Como conectar todas as escolas do campo com internet e tecnologia de ponta? - PORVIR
Crédito: PRASANNAPiX/iStock

Inovações em Educação

Como conectar todas as escolas do campo com internet e tecnologia de ponta?

Uma em cada cinco escolas públicas brasileiras não têm acesso à internet. Mas é possível avançar nessa pauta

por Thalles Gomes ilustração relógio 12 de janeiro de 2023

“Desde o início do governo Bolsonaro, a política de educação foi negligenciada, tratada como instrumento para a guerra cultural e com aparelhamento ideológico.” Assim começa o capítulo sobre educação do relatório final produzido pelo grupo técnico do Gabinete de Transição Governamental, divulgado no último 22 de dezembro.

Dentre os muitos desafios que o novo governo Lula terá pela frente, o relatório destaca ser “indispensável recuperar a capacidade operacional em áreas críticas para a execução das políticas, seja no FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), no MEC (Ministério da Educação) ou em outras autarquias, a exemplo das áreas de licitação, empenho, contratos, pagamento e tecnologia da informação”.

Sobre a tecnologia em especial, há um longo caminho a ser percorrido. De acordo com o último Censo Escolar 2021, uma em cada cinco escolas públicas brasileiras não tem acesso à internet e metade delas não disponibiliza qualquer computador ou dispositivo para uso dos estudantes.

No caso das áreas de assentamento, terras indígenas e comunidades quilombolas, estudos e dados recentes estimam que, das cerca de 10.400 escolas públicas de educação básica localizadas nestas áreas:

  • 3.675 estão em zonas de cobertura de banda larga fixa, o que significa que há disponibilidade de tecnologia (fibra óptica ou cabo, por exemplo) que viabiliza a conexão à internet. Dessa forma, para conectá-las, seria necessária apenas a contratação de um plano de internet, dado que a região já possui oferta de serviços;
  • 4.700 estão fora de zonas de cobertura. Isso significa que, para conectá-las com banda larga fixa, seria preciso implementar uma infraestrutura de conexão;
  • 2.085 não possuem energia elétrica ou dependem de geradores. Nessas condições, para conectá-las à banda larga, seriam necessárias tanto a infraestrutura de eletricidade como a de comunicação.

Para dar conta desse gargalo, é necessário que as distintas políticas e fontes de financiamento voltadas à conectividade e uso de tecnologias na educação pública garantam o atendimento prioritário às escolas do campo, indígenas e quilombolas.

Isso porque, de acordo com o (PNE) Plano Nacional de Educação, estados e municípios devem considerar em seus planos de educação “necessidades específicas das populações do campo, e das comunidades indígenas e quilombolas, assegurados a equidade educacional e a diversidade cultural”. Não por outro motivo, a estratégia 2.6 do plano fala em “desenvolver tecnologias pedagógicas que combinem, de maneira articulada, a organização do tempo e das atividades didáticas entre a escola e o ambiente comunitário, considerando as especificidades da educação especial, das escolas do campo e das comunidades indígenas e quilombolas”.

Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, é possível avançar nessa pauta sem onerar em demasia o disputado orçamento do Ministério da Educação. Para isso, alguns caminhos poderiam ser adotados:

