Rio

Cresce gasto da verba da merenda escolar com produtos da agricultura familiar no Rio

Prefeitura fechou contrato também com 12 agricultores individuais, que levam os alimentos frescos direto para as escolas
Escola Municipal Orlando Villas Boas oferece alimentos orgânicos, como as frutas para sobremesa consumidas por Maria Luíza Ribeiro Pacheco (à esquerda) e Thauana Vitória Vidal Fonseca Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo
Escola Municipal Orlando Villas Boas oferece alimentos orgânicos, como as frutas para sobremesa consumidas por Maria Luíza Ribeiro Pacheco (à esquerda) e Thauana Vitória Vidal Fonseca Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo

RIO — Faça sol ou faça chuva, o agricultor Marco Antônio Silveira Coelho, de 65 anos, trabalha duro na terra para manter a produção. Mas ele não reclama. Ao defender a agricultura familiar, Toninho Carrapato, como é conhecido, mostra com orgulho a plantação de laranjas num assentamento rural em São Gonçalo, que em poucos dias iriam para a merenda da rede municipal de ensino do Rio. As frutas colhidas abasteceram colégios como a Escola Orlando Villas-Bôas, no Centro do Rio, a 50 quilômetros do campo, e foram incluídas no cardápio dos estudantes na última quinta-feira. Ao saborear a sobremesa, Thauani Vitória Vidal Fonseca, de 11 anos, da turma do 6º ano, disse que precisa comer bem porque pratica futebol, balé e jiu-jítsu:

— Merendo todos os dias. Do que eu mais gosto é a farofa. Mas também gosto de salada de macarrão, que vem com tomate, cenoura...

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A laranja que adoçou a merenda de Thauani foi cultivada por agricultores familiares, que colhem aipim, laranja, abóbora, abobrinha, beterraba, berinjela... Toninho preside a Cooperativa dos Agricultores e Empreendedores Familiares Rurais, que tem plantações ainda em Magé, Sumidouro e Araruama. Em dezembro, a entidade passou a fornecer alimentos para a merenda da rede municipal do Rio, após participar de uma chamada pública. Desde então, a renda dos agricultores dobrou.

— Isso está levantando a autoestima das 130 famílias daqui do assentamento. Conseguimos um retorno que nós nunca tivemos para reinvestir na propriedade, para fazer com que as pessoas se fixem na terra. Antes de sermos fornecedores da prefeitura, era uma desmotivação geral. Agora, queremos aumentar e melhorar nosso resultado — conta.

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A colheita é toda levada para um centro de distribuição em Duque de Caxias, de onde uma empresa contratada pela prefeitura faz a distribuição. São 22 cooperativas selecionadas pelo município, que tem 1.544 escolas e 640 mil alunos. A prefeitura fechou contrato também com 12 agricultores individuais, que levam os alimentos frescos direto para as escolas.

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Estipulado em lei federal

Essas contratações são resultado da tentativa da Secretaria municipal de Educação de cumprir a lei federal 11.947, de 2009, que determina que, no mínimo, 30% do valor repassado a estados e municípios pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para o Programa Nacional de Alimentação Escolar sejam usados na compra de produtos da agricultura familiar.

Atualmente, 22% desse montante — o Rio calcula que receberá ao longo deste ano cerca de R$ 90 milhões — estão sendo investidos em alimentos da agricultura familiar. Em 2021, o percentual foi de apenas 8%. E, no ano anterior, menor ainda: cerca de 1%. A prefeitura pretende manter essa tendência de crescimento, com estimativa de chegar a 40% no fim do ano. Mas a expectativa otimista é que R$ 52 milhões sejam investidos, chegando a 57%. Uma chamada pública está aberta até o próximo dia 14 para contratar mais fornecedores, com um gasto previsto de R$ 32 milhões.

