publicado dia 16/08/2018

Corte de recursos e má gestão: panorama do financiamento da educação no Brasil

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Selo Especial Eleições 2018 caminhos para a escola brasileiraO financiamento da educação no Brasil é assunto sério, dada a realidade a ser enfrentada. Para citar alguns dos desafios, são mais de 3 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos fora da escola, salários de professores que precisam de um reajuste de 60% para igualar ao que ganham outros profissionais com mesma formação, e 10% de escolas de Ensino Fundamental sem água, energia ou esgoto.

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A desigualdade na educação também não pode ser ignorada. “O que se gasta durante dois meses em uma escola particular de classe média corresponde a um ano de investimento em um aluno da rede pública. A taxa de crianças de 0 a 3 anos na creche está na faixa de 80% nas classes altas. Nas mais baixas, cai para 15%”, explica José Marcelino de Rezende Pinto, professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em financiamento da educação.

Essa reportagem integra o Especial Eleições 2018 – Caminhos para a Escola Brasileira, do Centro de Referências em Educação Integral. A série de matérias irá abordar como os principais temas da educação se relacionam com o projeto de país em disputa com as eleições que se avizinham, dando ênfase para as questões identitárias brasileiras, direitos humanos e políticas públicas de educação.

Reverter este cenário depende, entre outros pontos, do cumprimento de políticas públicas e marcos como o Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê a ampliação de investimentos na área. Mas estas não têm sido as prioridades do governo federal nos últimos anos.

No Brasil, segundo o INEP, a cada 1 real destinado à Educação, a União contribui com 18 centavos, os 27 estados com 40 centavos e os 5.580 municípios, que são os que menos arrecadam impostos, com 42 centavos. O restante dos recursos provém do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), repassado por estados e municípios.

Isso significa que se há uma recessão econômica, a população consome menos e há, portanto, menos investimento em educação. Isso afeta sobremaneira o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que financia 40 milhões de estudantes e depende da arrecadação de ICMS.

Na tentativa de corrigir essa defasagem, o Congresso Nacional incluiu no Projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2018 uma verba de 1,5 bilhão de reais para o Fundeb. Mas este foi o único veto do governo Temer ao Orçamento.

Além do esvaziamento de recursos para o Fundeb, preocupa também a proximidade de seu fim. O Fundo vigora até 2020, e corre o risco de não ser prorrogado ou de sofrer modificações, como a retirada da Educação Infantil de sua cobertura.

EC 95 e precarização

Em dezembro de 2016, o governo Temer aprovou a Emenda Constitucional (EC) 95, que limita os gastos públicos nas áreas sociais à inflação pelos próximos 20 anos. O dinheiro economizado será destinado a pagar a dívida pública.

E se a União é a entidade que menos repassa recursos para a Educação, após a aprovação da Emenda Constitucional 95 (EC 95) haverá ainda menos dinheiro. Isso significa que a meta 20 do PNE, de investir até 2024 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação, não deve ser alcançada. Hoje, a seis anos do prazo, o Brasil ainda investe em torno de 5% do PIB, segundo o INEP.

“A EC 95 integra todo um olhar de políticas de austeridade e cortes nas áreas sociais. Não há intenção de investir mais em educação por parte desse governo”, diz Andressa Pellanda, coordenadora de Políticas Educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Além disso, parte da ampliação do financiamento da educação estava atrelada aos recursos provenientes dos royalties do petróleo, resultantes do Fundo Social do Pré-Sal. Desde a crise econômica pós 2015 e as dificuldades da Petrobras, vinculadas à Operação Lava Jato, esse recurso não tem sido aplicado.

“O que investimos em educação hoje é algo como 20 a 30% inferior a 2012. Os desafios aumentaram e os recursos diminuíram”, resume Marcelino.

Mudanças na concepção de educação

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação lançou um balanço de monitoramento das metas do PNE. Dentre os dispositivos com prazo entre 2014 e 2018, somente um foi cumprido integralmente e 30% parcialmente.

Andressa Pellanda observa que esse conjunto de mudanças e caminhos do financiamento da educação e outras políticas aponta para uma transformação de concepção. “Temos um governo neoliberal que se volta para um modelo educacional dentro desse projeto de País”, diz.

Ela cita como exemplo a reforma do Ensino Médio, que troca o direito à educação por uma formação precária de mão de obra, uma BNCC conteudista, que não comporta a participação efetiva da comunidade escolar.

