publicado dia 30/03/2023

Como combater a gordofobia nas escolas?

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Gordofobia é o preconceito contra pessoas gordas manifestado em falas, atitudes, representações negativas e barreiras para a inclusão de corpos gordos. A violência é estrutural e está presente em todos os espaços da sociedade, inclusive na comunidade escolar.

“É preciso discutir a gordofobia, ouvir os alunos gordos e transformar a escola em um ambiente mais inclusivo, diverso e acolhedor de verdade”, explica Malu Jimenez, filósofa, doutora em Estudos de Cultura Contemporânea (UFMT) e pós-doutora em Psicossociologia e especialista em gordofobia.

Na Escola Municipal Reitor João Alfredo, em Recife (PE), parte dos estudantes percebeu que algumas das brincadeiras feitas entre eles não eram meras piadas, mas gordofobia. “É muito triste, porque se tornou algo comum”, lamenta a estudante Maria Flor, 13 anos.

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“A maioria das pessoas precisa aprender a respeitar a diversidade de corpos”, diz a estudante Noemi, 14 anos.

Para discutir o tema e conscientizar seus pares sobre essa violência contra pessoas gordas, os estudantes da Escola Municipal Reitor João Alfredo organizaram uma roda de conversa. “Fizemos isso para acolher os alunos que sofrem gordofobia, seja na escola ou na vida, e para ensinar a todos a não prejudicar mais os colegas”, explica Miguel, que tem 15 anos. “A maioria das pessoas precisa aprender a respeitar a diversidade de corpos”, complementa Noemi, 14.

O grupo oferece escuta e acolhimento. Quando notam que a situação é grave, acionam a direção. “É muito gratificante ver jovens preocupados uns com os outros. Também fica mais fácil para eles trazerem suas questões e para nós encaminharmos para a assistência necessária”, conta Nefertiti Alves de Sá, professora do AEE e co-mediadora da roda de conversa.

Além de ouvir quem sofre com a gordofobia, também se dedicaram a conversar com quem pratica a violência. “São pessoas que às vezes não estão bem e querem descontar nos outros”, observa Maria Flor.

O que é a gordofobia?

A gordofobia é caracterizada por um preconceito contra pessoas gordas e que se manifesta, desde atitudes e falas, até toda a estrutura da sociedade. É achar que pessoas gordas, necessariamente, não são saudáveis. Ou que são engraçadas e atrapalhadas. Que querem – ou deveriam querer – emagrecer. Tem a ver com noções errôneas disseminadas pela Medicina, como a obesidade e estar acima do peso ideal – ideal para quem? 

“Também está nas cadeiras em que eu não entro, nas catracas em que eu não passo, na maca que não têm nos hospitais. A gordofobia está tão sistematicamente dentro da forma como pensamos e nos organizamos, que vamos repetindo”, sintetiza Malu Jimenez.

Essa violência sistêmica na vida de uma pessoa gorda traz consequências como exclusão social, impactos para a saúde mental e os relacionamentos. “Pessoas gordas carregam esse sofrimento desde muito cedo, até desde a barriga da mãe. Quando me perguntam se já superei tudo que passei, digo que não sei se vou superar um dia, porque é muito profundo e repetitivo”, compartilha Malu.

O que a gordofobia tem a ver com o racismo?

Na verdade, tudo. Malu explica que durante a colonização europeia, foi construído também um projeto do que significaria raça, corpo e gênero. Os europeus, na condução forçada desse processo, instituíram que eles seriam o modelo ideal.

“A socióloga e professora Sabrina Strings fala que a origem da gordofobia é o racismo, associando os corpos grandes com corpos pretos e corpos magros aos brancos. Assim, foi se construindo que o corpo gordo é inferior, que ninguém queria ter, que não é produtivo, belo, saudável e forte”, afirma Malu, que também é autora de obras gratuitas como o livro “Lute como uma gordinha” e de um artigo na obra  “Corpo, corporeidade e diversidade na Educação“.

Outros impactos da gordofobia 

A gordofobia, tão entremeada à sociedade ocidental, afeta não apenas as pessoas gordas, mas chega a todos. “As pessoas magras também podem sofrer, porque tem gente que deixa até de comer por isso”, observa Paulo Luis, estudante de 15 anos da escola recifense.