O caminho do alimento da merenda escolar desde a plantação de legumes e frutas até o prato dos estudantes da rede municipal do Rio. Na foto Marco Antônio Silveira, Presidente da Associação dos Agricltores Familiares de São Gonçalo. Foto Guito Moreto / Agência O Globo Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
O caminho do alimento da merenda escolar desde a plantação de legumes e frutas até o prato dos estudantes da rede municipal do Rio. Na foto Marco Antônio Silveira, Presidente da Associação dos Agricltores Familiares de São Gonçalo. Foto Guito Moreto / Agência O Globo Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

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Hoje, cerca de 30% da produção dos associados à Cooperativa Mista dos Produtores Rurais de Paty do Alferes (Coprapa), a primeira de agricultura familiar do Estado do Rio, vão para as escolas municipais da capital. Diretor financeiro da entidade, Lauro Abreu conta que também fornece para merenda de outras cidades fluminenses:

— A gente tem muito contato com o pessoal que prepara a merenda das crianças nas escolas, como os nutricionistas. Eles levam as crianças para que elas conheçam o local de onde sai o alimento.

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Cerca de 80 famílias ligadas às Associação Serra Velha dos Trabalhadores Rurais de Nova Friburgo também são beneficiadas pela parceria com a prefeitura. Fornecem espinafre, couve, alface, agrião, cenoura, vagem, entre outros.

— Está sendo muito positivo, já que é mais uma forma de o produtor fornecer sua mercadoria com preço garantido. Com a facilidade da distribuição, ficou possível participarmos. Para o produtor rural pequeno, é muito difícil fazer a logística na Região Metropolitana — diz a produtora Pâmela Aparecida da Costa e Silva.

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Além do centro de distribuição, contratos com períodos mais curtos — cinco meses — permitiram aos agricultores que se sentissem mais seguros em relação às entregas. Assim, conseguem se planejar para produzir as quantidades combinadas.

Assessor de gabinete da Secretaria municipal de Educação, Adriano Giglio diz, no entanto, que ainda há dificuldades a serem superadas para chegar aos 30% previstos em lei:

— Capitais e centros metropolitanos têm uma realidade diferente da de cidades do interior por causa da distância dos produtores. Outro complicador é a logística, que, muitas vezes, impede o produtor familiar de nos atender.

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Além de estimular a economia local e melhorar a renda dos agricultores, a compra desses alimentos garante refeições saudáveis. Nas escolas, merendeiras, alunos e professores — que comem a mesma comida — observaram o aumento na oferta de alimentos frescos. Há 12 anos preparando as refeições da Escola Municipal Orlando Villas-Bôas, onde Thauani estuda, a merendeira Ana Maria Araújo diz que a mudança tem feito sucesso:

— Quarta-feira, teve caqui. A maioria das crianças não conhecia a fruta, por não ter acesso em casa. Tem coisa que a gente tem que encontrar formas de fazer a criança comer. Eu faço um repolho de um jeito que elas nem percebem que estão comendo, todo mundo gosta. Tem que ser mais saudável. Vegetal não é só batata — diz.

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Crianças com sobrepeso

Em 2020, no Brasil, 30% das crianças e dos adolescentes atendidos pela atenção primária à saúde do SUS estavam com sobrepeso ou obesidade. No mesmo ano, apenas no município do Rio, mais de cem mil menores foram diagnosticados com excesso de peso. A nutricionista do Instituto Desiderata Carolina Coutinho afirma que, atualmente, o ambiente escolar tem contribuído para práticas alimentares não saudáveis, já que os ultraprocessados — alimentos pobres em nutrientes e ricos em calorias, açúcar, gorduras, sal e aditivos químicos — são oferecidos em grande quantidade.

— Aumentar a quantidade de alimentos da merenda comprados de agricultores familiares significa ter nutrientes e compostos importantes para saúde e contribuir para a proteção dos recursos naturais, da biodiversidade — avalia a nutricionista.

Na Câmara Municipal do Rio, um projeto de lei que propõe a proibição do comércio de alimentos ultraprocessados em escolas públicas e particulares, como biscoitos doces e salgados, balas, refrigerantes e sorvetes, tramita desde 2019. O projeto seria votado em segunda discussão pelos vereadores no último dia 29 de março, mas houve dois requerimentos de adiamento durante a sessão e não foi marcada nova data.