“E para implementá-la, vamos ter um movimento de reprodução de conteúdo. Acaba ocorrendo uma pasteurização da educação, ao invés de buscar uma escola emancipatória, autônoma, com um processo de ensino-aprendizagem dialógico”, explica Andressa.

Recursos: por que importam?

O CAQ e o CAQi são mecanismos de financiamento da educação que partem das necessidades reais das escolas para estabelecer o valor que o Brasil precisa investir por aluno ao ano em cada etapa e modalidade da Educação Básica pública para garantir um mínimo de qualidade educacional.

“Em educação se discorda sobre tudo, mas há um único consenso: é o professor que faz a diferença”, afirma o professor José Marcelino, lembrando que uma escola pública de qualidade significa professores bem pagos e valorizados, uma vez que de 85 a 90% dos gastos de uma escola são destinados aos salários.

Na outra ponta, olhando para os alunos, há tentativas de melhorar as condições de ensino e infraestrutura da escola por meio do o CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial) e o CAQ (Custo Aluno-Qualidade).

Estes dois mecanismos, previstos no PNE, são mais uma das metas em atraso, apesar de sua dupla importância, como explica Élida Graziane Pinto, procuradora de Contas no Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo: “o CAQ e o CAQi são instrumentos de ampliação do financiamento da educação, mas também de depuração qualitativa do que é feito com o dinheiro.”

Pano de fundo da disputa por recursos

Por trás do esvaziamento dos recursos e escanteio de políticas públicas vitais para a educação, a procuradora aponta alguns mecanismos que fazem com que o dinheiro nem sempre seja investido onde deveria.

“Por parte dos estados, criam manobras contábeis para o cumprimento do Piso, com conivência direta ou indireta dos Tribunais de Contas. Só no estado de São Paulo, a estimativa é que sejam desviados 7 bilhões por ano”, diz a procuradora, citando o processo de julgamento da ADI 5719, no Supremo Tribunal Federal.

Élida Pinto: “Há uma guerra fiscal de despesas e ninguém quer assumir a responsabilidade pela qualidade da educação. Não basta vir o dinheiro, é necessário refinar os parâmetros de controle dos recursos”

Élida também explica que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estipula o que pode ou não ser incluso no piso da educação, mas há brechas para gastos inadequados.

Citando alguns exemplos, a procuradora menciona embutir despesas com a conta de luz de outras pastas, e o material de escritório da prefeitura no gasto mínimo da educação. Ou priorizar a compra de material apostilado quando teriam direito gratuitamente ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

“Há uma guerra fiscal de despesas e ninguém quer assumir verdadeiramente a responsabilidade pela qualidade da Educação Básica no País. É preciso entender que não basta vir o dinheiro, é necessário refinar os parâmetros de controle dos recursos. Se isso fosse feito, reduziríamos o inchaço da folha de educação em 20%, o que poderia melhorar a carreira dos professores”, diz Élida.

Caminhos possíveis

Para Marcelino, o problema e a solução está no desenho da economia brasileira. Isso porque o pagamento de juros, que pode chegar a 8% do PIB, é destinado aos rentistas, que representam cerca das 100 mil famílias mais ricas do País. Por outro lado, os 5% que são investidos na educação servem a 50 milhões de crianças e jovens.

De acordo com levantamento divulgado em 2017 pela CNTE, 14 estados brasileiros pagam menos do que o piso aos professores em início de carreira. A pesquisa Profissão Professor revela ainda que quase metade dos professores não recomendaria a carreira docente para os jovens.

“Existe uma grande disputa pelo fundo público, e os rentistas têm grande poder econômico, político e midiático. A discussão sobre reforma tributária e taxação sobre propriedade e grandes heranças é vedada no Brasil. Nosso sistema tributário cobra mais do mais pobre, e na hora de devolver, devolve mais para as famílias ricas”, diz o especialista.

A procuradora Élida ressalta ainda que os próprios estudantes têm vigoroso poder de influência neste cenário, quando sentem que a escola lhes pertence e que aquele lugar faz sentido para eles, a exemplo das ocupações escolares de 2016.

“Precisamos integrar a ideia de uma participação e controle em rede a começar pelos alunos e comunidade escolar. E temos que fazer exigências de mudanças rápidas, porque não dá para perder mais essa geração de crianças e adolescentes fora da escola, não dá para admitir essa desproteção, que talvez seja nosso maior desafio desde a Constituição de 1988. Quem está fora da escola tem pressa”, alerta Élida.

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