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Covid-19 obriga universidades públicas a fazerem checagem para coibir fraudes em cotas raciais por foto e vídeo

Decisão, considerada a mais segura neste momento da pandemia, amplia o desafio das comissões
UFF, em Niterói, fará checagem à distância Foto: Gabriela Fittipaldi/02.05.2019 / Agência O Globo
UFF, em Niterói, fará checagem à distância Foto: Gabriela Fittipaldi/02.05.2019 / Agência O Globo

RIO - Universidades públicas decidiram realizar a comissão de heteroidentificação, responsável por fazer a checagem de alunos aprovados nas cotas raciais, de modo virtual. Com isso, alunos que foram aprovados no Sisu, cujas inscrições terminam depois de amanhã, terão que comprovar características fenotípicas de pardos ou pretos por fotos, vídeos ou videochamadas. A decisão, que amplia o desafio dos avaliadores, é a mais segura na pandemia, analisam especialistas.

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De acordo com o pesquisador Adilson Pereira dos Santos, que se especializou em estudos sobre comissões de heteroidentificação e é pró-reitor adjunto de graduação da Universidade Federal de Ouro Preto e membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígena da instituição, a comissão realizada de forma on-line é uma tendência no país por conta da pandemia.

. Foto: Editoria de Arte/ O Globo
. Foto: Editoria de Arte/ O Globo

Parte das instituições, ele diz, fará a verificação de forma síncrona. Ou seja, realizará uma videochamada com os candidatos. Outra parte, no entanto, decidiu realizar o procedimento através de fotos, vídeos e até pela imagem da carteira de identidade. Essa é a estratégia da Ufop.

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— No semestre passado, ainda faltavam alguns alunos a passarem pela comissão e decidimos fazer por videochamadas, mas essa foi uma experiência muito ruim. Um aluno de 60 anos teve muitos problemas de conexão. A avaliação dele, que deveria durar sete minutos, levou duas horas — lembra Pereira dos Santos.

Semestre atrasado

UFF, Unicamp, UFRN, UFPE, UFPI, Unipampa são algumas das instituições que já decidiram fazer a verificação de forma on-line. As comissões de heteroidentificação foram criada nas universidades públicas após uma série de denúncias de brancos em vagas destinadas a alunos negros. Atualmente, 85% das instituições federais adotaram a medida.

Na Universidade Federal do Cariri (UFCA), os alunos aprovados no segundo semestre de 2020 não conseguiram iniciar suas aulas até hoje porque a instituição tentou, por duas vezes, marcar a comissão presencialmente para cotistas e não conseguiu por conta da pandemia. Nesta semana, decidiu realizar a tarefa de forma on-line.

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Diretor-executivo da Educafro, Frei David afirma que, com o novo formato, as universidades devem se preparar melhor para que as bancas tenham treinamento suficiente.

— Pandemia é como tempo de guerra, é preciso criar alternativas. Mas, na minha avaliação, cada aluno deveria assinar um documento atestando que em qualquer momento pode perder a vaga se ele tiver mentido e também devolva o dinheiro que usou no período que estudou ilegalmente na vaga de um cotista — afirma.

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Um grupo de universidades, no entanto, decidiu manter a verificação presencialmente. Na UFRJ, a heteroidentificação será feita de forma presencial, como nos demais semestres. Segundo Denise Góes, coordenadora da Câmara de Políticas Raciais, a universidade está tomando todos os cuidados para atender aos estudantes.

— Todos os membros da comissão que faz a heteroidentificação serão testados, como no ano passado. A distância será devidamente tomada entre um candidato e outro e tudo será devidamente higienizado. Todos os cuidados estão sendo tomados pela universidade. A heteroidentificação, além de tudo, é uma luta política — explica.

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Yago Barboza, 17, é candidato a uma vaga no curso de Comunicação Social da UFRJ para estudantes pretos ou pardos oriundos da escola pública. Ele não sai para outros lugares além da farmácia e do supermercado desde o início da pandemia, em março do ano passado. Yago mora com a mãe, autônoma de 45 anos, e com a irmã, de 23. Enquanto torce para ser aprovado, teme ser contaminado durante a verificação.

— Como calouro, é literalmente um sonho, e essa pandemia dói muito porque tirou da gente aquele primeiro contato mágico com a universidade, né? Mas como ser humano em meio a pandemia, eu acho um risco muito grande — relata o estudante.

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Entenda como funciona

Todos os alunos cotistas de universidades que possuem comissões devem passar pela avaliação. Atualmente, todas as federais do Sul e Sudeste possuem esse procedimento. Eles são convocados e se apresentam a uma banca. Quem não for perde a vaga.

As comissões são formadas por pessoas envolvidas com as universidades: professores, servidores e alunos. Eles recebem uma ajuda de custo pelo dia de trabalho e, em geral, são capacitados com um curso de relações ético-raciais para cumprir a tarefa.

No dia das avaliações, a comissão é dividida em subgrupos de três avaliadores, que formam as bancas. Algumas universidades mesclam esse trio por gênero e raça.

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Antes da pandemia, o procedimento das bancas presenciais também variava entre as universidades. Na UFF, por exemplo, o aluno era analisado individualmente e perguntado qual a raça se autodeclara, se já viveu algum constrangimento por conta da cor e se tem algo mais a acrescentar. Já a UFRGS previa que o momento da aferição fosse “silencioso, preferencialmente em pequenos grupos”.

A decisão da banca para reprovação deve ser unânime. Caso um só avaliador entenda que o candidato tem direito à cota, ele automaticamente é aprovado. Quem não passa é informado na hora e pode recorrer a outra comissão.

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Os maiores problemas ocorrem, normalmente, em pessoas que se consideram pardas — que são, na avaliação das comissões, negros de pele clara. Para o recurso, a UFRGS avalia ainda autodeclarações baseadas em ascendência. No caso de nova negativa, o estudante pode ir para a Justiça.

— As comissões são necessárias porque estávamos tendo pessoas ocupando indevidamente as vagas destinadas a esse grupo social. Isso justifica o controle social. Infelizmente, em relação às cotas, a sociedade brasileira não tem comportamento ético adequado— diz Pereira dos Santos.