“[A gordofobia] não é só ruim para as pessoas gordas, é para todo mundo”, diz Malu Jimenez.

De acordo com um estudo publicado na revista Jama, da Associação Médica Norte-Americana, ao redor do mundo, uma em cada três meninas e um em cada cinco meninos enfrentam transtornos alimentares. Ao todo, 22,36% das crianças e dos adolescentes de 6 a 18 anos apresentam anorexia, compulsão alimentar e bulimia, entre outros, ou uma combinação delas.

Ainda que as causas possam ser múltiplas, a anorexia e a bulimia, sobretudo, guardam estreita relação com a gordofobia. “Se você tem uma relação violenta com a alimentação e com seu corpo desde muito pequena, pode desenvolver esses transtornos alimentares. Não é só ruim para as pessoas gordas, é para todo mundo”, lamenta Malu.

O combate à gordofobia nas escolas 

Em 2021, Recife instituiu o “Dia Municipal de Luta contra a Gordofobia“. A lei assegura às pessoas gordas carteiras escolares adequadas nas instituições públicas e privadas de Educação Básica e Ensino Superior, além de reforçar que o ambiente de ensino deve ser livre de discriminação ou práticas gordofóbicas.

“A data contribui para colocar em pauta o tema e trabalhar para combater a gordofobia nas nossas escolas, o que melhora o desenvolvimento das crianças e as relações no ambiente escolar. Além disso, serve para que nossos estudantes sejam cidadãos conscientes e possam levar essa mensagem para fora do muro das nossas escolas”, diz Fred Amancio, Secretário de Educação do Recife (PE).

Dicionário Antigordofóbico. Em 30 tópicos, Agnes Arruda, autora do Pequeno Dicionário Antigordofóbico” (Provocare, 2022), mostra formas de combater a gordofobia. Confira 3 delas a seguir: 

Para o estudante Gabriel, 15 anos, essa medida precisa se estender a shoppings, ônibus, cinemas e todos os espaços da sociedade. “Todo mundo deve poder usufruir desses mesmos direitos, dessas mesmas experiências”, defende.

No Brasil, a proteção contra a gordofobia não é regulamentada por uma lei específica. Contudo, a Constituição Federal proíbe a discriminação de qualquer natureza, incluindo a discriminação por peso ou aparência física.

Enfrentando a gordofobia a partir das escolas

Malu, que foi professora de Ensino Médio por décadas, relembra o caso de um estudante gordo que precisava ter seus uniformes feitos por uma costureira contratada pela mãe, já que a escola não oferecia as vestimentas adequadas.

Para pensar: gordofobia é bullying? O Ministério da Educação (MEC) traz a definição de bullying como “todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente”. No caso da gordofobia, a origem da violência é clara. “Quando uma pessoa gorda sofre violência por causa de seu peso, é gordofobia. Se alguém sofre por ser negro, é racismo, e assim por diante com a transfobia, homofobia e outras violências”, pontua Malu Jimenez.

“Todo ano era a mesma coisa e a cor do tecido nunca ficava igual, então até nisso ele ficava diferenciado. Não tem como alguém aprender quando está o tempo inteiro sendo violentado pelos colegas e professores, quando não consegue ir ao banheiro por 6 ou 7 horas. Se a cadeira não entra, se o banheiro não serve, se não sai no intervalo porque apanha, como não vai odiar esse lugar?”, questiona Malu.

Por isso, a escola desempenha papel importante no enfrentamento à gordofobia, trabalho que deve ser desenvolvido ao longo de todo ano, de forma interdisciplinar. Ele diz respeito a, por exemplo, mostrar pessoas gordas em posições de prestígio, endereçar os conflitos que acontecem na escola e promover uma formação para o respeito à diversidade.

“As escolas precisam comportar as diferenças e tratar as pessoas com cuidado, com dignidade, porque Educação é um direito humano de todo mundo”, defende Malu.

Confira a live Hora do Intervalo, com Adriana Santos e Agnes Arruda, sobre gordofobia:

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