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Como as escolas ensinam criatividade para as crianças? Pisa avalia isso pela 1ª vez

Competência, segundo especialistas, ajuda na aprendizagem dos conteúdos curriculares e é essencial para encarar os desafios do futuro

Foto do author Leon Ferrari
Por Leon Ferrari
Atualização:

Se dar aula de Química e Matemática já é difícil, como ensinar crianças e adolescentes a serem criativas? Em um tempo de mudanças rápidas e ampla oferta de informação, as escolas têm de preparar as próximas gerações para novos desafios. Muitas das profissões do futuro ainda nem existem, mas educadores dizem que é preciso estimular habilidades úteis em qualquer cenário. 

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É por isso que, pela primeira vez, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), prova da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), traz um teste cognitivo de pensamento criativo. Vai aferir a capacidade de alunos de 15 anos de arquitetar, avaliar e melhorar ideias que possam virar soluções originais e eficazes.

O teste do Pisa, aplicado até o último dia 31 no Brasil, dura 1 hora e a aferição de resultados se dá em relação a adequação, flexibilidade e/ou originalidade das soluções propostas. O aluno também responde a questionários sobre facilitadores e impulsionadores do pensamento criativo, para entender como os ambientes social e escolar estão ligados ao desenvolvimento de habilidades.

Nas salas de aulas do Centro de Inovação da Educação Básica Paulista (CIEBP), preparo para tecnologia e inovação Foto: FELIPE RAU/ESTADÃO

"Lendo um livro e completando exercícios, o aluno não vai desenvolver esse tipo de habilidades transversais do século 21. Precisa se envolver mais em atividades que façam sentido para ele. E ter tempo para isso, porque é difícil ser criativo em um minuto", disse ao Estadão Natalie Foster, analista da OCDE. Os resultados do Pisa saem em 2024.

Mão na massa

Segundo a professora de Psicologia da PUC-Campinas Solange Wechsler, a criatividade envolve duas etapas principais: o pensamento divergente, de ter várias ideias para solucionar um problema; e o convergente, que é avaliar a adequação dessas ideias.

Todos, em maior ou menor grau, têm potencial criativo. Os níveis mais altos vêm do estímulo. É importante incentivar desde cedo, mas pode ser feito em todas as etapas de ensino e áreas do conhecimento. Não é exclusivo das disciplinas de Artes, como se associa. 

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A OCDE estima que 14% dos empregos correm risco de ser totalmente automatizados e 32% mudarão significativamente com o avanço da robótica. Mas não é tão fácil substituir o pensamento criativo por máquinas. O relatório Futuro do Trabalho 2020, do Fórum Econômico Mundial, diz que a criatividade será a quinta habilidade mais requisitada pelo mercado para 2025. Além disso, crianças e jovens lidarão com emergências, como epidemias e crises climáticas.

Segundo estudo da OCDE, em 11 países e com mais de 20 mil estudantes, a criatividade é um dos objetivos de currículos escolares da maioria – a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento do Ministério da Educação, inclui essa habilidade. Em geral, diz a organização, o problema é que a criatividade aparece na parte "aspiracional" ou introdutória dos currículos.

Falta decrição prática

Quando a OCDE mostrou ferramentas que ajudam a tornar a aprendizagem mais visível e tangível, os docentes se mostraram receptivos – sete de cada dez dizem ter usado. Para Solange, a escola criativa será aquela que reconhece que há vários estilos. "Você pode fazer visualmente o trabalho, escrever, compor música, dançar, enfim, diferentes maneiras de expressar o conteúdo."

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O pensamento criativo não deve tomar o tempo das competências técnicas exigidas nos currículos. Ao contrário, é aliado na aprendizagem. "Muitos estudos mostram que a inserção da criatividade na escola aumenta a sensação de bem-estar, leva ao aumento da frequência e melhora o desempenho, porque motiva alunos a participar, dar ideias e explorar possibilidades", diz Tatiana Nakano, pesquisadora do Instituto Ayrton Senna.

Segundo ela, um dos obstáculos é que nos sistemas de ensino a memorização é o foco, o aluno tem pouco protagonismo e o erro é "punido". "A criatividade tem a ver com se expor à possibilidade de erro e não sofrer crítica." Formar melhor os docentes, defende, é um dos primeiros passos.