  1. Garantir a representatividade de organizações e movimentos sociais camponeses, indígenas e quilombolas em grupos, conselhos, comitês e instâncias governamentais relacionados às políticas de conectividade e fomento o uso pedagógico de tecnologias digitais na educação básica, de modo a permitir o devido monitoramento e controle popular acerca de seus direitos constitucionais e legais;
  1. Todas as escolas do campo, indígenas e quilombolas devem ser contempladas com os recursos oriundos da Piec (Política de Inovação Educação Conectada), que tem como objetivo apoiar a universalização do acesso à internet em alta velocidade e fomentar o uso pedagógico de tecnologias digitais na educação básica. Em 2021, das cerca de 10.400 escolas do campo, indígenas e quilombolas, apenas 4.484 foram contempladas;
  1. As escolas do campo, indígenas e quilombolas devem ser atendidas prioritariamente pelo Gape (Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas), responsável por supervisionar a alocação de R$ 3,1 bilhões oriundos do Leilão 5G para conectividade de escolas públicas. As 177 escolas atendidas pelo projeto piloto em andamento foram selecionadas tendo como critérios o IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal), número de alunos beneficiados, porte, conectividade do município e existência de escolas em terras indígenas, em comunidades remanescentes de quilombos e em assentamentos rurais. Esses critérios devem ser mantidos quando da finalização do piloto e aplicação em escala nacional dos recursos;
  1. Todas as escolas do campo, indígenas e quilombolas elegíveis pelo Programa de Conectividade Rural da Anatel devem ser atendidas com conexões de dados de, no mínimo, taxa de transmissão de 1 Mbps de download e de 256 Kbps de upload, sem franquia de tráfego máximo. Oriundo do Leilão 4G, este Programa estabeleceu que as prestadoras de serviços vencedoras — Oi, Claro, TIM e Vivo — têm obrigações de ofertar conexão de voz (telefonia fixa) e conexão de dados (banda larga fixa) em todas as escolas públicas rurais situadas nas áreas compreendidas até a distância de 30 km do limite das localidades sede de todos os municípios brasileiros de forma gratuita, inicialmente, até 2027;
  1. Todas as escolas do campo, indígenas e quilombolas escolhidas pelo PBLE (Programa Banda Larga nas Escolas) devem ser atendidas com conexão de dados até dezembro de 2025. Por meio desse programa, iniciado em abril de 2008, as concessionárias do Serviço Telefônico Fixo Comutado — STFC (Telefonia Fixa) Oi, Telefônica, Algar e Sercomtel passaram a ter obrigação de atendimento a todas as escolas públicas urbanas de nível fundamental e médio, participantes dos programas E-Tec Brasil;
  1. As escolas do campo, indígenas e quilombolas devem ser atendidas prioritariamente pelos recursos a serem aplicados pelo FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações). De acordo com a revisão feita em 2020 à Lei 9.998/2000, “na aplicação dos recursos do Fust será obrigatório dotar todas as escolas públicas brasileiras, em especial as situadas fora da zona urbana, de acesso à internet em banda larga, em velocidades adequadas, até 2024”. Além disso, a Portaria MCOM nº 6.098, de 1º de julho de 2022, acrescentou como um dos objetivos estratégicos do Fust “promover a conectividade de pessoas em situação de vulnerabilidade social por meio de subsídios”, indicando que esses investimentos deverão “prever sua manutenção por tempo razoável e poderão incluir soluções de suporte, como disponibilização de infraestruturas de tecnologia da informação, dispositivos de acesso à internet, provimento de energia elétrica e capacitação de profissionais da educação”;
  1. As escolas do campo, indígenas e quilombolas devem ser atendidas prioritariamente pelos recursos oriundos da Lei nº 14.172/2021, que já destinou R$ 3,5 bilhões às secretarias estaduais de educação para garantia de acesso à internet a estudantes e professores da educação básica pública;
  1. Publicação pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) de atas de registro de preço que permitam a aquisição de computadores e infraestrutura tecnológica para escolas do campo, indígenas e quilombolas;
  1. Coordenar e promover, em parceria com o cursos de Licenciatura em Educação do Campo, estratégias de formação inicial e continuada de professores e professoras de escolas do campo, indígenas e quilombolas para o uso de tecnologia em processos de aprendizagens, além de ampliação do Programa Laboratório de Criatividade e Inovação para a Educação Básica (LabCrie), a fim de que todos os docentes de escolas do campo, indígenas e quilombolas possam ter acesso a espaços e metodologias de experimentação de tecnologias.

Por fim, para quem acredita que o debate sobre tecnologia é secundário diante do atual contexto da educação brasileira, vale lembrar que um dos pioneiros desta discussão foi Paulo Freire (1921-1997).

Quando à frente da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, no início dos anos 1990, ele lançou o Projeto Gênese da Informática, que distribuiu computadores em escolas municipais e capacitou professores da rede em informática educativa.

O projeto via na democratização do uso da tecnologia a possibilidade de ampliação do acesso à informação e construção de conhecimento de alunos e professores, o que poderia incentivar, em última instância, mudanças sociais ligadas à emancipação popular.

A premissa de três décadas atrás ainda nos parece válida. Para que, nas palavras do próprio Paulo Freire, “partindo de uma primeira leitura do mundo, meninos e meninas, homens e mulheres façam a leitura do texto, refaçam a leitura do mundo e tomem a palavra”.


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escolas rurais, tecnologia

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