Constituição Federal é peça fundamental na educação para a cidadania - PORVIR
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Inovações em Educação

Constituição Federal é peça fundamental na educação para a cidadania

Desde muito cedo, crianças, adolescentes e jovens podem ter contato com o tema da participação política e social

por Ruam Oliveira ilustração relógio 15 de fevereiro de 2023

Qual é o momento certo para que as crianças se reconheçam como cidadãs no mundo? Essa pergunta pode gerar diferentes reflexões, entre elas, a importância de discutir política e participação social com os alunos desde cedo. 

Ao compreender como a política e a participação social funcionam, estudantes podem se posicionar de maneira mais efetiva em relação à vida. E na sala de aula, ao ter acesso à essa temática, professores e professoras conseguem trabalhar pensamento crítico, repertório cultural, comunicação, argumentação e outras competências previstas na BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e que são importantes para o desenvolvimento pleno dos alunos. 

Para que crianças e adolescentes que estão entre o 5º e o 9º ano do ensino fundamental conheçam o funcionamento da Câmara dos Deputados, o Plenarinho – uma iniciativa de formação e informação sobre democracia, cidadania e funcionamento do poder legislativo – realiza o Câmara Mirim, uma ação educativa que simula toda a atividade legislativa, desde a elaboração de um projeto até a votação dele em plenário. E quem atua como deputados são os próprios estudantes. 

“Nós achamos que a cidadania é coisa do mundo adulto, quando você de fato vai poder exercer seu papel político mais formal na sociedade. Mas a gente pode ser cidadão desde muito cedo, em todos os contextos em que vivemos, porque a cidadania, na verdade, é um compromisso com as regras que estão estabelecidas – as regras de boa convivência, as regras da sua escola, as de casa… É você se colocar nesse contexto social”, diz Ana Cláudia Lustosa, coordenadora do Plenarinho. O slogan do projeto é: “O jeito criança de ser cidadão” e reflete a fala de Ana Cláudia. 

A advogada Ivy Farias relembra o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 que, entre seus itens, reforça o caráter prioritário que o Estado, a família e a sociedade devem direcionar às crianças e aos adolescentes. 

“Quando a gente fala de prioridade absoluta, acaba-se pensando somente em comida, casa e educação, e a educação na cabeça das pessoas é matemática, história, geografia, português… É também, só que na mesma Constituição nós temos [dito] que todo mundo tem direito à participação política”, afirma. 

Para que haja participação política, é preciso compreender do que ela se trata. Ana Cláudia aponta que a necessidade de incluir a educação para a cidadania no currículo não deve ser entendida como doutrinação, algo que tende a acontecer com cada vez mais frequência. 

Ela destaca que é um trabalho complexo porque, de seu ponto de vista, existe um preconceito muito grande contra a educação para democracia. “Mas se a gente pensa a democracia como um modo de funcionamento, temos mil caminhos para trabalhar a respeito dela”

O papel da Constituição Federal

É impossível tratar de cidadania sem observar a Constituição Federal, o mais importante documento que traz direitos e deveres para a população brasileira. No artigo 205, que trata de educação, a questão cidadã está presente. 

O texto estabelece o seguinte: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

Helena Singer, socióloga e líder da estratégia de juventude da Ashoka, questiona por que sendo a Constituição Federal um dos documentos mais importantes do país, ela ainda não é amplamente utilizada nos currículos escolares. Para ela, o tema deveria aparecer de maneira central, assim como a chegada dos portugueses ao território brasileiro. 

Foto: RafaPress / Getty / Canva

“Obviamente que ela é um tema transversal a todas as áreas do conhecimento, não é focada numa única disciplina. Mas é também uma referência para o debate sobre todos os temas, como as questões ambientais, os direitos sociais e os projetos de desenvolvimento do país”, pontua. 

Para ela, todos esses assuntos podem ter a Constituição como referência e a escola tem um papel fundamental de fazer com que o documento seja conhecido. 

Ivy lembra que além da Constituição, o Brasil também é signatário de outras leis como o Pacto de São José da Costa Rica, que diz que o direito à participação política, à comunicação e à informação são direitos humanos fundamentais.

A voz e a vez dos jovens

E esta temática não passa despercebida pelos estudantes de diferentes etapas. Recentemente, alunos do Colégio Estadual Atheneu Sergipense, de Aracaju (SE), apresentaram o Atheneu POP, um projeto no qual sabatinaram candidatos ao governo do estado e especialistas em políticas públicas. 

A iniciativa, capitaneada pelo professor Yuri Norberto, apresenta uma prática de inserção de jovens na temática da participação política e social. No 6º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, realizado no final de 2022, pela Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação), o professor afirmou que “as pessoas acham que o jovem não gosta de política, mas isso é a maior mentira que eu já ouvi”. 

