EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

O jornalista Carlos Alberto Di Franco escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Conservadorismo, um fenômeno em ascensão

O pensamento liberal e conservador, sério e bem fundamentado, assusta e desestabiliza os detentores de uma hegemonia que começa a experimentar o sabor do ocaso

Foto do author Carlos Alberto Di Franco

Estava eu, recentemente, no saguão de um hotel em Fortaleza. Enquanto esperava um amigo jornalista que me convidou para a clássica peixada daquela terra acolhedora, iniciei um papo com o jovem concierge. Conversa vai, conversa vem, comentou que meu rosto não lhe era estranho e perguntou o meu nome. Puxa, sou seu leitor na Gazeta do Povo, jornal do Paraná. Fiquei surpreso. Mas a coisa não parou por aí. Disse-me que sintonizava com a linha editorial do jornal e passou a discorrer sobre grandes autores do conservadorismo. Roger Scruton é um de seus preferidos.

A conversa, rápida e agradável, suscitou uma reflexão que avançou ao longo do dia. O conservadorismo, frequentemente maltratado e incompreendido, é um fenômeno em ascensão. E não pode ser jogado na catacumba das nossas coberturas ou tratado de modo caricato. Merece uma análise. É o que tentarei fazer neste espaço opinativo, saudavelmente aberto e plural.

Impõe-se analisar o fato. O conservadorismo está presente num contingente expressivo da sociedade brasileira, inclusive entre os jovens. É preciso entender a razão dos outros, mesmo quando não coincidam com a nossa.

Mais da metade da população brasileira não se alinha com a história, a ideologia, as práticas e a agenda da esquerda. Trata-se de um fato. Boa parte dos brasileiros descobriu e se identificou com valores, pensamentos e práticas que podem ser chamados de conservadores. O advento das redes sociais, rompendo a hegemonia da agenda pública e cultural, gerou o fenômeno da desintermediação disruptiva. Novos personagens ocuparam o espaço das discussões e das reflexões, disseminando essa perspectiva que se ancora em valores tradicionais e enaltece o indivíduo e a liberdade responsável.

Na tentativa de desqualificar os anseios e aspirações conservadores e liberais, vozes de esquerda rotulam de bolsonaristas todos os que não se alinham com seu campo, tentando reduzir a ascensão dos conservadores a um personagem controverso e conflitivo. O fenômeno do conservadorismo é maior, ultrapassa e independerá de Jair Bolsonaro.

Além disso, a esquerda também se esforça para que o conservadorismo não seja devidamente difundido e conhecido em suas propostas basilares, pois percebe que a ocupação do espaço político por uma cultura conservadora é o maior e mais poderoso obstáculo às suas pretensões hegemônicas. O conservadorismo não apenas tem o direito de existir, como tem se mostrado muito representativo de boa parcela – talvez da maior parcela – da população brasileira.

O mundo experimenta essa tendência. Até pouco tempo atrás, a leitura e a repercussão dos acontecimentos estavam sempre, ou quase sempre, moduladas e filtradas por um olhar iluminista e marxista. As pessoas, mesmo na contramão de um sistema de poder coletivista e hegemônico, descobriram a força e o brilho da liberdade.

A reação dos caudilhos do espaço cultural, agressiva e desproporcionada, indica que se tocou num ponto sensível. A percepção da mudança do pêndulo da História, cada vez mais clara e patente, gerou a estratégia clássica de desqualificação da opinião alheia, os cancelamentos e a demonização de quem se atreve a pensar fora dos limites impostos pelo totalitarismo ideológico.

A atual intolerância execra – sem dar audiência ao adversário, tampouco manter o respeito por ele – os pensamentos que divergem dos seus dogmas e não hesita em mobilizar a inquisição de certos setores para achincalhar, sem o menor respeito pelo diálogo, ideias ou posições opostas ao seu dogmatismo. Ao longo da História, um dos principais males da esquerda sempre foi não duvidar de si mesma. Tudo são certezas e dogmas.

O pensamento conservador e liberal – profundo, sério e bem fundamentado – assusta e desestabiliza os detentores de uma hegemonia que começa a experimentar o sabor do ocaso. O conservadorismo busca a primazia do indivíduo, da liberdade de expressão, da igualdade de condições perante leis e direitos, de uma educação sem doutrinação, da limitação da ingerência do Estado e da defesa da família.

Vivemos tempos surpreendentes. A pandemia sacudiu o mundo. Rompeu esquemas, derrubou projetos, ceifou vidas, apagou sonhos. Pobres e ricos, governantes democráticos e ditatoriais, poderosos e desvalidos, todos foram algemados pela impotência. O globalismo foi sacudido. Imagens de praças, ruas e avenidas fantasmas e de um mundo vestido de vazio reforçaram a percepção da fragilidade. A Terra ficou de joelhos diante do imponderável. Prenunciaram-se o resgate do transcendente, dos valores, e o ocaso da arrogância racionalista. É neste caldo de cultura, imerso numa profunda nostalgia de valores e de liberdade, que o conservadorismo é a bola da vez. Uma das principais lições do pensamento conservador é de que a realidade é complexa demais e nós somos excessivamente falhos.

O jornalismo não pode ficar de costas para o fenômeno conservador. Precisamos entender e dialogar com os valores, as ideias e demandas da sociedade. Caso contrário, corremos o risco de perder relevância ao não falar adequadamente de temas e assuntos de interesse dos leitores.

*

JORNALISTA. E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR

Opinião por Carlos Alberto Di Franco

Jornalista

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.