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Por Antônio Gois

“Não há condições financeiras de isentar todos os alunos carentes de taxa no vestibular. Se eles não pagarem, alguém vai ter de pagar”. Esta frase foi dita no ano 2000, por um diretor da Fuvest (fundação que organiza o vestibular da USP), ao ser questionado na época sobre o número insuficiente de isenções a candidatos mais pobres. Como cada universidade pública organizava seu próprio processo seletivo e cobrava taxas dos inscritos, esse era mais um entre tantos fatores a dificultar o acesso dessa população aos bancos universitários.

O problema não era restrito a São Paulo. No Rio, desde 1997, universidades públicas já enfrentavam uma onda de liminares obtidas por alunos que recorriam à Justiça para conseguir ter ao menos a chance de disputar uma vaga no ensino superior estatal. Por trás desse movimento estavam lideranças de cursos pré-vestibulares comunitários. Um dos mais influentes era o Frei David dos Santos, até hoje um militante incansável na luta pela democratização do ensino superior.

Ainda há muito a avançar, mas a memória desses fatos serve para mostrar o quanto evoluímos no debate e na construção de políticas públicas que viabilizaram o crescimento de 18% para 48% na proporção de jovens autodeclarados pretos ou pardos entre os estudantes universitários. Entre as ações que viabilizaram esse salto está a Lei de Cotas, aprovada em 2012 pelo Congresso, e atualizada com aperfeiçoamentos importantes pela Câmara dos Deputados na semana passada. O texto agora segue para o Senado, com boas perspectivas de aprovação.

Quando as primeiras universidades públicas começaram a implementar políticas próprias de ação afirmativa, no início da década de 2000, houve reações preconceituosas, mas também um legítimo questionamento sobre sua legalidade ou receio de que elevariam a evasão e reduziriam abruptamente a qualidade no ensino superior.

Hoje esse debate pode ser feito com menos achismo e mais evidências. E, em geral, elas apontam para um resultado positivo. Não houve aumento da evasão causada pelas cotas (em muitas instituições, cotistas inclusive evadem menos). A diferença de desempenho, uma vez na universidade, não é significativa, e vai diminuindo ao longo do curso. E, sobre sua legalidade, em 2012 o STF decidiu, de forma unânime, que eram constitucionais.

Por ser um dado de mais difícil mensuração, há menos estudos sobre os impactos dessa política depois da graduação. Uma pesquisa feita por Ana Trindade Ribeiro (Stanford) e Fernanda Estevan (FGV-SP) comparou o desempenho de cotistas e não cotistas egressos da Faculdade de Direito da Uerj no exame de ordem da OAB e mostrou que, para cotistas, ter se formado no curso — um dos mais disputados do país — fazia significativa diferença positiva em termos de aprovação. Para não cotistas, ter ser formado na Uerj ou em outra instituição fazia pouca diferença, um indício de que jovens de maior nível socioeconômico encontraram outros caminhos e nesse caso não foram prejudicados.

Outros estudos — das mesmas autoras e de outros pesquisadores — com egressos apontam impactos positivos em termos de empregabilidade, mas não necessariamente em relação a salários. Há muito ainda a ser investigado, mas é preciso também reafirmar o óbvio: por mais eficazes que sejam em seus objetivos, cotas na universidade, isoladamente, não são serão suficientes para acabar com a desigualdade racial.

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