Descrição de chapéu
Rossieli Soares e Daniel Barros

Como salvar o programa Jovem Aprendiz

Nova lei em debate na Câmara falha ao não estimular a empregabilidade

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rossieli Soares

Ex-ministro da Educação (2018, governo Temer) e ex-secretário da Educação do estado de São Paulo (2019-2022, governo Doria)

Daniel Barros

Mestre em administração pública (Universidade Columbia, EUA), é ex-subsecretário de Ensino Técnico do estado de São Paulo

Existe um descompasso enorme entre as perdas de aprendizagem que a pandemia de Covid-19 tem ocasionado e as legislações para a primeira oportunidade de inserção do jovem no mercado de trabalho, sem que ocorra o abandono e a evasão escolar. Os governos eleitos —tanto federal quanto estaduais— precisam ter como prioridade trazer de volta o estudante para a escola ou mantê-lo nela.

Neste exato momento, a mudança em uma das políticas públicas mais importantes para a nossa juventude está voando abaixo do radar: trata-se do novo Estatuto do Jovem Aprendiz, em fase final de tramitação em comissão especial da Câmara, com grande possibilidade de ser votado ainda nesta legislatura, mas cujo texto atual perde uma oportunidade de ouro de melhorar essa política.

Hoje, no Brasil, há aproximadamente 450 mil aprendizes, que têm entre 14 e 24 anos. O objetivo declarado da nova lei é ultrapassar a casa do 1 milhão, aumentando a quantidade de empresas que cumprem a cota.

A proposta atual é de que seja 4% de toda força de trabalho de médias e grandes empresas, incrementando 200 mil aprendizes à conta, segundo cálculos da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Na lei atual, a cota de aprendizes nas empresas é de 5% a 15%.

Ampliar a quantidade de jovens aprendizes é nobre, mas o formato no Brasil ainda está distante dos melhores exemplos do mundo, como Reino Unido, França e Alemanha. Hoje, apenas 14% dos jovens aprendizes são efetivados, de acordo com o Ministério do Trabalho. No Reino Unido, são 93%. A métrica principal precisa ser a empregabilidade.

O drama é que o parecer apresentado no último dia 10 de novembro afasta ainda mais o modelo brasileiro das referências internacionais quando a proposta define que os aprendizes deverão ser prioritariamente adolescentes de 14 a 18 anos. Isso vai incentivar o trabalho infantil, desestimular alunos do ensino médio a frequentar escolas de tempo integral e técnico e não vai ajudar na efetivação do jovem nas empresas depois.

O aprendiz, geralmente, ainda vai ser jovem demais e provavelmente não receberá tarefas suficientemente relevantes para adquirir experiência profissional. Quem tem até 24 anos vai perder espaço porque as empresas serão fiscalizadas sobre se estão cumprindo adequadamente os critérios de priorização. Vai virar a cota pela cota, quando podia ser a porta de entrada para seguir uma carreira.

Além disso, parte do problema com a lei atual é que não há qualquer regulação da qualidade da formação oferecida durante a aprendizagem. Pelo menos 400 horas da carga horária do jovem aprendiz ao longo de 18 meses deve ser um curso oferecido por entidade habilitada para tal. A nova lei reduz a concorrência porque exclui escolas técnicas privadas do rol de organizações que podem fazer aprendizagem. Com a proposta atual, esse mercado ficará mais concentrado na mão de poucas ONGs que já prestam esse serviço há muitos anos.

A lei traz uma lista de requisitos para ser entidade qualificadora, mas não cria formas de regular a qualidade da formação. O Reino Unido, por exemplo, tem uma instituição que avalia as mais de 2.000 entidades formadoras (privadas e sem fins lucrativos). Ao final do programa, os próprios aprendizes devem mostrar que estão preparados para ser um profissional daquela área, seja vendedor de varejo ou desenvolvedor de software.

Há avanços na nova proposta de lei? Sim! A prioridade para jovens de famílias que estão no CadÚnico, a regulamentação da parte da formação, que pode ser em ensino a distância (25%), e a previsão mais clara do uso do jovem aprendiz como parte do novo ensino médio. Mas os problemas são graves. Esperamos que os deputados da comissão se atentem para melhorar o projeto e defender a emergência do interesse difuso da nossa juventude.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.