Foto: Motortion / Getty / Canva

Durante o evento, a estudante Renata Aragão, que atua como gestora do Atheneu POP, comentou que o projeto surgiu da vontade de entender mais sobre política. “A gente tem que estar no mesmo nível, tem que participar. A política está no nosso cotidiano. Se o aluno chega atrasado na escola porque falta ônibus, isso é política pública mal desenhada, que vai afetar a educação e a vida do estudante”, disse à equipe da Jeduca.

Os integrantes do projeto se dividiram entre “ministérios” – educação e cultura, saúde, meio ambiente, proteção da infância, proteção animal e infraestrutura – para realizar essa sabatina tanto com os pré-candidatos, quanto com os postulantes ao Senado e à Assembleia Legislativa. 

E as ações nesse sentido não param. Agora, a turma realiza uma simulação de conferência da Organização das Nações Unidas com o projeto Atheneu ONU

Por que é importante

Ana Cláudia também menciona que entender o funcionamento político do país é uma forma de evitar ou minimizar riscos, como, por exemplo, os ataques que ocorreram no dia 8 de janeiro em Brasília. 

“Garantir que eles não aconteceriam a gente não pode, porque somos formados por diferentes atores. Mas a educação transforma um pouco a nossa própria atitude diante da vida”, diz.

E esse exercício democrático, para ela, pode ocorrer em todas as esferas em que crianças, adolescentes e jovens têm acesso. 

“Acho que se você vem de um exercício sempre democrático na tua casa, na tua escola, de pessoas que te escutam e querem saber da tua opinião e onde o que você diz conta, acho que tem uma série de coisas que quando elas entram na nossa é como se elas ficassem mais entranhadas dentro da gente, sabe? E se você faz esse exercício desde sempre, se você tem oportunidade de vivenciar isso desde sempre, talvez reflita um pouco melhor em algumas situações”. 

Como incluir o tema

A advogada Ivy Farias comenta que uma forma de inserir o tema é por meio do lúdico. Trazer a literatura, por exemplo, como uma forma de abordar a questão com alunos mais novos pode ser um caminho a ser explorado pelos docentes. 

Ela lembra que existe hoje um número grande de títulos que podem servir de elemento disparador para tratar do tema. Um exemplo citado por ela é o clássico “O rei está nu”, também conhecido como “A roupa nova do rei“, conto do dinamarquês Hans Christian Andersen. 

Com a história, as crianças podem entender sobre o papel dos governantes, sobre autoritarismo e mais. 

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Uma outra sugestão, esta que serve tanto para alunos bem pequenos, quanto para quem já é mais velho, é trazer urnas eletrônicas para espaços escolares, em uma ação que pode funcionar como “treino” para o papel cidadão de voto que os estudantes vão vivenciar no futuro. 

No ano passado, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) realizou uma atividade intitulada “Por dentro da Urna”, quando abriu uma urna eletrônica pela primeira vez em uma escola de ensino médio do Distrito Federal. A proposta foi mostrar o funcionamento do equipamento e falar sobre sua importância.

No início de fevereiro deste ano, uma escola em Palmas, no Tocantins, pediu emprestadas urnas eletrônicas para a realização de uma votação não oficial. Os alunos usaram o equipamento para escolher qual trilha de aprofundamento gostariam de cursar. As opções eram nas quatro áreas do conhecimento: Linguagens, Humanas, Matemática e Ciências da Natureza. 

“É uma experiência nova para mim, porque eu nunca votei, e está sendo show participar dessa ação. Fiz até uma colinha para me ajudar a lembrar minhas escolhas”, disse Kennedy Kauã Roberto Ribeiro, de 15 anos, ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Tocantins. 

A resolução 22.685/2007 estabelece diretrizes para o empréstimo das urnas a entidades públicas e instituições de ensino. 

Ferramentas e materiais de apoio 

Enquanto o Plenarinho foca em crianças de 7 a 14 anos, a Câmara dos Deputados também desenvolve um projeto para alunos mais velhos. No portal EVC há uma série de guias e materiais multimídia voltados especificamente para a educação para a democracia. 

O portal possui conteúdos de formação e propostas para todas as etapas de ensino, até mesmo a graduação. Há também o programa Missão Pedagógica no Parlamento, dedicado especificamente para docentes e com foco na educação para a democracia. 

No caso do Plenarinho, está disponível uma série de planos de aula e materiais pedagógicos que apoiam os professores e professoras a incluir a temática em suas aulas. 


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competências para o século 21, educação infantil, educação para a cidadania, ensino fundamental, ensino médio

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