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'Criei rotina, tirei nota mil no Enem, mas não tinha dinheiro para estudar'

Lorena Pelanda

Colaboração para o UOL

07/03/2023 04h00

A estudante amazonense Rilary Castro, de 18 anos, alcançou nota mil na redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). O desempenho garantiu uma vaga no curso de engenharia civil.

A jovem, no entanto, se deparou com um problema: não tinha dinheiro para fazer uma faculdade longe de casa.

Rilary mora em Itapiranga, um município de menos de 10 mil habitantes no Amazonas, e foi aprovada na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em Manaus, a 227 quilômetros de onde vive com a família. A mãe é merendeira e o pai, agricultor.

"Da minha família, só meu irmão e meu primo fizeram curso superior. Meu irmão fez um pouco de engenharia de software, mas teve de trancar a faculdade por causa da pandemia e da falta de recursos", conta. "Ele [o irmão] estudava em outra cidade, Itacoatiara, que fica umas duas horas do local em que moramos."

Quando o resultado do Enem saiu, Rilary teve medo de que a história do irmão se repetisse com ela.

"Fiquei muito feliz e surpresa com o resultado, mas vi o meu sonho ameaçado pela falta de dinheiro. Fiquei apreensiva e também confiante de que iria conseguir alguma forma de seguir o meu sonho e arranjar algum recurso financeiro", disse ao UOL.

O alívio veio com uma vaquinha virtual feita pela ONG Razões para Acreditar. Em poucos dias, foram arrecadados R$ 200 mil para ajudar nas despesas de moradia e acadêmicas.

Seria muito difícil minha família me manter em outra cidade, teria de trabalhar e buscar outras formas para conseguir dinheiro. Fiquei com medo, mas por outro lado não esperava a repercussão do meu caso e essa grande ajuda em dinheiro
Rilary Castro

Com a ajuda, a jovem, que sempre estudou em escola pública, deve conseguir se mudar no meio do ano para começar a faculdade.

Rilary - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Vaquinha para Rilary Castro arrecadou R$ 200 mil: 'não esperava essa grande ajuda'
Imagem: Arquivo pessoal

'Nunca furei minha rotina'

A rotina para conquistar o resultado máximo na prova sempre foi pesada.

Rilary estudava em tempo integral na Escola Estadual Tereza dos Santos, em Itapiranga. Nos intervalos e quando estava com a família, continuava se dedicando.

Chegava em casa e estudava mais quatro horas, virava a noite estudando, para aprender vários assuntos. Estudei bastante e isso causou problemas na minha saúde mental e física. Cheguei a emagrecer muito e agora quero ficar com a minha família, descansar e depois focar novamente nos meus estudos
Rilary Castro

Segundo afirma, o segredo para as boas notas foi "criar uma rotina e nunca furar", mas os recursos à disposição não ajudavam.

"Não tinha Wi-Fi em casa e tinha de pagar crédito para colocar no meu celular. Mas isso só quando precisava muito, muito, para estudar, pesquisar e fazer trabalho da escola. Ficava muito difícil. Minha família não tinha todo o tempo nem dinheiro para colocar internet no meu celular."

A jovem conquistou a nota mil na redação que teve como tema "Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil", aplicada para mais de cinco milhões de estudantes em todo o país.

A proximidade com o tema — Rilary vive próximo a comunidades ribeirinhas no Amazonas — ajudou na redação, mas a estudante também conseguiu boas notas em outras matérias.

Em ciências da natureza, por exemplo, ela quase gabaritou (fez 990 pontos). Em matemática, chegou perto dos 900.

Outros 23 alunos também alcançaram a nota máxima na redação do Enem. A prova serve como porta de entrada para as principais faculdades públicas e privadas do Brasil.