Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Descrição de chapéu enem

Como entrar na faculdade sem ensino médio

Em 2022, uma legião de alunos irá à universidade tendo feito apenas o 1º ano do ensino médio antes da Covid

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Como serão médicos, enfermeiros, advogados, professores, jornalistas e demais profissionais da geração que está terminando o ensino médio neste e no próximo ano?

O efeito cascata dos impactos da pandemia na educação começa a dar as caras, e teremos em 2022 uma legião de alunos ingressando nas faculdades brasileiras tendo feito, de fato, apenas o 1º ano do ensino médio, antes da Covid, em 2019. O 2º e o 3º, como se sabe, foram “cursados” a distância, com uma parcela pequena de aulas presenciais, isso na melhor das hipóteses. Há estudantes que terão passado esses dois anos inteiros sem aula nenhuma, por dificuldade de acesso à internet e a dispositivos ou por terem se desengajado diante do caos que tem sido o ensino no Brasil.

Em 2023 será a vez dos universitários que ingressaram no ensino médio na pandemia, os quais terão cursado com alguma normalidade somente o 3º ano –ainda na dependência, sempre é bom frisar, de que se confirme essa trégua na contaminação. E, mesmo que 100% dos alunos possam assistir presencialmente às aulas em todos os estados no próximo ano, haverá a necessidade de se repor os conteúdos perdidos ao longo do 1º e do 2º ano, conforme já determinou o Conselho Nacional de Educação (CNE). Tudo isso em meio à tremenda discrepância do ponto de aprendizado em que cada estudante estará e às suspensões das turmas quando alguém testar positivo.

Os jovens sabem que não tiveram um bom preparo no ensino médio e se sentem inseguros em relação ao Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que seleciona estudantes para universidades. E o temor só aumentou neste segundo ano da pandemia. Em 2020, 49% pensaram em desistir da prova, enquanto em 2021 são 57%. Já o número dos que estão preocupados com o desempenho disparou, passando de 56% em 2020 para 74% em 2021 —os dados são da pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus, realizada pelo Conjuve (Conselho Nacional da Juventude).

As dificuldades para se garantir uma vaga nas universidades, assim como para conseguir acompanhar os cursos de nível superior, serão, obviamente, maiores para estudantes do ensino médio público. Até os protocolos de afastamento em caso de Covid, conforme mostramos nesta Folha, ampliam a desigualdade na educação, dando a estudantes de escolas privadas, com mais acesso a médicos e a testes, chances maiores de se manter em aulas presenciais. O próximo Enem e outros vestibulares vão começar a deixar claro o quanto esse fosso se ampliou. E já se espera pelo pior. Conforme disse à Folha, com extrema preocupação, a presidente do CNE, Maria Helena Guimarães de Castro, a maior parte das vagas das universidades públicas deve ser preenchida por alunos de escolas privadas, em uma escala superior à que já era realidade antes da pandemia. E, no ensino médio, só 13% são das particulares.

Os estudantes da educação básica privada, ressalte-se, também chegarão às universidades com uma base de aprendizado corroída pelo fechamento das escolas. Antes de mais nada, deve-se ponderar que 80% das escolas particulares são de pequeno e médio portes e que, dentre elas, há desigualdade na qualidade de ensino, o que se evidenciou na capacidade de dar soluções aos desafios da pandemia.

Pensemos, então, no melhor dos mundos, nos colégios de elite. Mais do que nunca, esses alunos estarão à frente na corrida pelas universidades, mas, ainda assim, não ingressarão no ensino superior com o mesmo preparo de tempos normais. O ensino remoto, por melhor que seja, é inferior a uma boa aula presencial, e até Salman Khan, astro das aulas online e fundador da Khan Academy, uma das maiores plataformas de ensino a distância do mundo, admitiu isso à Folha em entrevista publicada na segunda.

Há mecanismos para se preencher as lacunas do aprendizado nos próximos anos, entre elas, como Khan defende, ferramentas de reforço escolar gratuitas na internet. O problema é que no ensino médio o prazo para recuperação é curto. Em São Paulo, o 4º ano do ensino médio, criado com essa função, teve, de acordo com a Secretaria de Educação, baixa adesão, até porque o curso teve que ser online em parte deste ano. As chances de ganhar mais tempo ficarão, portanto, com aqueles que podem pagar por um cursinho pré-vestibular. Além de ter mais um ano para recuperar o conteúdo acadêmico perdido, terão também a chance de ganhar um fôlego para amadurecer, o que pode fazer toda a diferença especialmente para adolescentes da pandemia.

Mas o Brasil real não é o do cursinho pré-vestibular. Mesmo despreparados, praticamente sem o ensino médio, os jovens que entrarem na universidade já serão os vencedores, porque a tragédia maior será a explosão da evasão escolar. Pode dormir tranquilo o ministro da Educação, Milton Ribeiro, que defendeu em entrevista que a universidade no país deve ser para poucos. Já era assim antes da pandemia e de Bolsonaro, e será preciso muito tempo e esforço para que a educação brasileira se recupere dos estragos feitos por ambos e para que essa realidade possa finalmente mudar.

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