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Crise na Educação: menos de 15% dos objetivos do PNE serão cumpridos no prazo, avalia relatório

Balanço foi feito pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação; entre as metas do Plano Nacional de Educação que não foram cumpridas está a oferta de vagas em creches até 2024 para pelo menos metade das crianças de até 3 anos
Reforma da Escola Municipal Adalgisa Nery, em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro, durante pandemia da Covid-19 Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo
Reforma da Escola Municipal Adalgisa Nery, em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro, durante pandemia da Covid-19 Foto: Gabriel Monteiro / Agência O Globo

RIO — Menos de 15% dos 41 objetivos do Plano Nacional da Educação (PNE) têm perspectiva de serem cumpridos dentro do prazo, diz relatório da Campanha Nacional pelo Direito à Educação divulgado nesta quinta-feira. Essas são as estratégias que o país traçou em 2014, para em dez anos melhorar o ensino no país.

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Entre metas não cumpridas, estão, por exemplo, ter pelo menos metade das crianças de 0 a 3 anos frequentando creches até 2024. Em 2019, último dado disponível, o patamar era de 37%, mas a taxa de crescimento é de apenas 1,7 pontos percentuais anualmente, o que não vai garantir o cumprimento do objetivo.

Outro ponto ainda distante é a formação dos jovens no ensino fundamental na idade correta, aos 16 anos. No segundo trimestre de 2020, esse percentual era de 82,4%, compondo um avanço médio de 1,5 ponto percentual ao ano desde 2014. O objetivo do país é chegar ao patamar de 95%, o que necessita de um avanço anual de 2,2 pontos percentuais.

— O Plano não vem sendo cumprido, desde o começo. Ele foi construído em uma estratégia progressiva de cumprimento das metas. As que tinham prazo até 2017 são as que consideramos basilares para cumprimento das outras, como a universalização do acesso à educação básica, avanço nos parâmetros de qualidade, e especialmente financiamento do PNE — explica Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

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O PNE estabelece 20 metas, com 41 objetivos dentro delas. Desses, apenas seis devem ter sucesso no período estabelecido, segundo a análise. Em sete anos de vigência do Plano, somente cinco das metas tiveram cumprimento parcial, aponta o documento da Campanha, uma articulação que reúne grupos e entidades que atuam no campo da educação.

Além de não conseguir cumprir as metas, algumas delas tiveram até retrocessos. É o caso da educação integral: a meta 6 estabelece que deve ser oferecida, no mínimo, em 50% das escolas públicas, de forma a atender 25% dos alunos da Educação Básica. No entanto, entre 2014 e 2020 houve redução de 15 mil escolas e mais de 1,5 milhão de matrículas nesse formato.

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Também é o caso do analfabetismo funcional, que avançou, quando deveria regredir, segundo a meta 9. O retrocesso na educação de jovens e adultos é observado, ainda, na análise da meta 10, que estabelece que ao fim da vigência do PNE, em 2024, 25% das matrículas na modalidade de EJA estejam vinculadas à educação profissional. O índice era de 2,8% em 2014 e caiu para 1,8% em 2020.

— Essas duas metas estão relacionadas e são as mais preocupantes no aspecto de retrocesso, porque as políticas para essa área estão totalmente escanteadas. No governo Temer houve extinção do programa Brasil Alfabetizado, e depois nenhuma priorização. Não há programa para educação de jovens e adultos estruturado no país — afirma a coordenadora.

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Ela acrescenta que o declínio nessa área é especialmente preocupante pois a população alvo já teve seu direito à educação violado. E destaca que um dos indicadores mais importantes para a melhoria da situação socioeconômica das crianças é a escolaridade da mãe, logo a educação dos pais, e especialmente das mulheres, é "primordial para avanço do desenvolvimento socioeconômico de toda a sociedade".

— O analfabetismo funcional e o pouco investimento no EJA como um todo impactam no próprio desenvolvimento educacional das crianças. Temos um em cada três jovens e adultos no Brasil em situação de analfabetismo ou analfabetismo funcional. É um dado gritante e muito agravante para a sociedade brasileira — afirma Pellanda.

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O financiamento também é um problema que sofreu retrocessos, aponta a análise da Campanha. "A Emenda Constitucional 95, do Teto de Gastos, segue vigente em um momento em que deveríamos fazer um esforço redobrado de investimentos nas políticas sociais, notadamente a educação. A Lei Orçamentária Anual de 2021 foi aprovada com 27% de corte na área, seguida de bloqueio de R$ 2,7 bilhões por parte do governo federal, tendo sido a área que mais sofreu", informa a Campanha, em carta destinada à sociedade brasileira.

— Deveria aumentar o financiamento ao longo dos anos, chegando a 7% na metade do Plano e 10% no fim. Mas houve congelamento desses investimentos e cortes a partir de medidas de austeridade, com aprofundamento nos últimos dois anos. Essa é a questão mais preocupante, que impacta todo o PNE. Sem financiamento adequado, não é possível avançar em nenhuma das metas como deveria — afirma Pellanda.

Impactos da pandemia

Alguns dispositivos analisados no balanço têm como base dados anteriores à pandemia da Covid-19, devido à falta de atualização de pesquisas. Portanto, o impacto deste período ainda é pouco medido nos indicadores atuais.

— Para garantir o direito à educação é preciso haver acesso, permanência, qualidade e inclusão, o que não tem acontecido para milhões de estudantes nesse cenário de pandemia, em que há falta de acesso à internet, dispositivos móveis, baixa frequência às atividades remotas e dificuldade de acompanhamento — afirma Pellanda.

Ela destaca que a não realização do Censo Demográfico em 2021 vai impactar na aferição desses dados.

— É a pesquisa mais ampla que temos. Várias dessas crianças em situação de vulnerabilidade já são invisibilizadas pelas políticas implementadas. Sem dados para entender essas situações e desafios, vai invizibilizar ainda mais essas populações, que estão dentro de um recorte bem específico de raça, gênero e classe social — alerta a coordenadora.

Metas parcialmente cumpridas

A meta de ampliar a proporção de mestres e doutores do corpo docente do ensino superior é globalmente cumprida se for observado o indicador geral, mas ao analisar um recorte entre universidades públicas e privadas, as últimas ainda não atingiram o objetivo estipulado, explica Pellanda, por isso a Campanha considera a meta como parcialmente cumprida.

As metas que estão parcialmente cumpridas são aquelas que já nasceram bastante avançadas, afirma a coordenadora, e avalia que são pouco ousadas para o "patamar necessário em termos de avanços no país".