Brasil Educação

Conselho Nacional de Educação anula parecer que previa investimento mínimo por aluno

Conselheiros alegam que órgão não tinha competência para fazer documento, aprovado em 2010, porque ele cria despesas para o Poder Público
CNE anulou seu próprio parecer que definia critérios para nortear valor mínimo de investimento necessário por aluno Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
CNE anulou seu próprio parecer que definia critérios para nortear valor mínimo de investimento necessário por aluno Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

BRASÍLIA — O Conselho Nacional de Educação (CNE) decidiu nesta terça-feira anular um parecer de 2010, de sua própria autoria, que estabelecia parâmetros para o financiamento adequado para garantir uma educação de qualidade no país.

O órgão entendeu não ter competência para instituir tais diretrizes, uma vez que poderiam gerar despesas para a União.

Embora o parecer nunca tenha sido homologado pelo Ministério da Educação, a Justiça passou a cobrar a aplicação dos conceitos trazidos no documento, como o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) e o Custo Aluno Qualidade (CAQ).

Na prática, a adoção desses parâmetros resultaria na obrigação de um maior financiamento na educação.

Os dois conceitos, CAQi e CAQ, consideram uma série de variáveis — como o número de alunos em sala, a remuneração dos professores e a estrutura das escolas e creches — para definir um valor mínimo de investimento necessário por aluno.

A Justiça de Mato Grosso determinou, no ano passado, que a União definisse os valores de referência e começasse a pagá-los, sob pena de multa de R$ 100 mil.

Ivan Siqueira, presidente da Câmara de Educação Básica do CNE, onde o parecer foi anulado, disse que o texto indica gastos adicionais, mas não especifica as fontes, o que levou os membros do colegiado a reverem a posição tomada anteriormente:

— O Conselho Nacional de Educação não tem por incumbência fazer aferição de valores. Esse é o problema do parecer e é o motivo pelo qual ele nunca foi homologado.

Segundo Siqueira, há também uma mudança no cenário nacional e seria "irresponsável" aprovar um parecer de 2010 nove anos depois sem levar isso em consideração.

— Trata-se de um parecer com que muitos concordam, mas nós vivemos em um mundo real — disse Siqueira.

Durante a reunião, os conselheiros defenderam que não se trata de uma revogação, porque o parecer "nem sequer foi homologado".

A decisão desta terça-feira vai contra um entendimento da mesma Câmara, que, em 2010, decidiu adotar os mecanismos de financiamento, sem que o parecer tenha sido referendado pelo Ministério da Educação (MEC). Mas não deixava de ser uma referência para se cobrar mais recursos, inclusive na Justiça.

Na época em que o parecer foi aprovado no CNE, o relator do texto era Mozart Neves, nome que foi especulado para assumir o comando do MEC no começo do governo Bolsonaro, mas que perdeu força após protesto de setores conservadores.

O CAQi e o CAQ foram mencionados no Plano Nacional de Educação (PNE), lei sancionada em 2014 que estabelece diretrizes, metas e estratégias para o setor. De acordo com essa legislação, o CAQi deveria ter sido implementado até 2016 e o CAQ, definido até 2017 e implementado até 2024.

Reunião controversa

Durante o encontro, os membros do colegiado explicaram também que a votação, convocada de forma extraordinária, foi motivada por uma decisão judicial que determinou à União definir o valor do CAQi para embasar o repasse de verbas do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) aos municípios.

A decisão judicial dizia que a deliberação deveria acontecer ainda em março. Segundo o CNE, essa determinação e problemas de agenda dos conselheiros fizeram com que a reunião fosse marcada em caráter de urgência para esta terça-feira.

A reunião coincidiu com a publicação de uma portaria que mudou a composição de uma comissão intersetorial sobre financiamento da educação, retirando o assento do Fórum Nacional da Educação, organização que tem representantes da sociedade civil e do Estado.

O comitê é responsável por assessorar o ministério na definição da viabilidade de investimento dos valores por aluno. Ou seja, analisa se é possível implementar ou não a verba exigida.

*Estagiário sob supervisão de Robson Bonin.