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Sandra Cavaletti Toquetão e Vera Lucia Michalany Chaia

Como coibir violência nas escolas e proteger crianças e jovens

Estado, famílias e educadores devem se unir para barrar discursos extremistas

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Sandra Cavaletti Toquetão

Coordenadora pedagógica da Prefeitura de São Paulo e doutoranda em ciências sociais PUC-SP

Vera Lucia Michalany Chaia

Professora do Departamento de Ciências Sociais e pesquisadora do Neamp (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política) da PUC-SP

[RESUMO] Recorrência de ataques a escolas nos últimos meses no Brasil reforça a necessidade de ações conjuntas, envolvendo governos, famílias e educadores, para impedir a proliferação de discursos extremistas nas redes sociais, reforçar o cuidado com a saúde mental dos alunos e fortalecer uma ampla rede de proteção na sociedade.

Na manhã de 5 de abril, recebemos a notícia de uma tragédia: uma creche particular em Blumenau (SC) foi cenário de um ataque brutal contra crianças. Infelizmente, não era um caso isolado no Brasil.

Na semana anterior, um menino de 13 anos matou uma professora na rede estadual de São Paulo e feriu outras 5 pessoas. Em uma carta escrita para a família, ele revelou que planejava o ataque desde os 11 anos.

Grupo em protesto espalha mochilas escolares em frente ao Congresso Nacional e pede regulação das redes sociais e proteção das crianças a discursos de ódio que circulam na rede - Pedro Ladeira-2.mai.23/Folhapress

Da mesma forma, em um único dia, 25 de novembro do ano passado, duas escolas sofreram ataques em Aracruz (ES). Um adolescente de 16 anos, filho de um policial militar, planejou o crime por dois anos. Ele utilizou a arma de seu pai e possuía uma imagem da suástica nazista tatuada no braço.

Em nossa pesquisa, em fase de finalização, denunciamos a falta de políticas públicas e a invisibilidade de crianças e jovens imersos em uma subcultura extremista nas redes sociais.

Diante da gravidade desse fenômeno, voltamos a olhar a sociedade a partir da perspectiva da educação, pois essa violência interfere no comportamento das pessoas, inclusive das crianças

Histórico de violência nas escolas

Os recentes ataques demonstram que as escolas se tornaram alvos de indivíduos com discursos de ódio. Nesse contexto, os professores sentem-se coagidos ao abordar temas importantes para uma sociedade democrática. Enquanto isso, crianças e jovens encontram na internet um espaço polarizado e disputado por diferentes grupos políticos e ideológicos.

Os tiroteios em escolas são derivados de múltiplos fatores e não são fenômenos exclusivos das redes sociais. Em 1999, ocorreu o massacre na Columbine High School, Colorado (EUA), no qual dois alunos mataram e feriram pessoas antes de cometerem suicídio. Eles planejaram os ataques por 11 meses.

No Brasil, o primeiro ataque ocorreu em 2002, em Salvador (BA). Nos últimos 12 meses, a frequência desses crimes em escolas aumentou.

A retórica violenta está presente nas redes sociais. De acordo com o livro "Psicopolítica – O Neoliberalismo e as Novas Técnicas de Poder", do sul-coreano Byung-Chul Han, cada vez mais as mídias assemelham-se a panópticos benthaminianos digitais.

Os panópticos digitais são invisíveis, mas observam e exploram as necessidades sociais, transformando a violência em mercadoria de consumo, monetizada pelas curtidas nas redes sociais. Lamentavelmente, a situação de violência nas escolas não se restringe a casos extremos.

O Brasil liderou o ranking mundial de agressões verbais e físicas contra professores nas escolas, entre os países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em 2019. É inegável que o extremismo colabora com a violência e realiza a cooptação de crianças, adolescentes e jovens.

Efeito contágio

Na era das redes sociais, a ampla disseminação de notícias falsas pode influenciar no aumento de casos de violência contra as escolas. Os programas sensacionalistas de televisão e canais digitais, com a justificativa de informar seu público, fornecem dados detalhados para ações semelhantes, divulgando imagens do atentado, das armas e do assassino.

A atenção da mídia é percebida como uma recompensa para as ações do agressor, o que acaba romantizando os autores de atentados anteriores. Por exemplo, foram encontrados conteúdos sobre massacres ocorridos nos Estados Unidos em atentados de Realengo (RJ), ocorrido em 7 de abril de 2011, e de Suzano (SP), em 13 de março de 2019. A relação entre os crimes é atribuída ao "efeito contágio".

Logo após o episódio em março deste ano na escola estadual em São Paulo, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) registrou sete boletins de ocorrência com planos de ataques a escolas feitos por adolescentes. Chega-se a afirmar que o Brasil vive uma epidemia de violência nesse sentido, e as mídias sociais desempenham um papel central na disseminação de medo e polarização.

Meios de cooptação

Um relatório do governo dos Estados Unidos, "Protecting America's Schools", publicado em 2019, apontou que não há um perfil específico de aluno agressor, nem de escola que é alvo. Em geral, esses casos estão associados a situações prolongadas de exposição a bullying, isolamento e negligência familiar.

Não é um problema em si que crianças e jovens frequentem ambientes de jogos na internet. Nesses espaços digitais, eles buscam diversão, constroem vínculos sociais e expressam seus sentimentos de alegria e frustração.

