. Trabalhou no governo federal, Câmara dos Deputados e Comissão Europeia.

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