Brasil

Coronel nomeado para cuidar do Enem é visto com desconfiança no Inep pela falta de experiência na área

Com atuação em investigação de acidentes aéreos e relações institucionais, Alexandre Silva era assessor parlamentar ligado ao gabinete do ministro da Educação; é o quinto nomeado para o cargo pelo governo Bolsonaro
Prédio do Inep em Brasília Foto: Agência O Globo
Prédio do Inep em Brasília Foto: Agência O Globo

BRASÍLIA  — A indicação do coronel da Aeronáutica Alexandre Gomes da Silva para a diretoria que cuida do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) causou surpresa e apreensão nos servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) devido à falta de experiência do militar na área educacional. O corpo técnico do órgão teme que Silva tenha sido indicado pelo ministro da Educação (MEC), Milton Ribeiro, para exercer um controle inadequado nas questões do Enem. Ele era assessor parlamentar, lotado no gabinete do ministro, antes de ser conduzido ao cargo de diretor de Avaliação da Educação Básica do Inep nesta sexta-feira. É o quinto nomeado para o cargo em pouco mais de dois anos de governo: tempo médio de cada um na cadeira não chega a seis meses.

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Segundo resumo do currículo divulgado no site do MEC, Silva atuou como piloto, investigador de acidentes aéreos e na área de comunicação na Aeronáutica, além de trabalhar no setor de relações institucionais da Presidência da República. Foi também assessor parlamentar do Ministério da Defesa. Tem formação em Ciências Aeronáuticas pela Academia da Força Aérea, pós-graduação em Segurança da Aviação e Aeronavegabilidade Continuada pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica e especialização em Gestão Estratégica de Pessoas pela Universidade Federal de Minas Gerais.

A falta de experiência do coronel na área de educação, sobretudo em uma diretoria responsável por avaliações em escala nacional, causa preocupação entre os servidores do Inep. Eles já esperavam um militar para a diretoria, mas previam que fosse alguém com algum histórico profissional em gestão escolar — ainda que com atuação restrita em escolas militares ou com formação teórica na área. Milton Ribeiro vem se cercando de pessoas ligadas às Forças Armadas como uma forma de fazer uma rede de apoio no governo, conforme mostrou o GLOBO.

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Interferências no Enem passaram a ser um ponto de preocupação na Diretoria de Avaliação da Educação Básica do Inep desde a vitória do presidente Jair Bolsonaro nas eleições.Logo no início do governo, o então presidente do Inep, Marcus Vinicius Rodrigues, formou uma comissão para inspecionar itens do Enem 2019, que "desaconselhou" o uso de 66 questões na prova, sugerindo a troca do termo "ditadura" por "regime militar " em uma das perguntas barradas, conforme parecer noticiado pelo GLOBO.

CORONEL É O 5º DIRETOR NOMEADO

O primeiro nomeado pelo governo Bolsonaro para a diretoria do Inep responsável pelo Enem foi o economista Murilo Resende, indicado pelo movimento Escola sem Partido e seguidor do ideólogo de direita Olavo de Carvalho. Ele ficou apenas dois dias no cargo.

O GLOBO mostrou, à época, que Resende havia chamado professores de "manipuladores" e "gente que não quer estudar" . A repercussão negativa das declarações levou o governo a procurar outro perfil. Antes de ser nomeado, Resende, participou de reuniões e circulou pelo Inep, mas ficou oficialmente no cargo por apenas dois dias.

O segundo diretor no cargo indicado pelo atual governo foi o economista Paulo César Teixeira, que ficou pouco mais de um mês na função. Ele deixou o posto por solidariedade ao então chefe, Marcus Vinicius Rodrigues, demitido da presidência do Inep pelo ministro à época Ricardo Vélez Rodríguez.

Depois, a diretoria foi ocupada por Francisco Garonce, que era coordenador-geral de Educação para o trânsito do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Ele, no entanto, foi demitido após quebrar o protocolo de segurança do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), voltado a quem quer obter certificado de ensino fundamental e médio.

O quarto indicado ao cargo foi o general da reserva Carlos Roberto Pinto de Souza para a coordenação do Exame Nacional do Ensino Médio ( Enem ). que morreu recentemente vítima da Covid-19. Souza será subtituído, agora, pelo coronel da FAB Alexandre Gomes da Silva.

Em meio a essas constantes trocas, com cinco diretores efetivos nomeados em cerca de dois anos e dois meses de governo, houve ainda três interinos que ficaram no cargo como substitutos. A descontinuidade na gestão e o tempo que cada diretor leva para se inteirar dos temas são apontados como problemas decorrentes das substituições frequentes no cargo, segundo servidores ouvidos pelo GLOBO.

O posto ocupado por Alexandre Gomes Silva teria sido mais um motivo de desgaste na relação do agora ex-presidente do Inep Alexandre Lopes com o ministro da Educação. Depois da morte do diretor anterior, Carlos Roberto Pinto de Souza, por Covid-19, Lopes passou a defender um perfil mais técnico para o cargo, mas Milton Ribeiro não abriu mão de escolher o indicado e demitiu o então presidente do instituto na semana passada.

Outros problemas são apontados por interlocutores da pasta, como a insatisfação do ministro com mudanças propostas por Lopes no sistema de avaliação do ensino superior e com o alto índice de abstenção no Enem 2020, realizado em meio à pandemia.