No entanto, os jogos oferecem ferramentas de conversa ao vivo (chat) como território livre. Quando o jogo é encerrado, as conversas são apagadas, dificultando o monitoramento por parte das famílias. É nesses ambientes que desafios reais e discursos velados ocorrem, incentivando a subcultura misógina e violenta. Embora esses grupos não tenham uma relação direta com os ataques, seus discursos colaboram com a ascensão do extremismo.

Em algumas plataformas, circulam conteúdos restritos e ilegais, como é o caso da deep web (internet profunda, em tradução livre). Essas camadas de acesso ficam protegidas e não podem ser encontradas pelos mecanismos de pesquisa comuns da internet. Para navegar nesses conteúdos, é necessário ter um endereço e um aplicativo próprio.

O autor Giuliano da Empoli, em seu livro "Os Engenheiros do Caos", descreve o ambiente dos jogos digitais como "um mundo anárquico, composto por comunidades difíceis de controlar e impregnado de uma cultura frequentemente misógina e hiperviolenta, pelo menos na dimensão cibernética".

No entanto, não é apenas nesse submundo da internet que encontramos o discurso de ódio. Por meio de mensagens que parecem ingênuas, os jovens estão cada vez mais expostos a conteúdos extremistas nas plataformas comuns que circulam nas telas, praticamente sem nenhum controle.

Caminhos para a prevenção

As políticas públicas recentes no Brasil têm sido objeto de disputa entre empresas e bancadas parlamentares ligadas a interesses religiosos e econômicos. Diante da complexidade desses problemas, ações conjuntas são essenciais para a proteção de crianças e adolescentes. Por essa razão, gostaríamos de apontar alguns caminhos para o debate:

1) Fortalecimento das políticas públicas

A elaboração de políticas públicas não é neutra. A invisibilidade em relação às questões sociais é uma escolha política e sempre foi um instrumento utilizado por diferentes sociedades para combater autoritarismos, tiranias, terrores e as diversas formas de destruição da democracia.

No mundo conectado, o combate ao extremismo precisa ser sistemático e constante, uma vez que suas ideias ainda circulam livremente pela internet. As medidas indispensáveis para impedir os ataques passam por uma resposta firme de repúdio e punição aos discursos nazistas e fascistas.

Atualmente, o artigo 19 do Marco Civil da Internet estabelece que as plataformas só podem ser responsabilizadas por conteúdos postados por seus usuários se descumprirem uma ordem judicial que determine sua remoção.

O projeto de lei 2630, em discussão no Congresso, incentiva formas de controle parental e destaca a corresponsabilidade das plataformas na garantia dos direitos das crianças, adotando medidas que garantam um nível elevado de privacidade e proteção de dados.

2) A escola como principal rede de proteção

A escola é um lugar de encontro, mas também é um espaço de participação política. Nela, as pessoas se relacionam o tempo todo e criam vínculos afetivos. Como consequência da pandemia, houve um aumento nos casos de saúde mental.

Miriam Abramovay, responsável pelo estudo "Trajetórias/Práticas Juvenis em Tempos de Pandemia da Covid-19", apontou que durante o período de isolamento muitos jovens registraram problemas como insônia e depressão. Ao retornarem ao ambiente escolar, essas questões continuaram presentes. No entanto, a estrutura da escola pouco mudou, e o uso de telas aumentou.

A educação possui um poder significativo, e as representações construídas pela mídia se tornaram fundamentais nas experiências individuais e sociais contemporâneas. Portanto, é necessário pensar em uma educação midiática crítica e engajada.

Além disso, é preciso rever o papel das disciplinas de ciências sociais, como sociologia e filosofia, no currículo escolar, sem renunciar à transdisciplinaridade de temas como justiça, solidariedade, direitos humanos e combate aos preconceitos.

Para que esses temas sejam incorporados de maneira efetiva na escola, é imprescindível que os profissionais da educação recebam formação em sintonia com as situações reais vivenciadas na escola.

3) O papel das famílias

A ação educativa deve ocorrer tanto na escola quanto na família. No entanto, muitos pais demonstraram não possuir ferramentas suficientes para compreender as novas tecnologias. Algumas famílias desconhecem o sofrimento e os relacionamentos vividos pelos filhos, distanciando-se devido às dificuldades em lidar com essas emoções.

Por desconhecimento, não buscam ajuda na rede de proteção. Crianças, adolescentes e jovens passam grande parte do tempo sozinhos nos ambientes digitais. Os pais ficam preocupados com essa situação, mas, ao mesmo tempo, as telas proporcionam conforto e uma falsa sensação de segurança dentro de casa.

É fundamental que as relações vivenciadas nos ambientes digitais sejam abordadas nos encontros familiares, por meio de um diálogo crítico e afetivo, fortalecendo assim os valores da comunidade em que vivem.

4) O engajamento da sociedade

As ações de segurança, acolhimento e informação precisam estar presentes e ir além da lógica setorializada e fragmentada dos órgãos públicos responsáveis.

Diante dos desafios globais contemporâneos, é urgente estabelecer um diálogo com os órgãos competentes e discutir a regulamentação das plataformas digitais, adotando medidas de responsabilização e punição dos ambientes que abrigam conteúdos violentos.

É fundamental que as políticas públicas tenham como princípio o fortalecimento da democracia e a promoção de formas de participação social, visando a integração entre os órgãos públicos e a sociedade civil por meio de uma gestão intersetorial.

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