No espaço ekoa, em São Paulo, que atende crianças de até 7 anos, o pensamento criativo não é disciplina, mas está embutido nas atividades, diz o professor e coordenador de Corpo em Movimento da escola, Marcos Mourão. O colégio prioriza turmas multietárias, no protagonismo dos alunos e em atividades em vários espaços – sem sala fixa para as turmas –, com ênfase no ar livre. "A ideia é o professor oferecer situações exploratórias, de pesquisa e experimentação."

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De olho no futuro, educadores no Espaço Ekoa em SP apostam no cognitivo para assimestimular a criatividade em crianças e jovens Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

"Entendemos que as crianças se deparam com problemas e têm capacidade de solucionar", explica Ana Paula Yazbek, diretora pedagógica. Segundo ela, muitas vezes há surpresas, pois os menores sugerem aplicações a objetos que vão além da lógica adulta. 

No dia da visita do Estadão, em uma aula de corpo e movimento – similar à educação física –, o tema do dia era o pião. Primeiro, em uma sala, os pequenos se debruçam no tapete quadriculado para ver um minidocumentário. O vídeo mostra como a brincadeira é desenvolvida e de que materiais o brinquedo é feito em várias regiões, como a Amazônia e a periferia de São Paulo.

"Temos de ampliar o repertório deles", explica Mourão.

No segundo momento, já na quadra, eles se dividem em grupos e cada um recebe uma variação do pião. Quem já entendeu como fazer o objeto rodopiar partilha dicas com o colega em dificuldade. "Deixa que te ensino", diz uma aluna para outra. Mourão circula entre eles e dá explicações só quando é preciso, além de ajudá-los a confeccionar um peão com tampas de garrafa pet.

Sem boletim

Separada por um riacho do Parque da Chapada dos Veadeiros, em Alto Paraíso de Goiás (GO), a Escola Vila Verde também aposta em turmas com alunos de diferentes idades – no caso, bisseriadas. Em 2015, a instituição foi reconhecida pelo MEC como referência em inovação e criatividade. É mantida pelo Instituto Caminho do Meio, uma organização da sociedade civil, e oferece da educação infantil ao fundamental 2.

Para Fernando Leão, assessor pedagógico do instituto, a diferença da escola convencional é a metodologia de projetos, relação com a natureza e foco em aspectos psicossociais e socioemocionais. "A criatividade é 'efeito colateral' disso tudo." No início do bimestre, o que norteia os conteúdos são projetos individuais, da turma e entre classes escolhidas pelos próprios alunos. Os temas são diversos, como compostagem, imigração na Europa e suicídio de adolescentes, de modo a trabalhar competências previstas e curriculares. Depois, o resultado é apresentado aos demais.

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Não há boletim nem prova. O aluno recebe relatório qualitativo individual, sobre o desenvolvimento de sete conteúdos essenciais. Professores analisam a capacidade de emitir conceitos, memorizar, resolver problemas, além de autocuidado e relação com outros, a sociedade e o ambiente.

Os alunos auxiliam ainda na gestão da escola. Toda sexta-feira tem assembleia com as crianças e, dali, saem decisões coletivas: recentemente, avaliaram ser necessário mais uma casinha de madeira na escola. A partir disso, as crianças pensam em como arrecadar verba para construí-la. 

Tecnologia

Já o Centro de Inovação da Educação Básica Paulista (CIEBP), criado em 2020 pela Secretaria Estadual de São Paulo, quer expandir horizontes de alunos do fundamental, do médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) pela tecnologia. Eles são chamados a pensar em problemas do futuro e expostos ao que pode ajudá-los a criar soluções.

A concepção dos centros, segundo Débora Garofalo, coordenadora do CIEBP e finalista do Global Teacher Prize (o Nobel da Educação), também parte do pressuposto que esses jovens já nascem "conectados". "A escola tem grande papel de fazer com que esses meninos não sejam só consumidores de tecnologia, mas produtores. Com isso, desenvolvem habilidades como pensamento crítico e criatividade."

Há 14 centros no Estado, com salas equipadas com computadores, iPads, placas de programação, câmeras, cortadoras a laser, microfones e martelos. O objetivo não é formar técnicos ou programadores, mas desenvolver habilidades que os ajudem no futuro

Os centros são instalados em áreas ociosas de escolas. O primeiro, por exemplo, divide espaço com a Escola Professora Zuleika de Barros Martins Ferreira, na zona oeste da capital. Enquanto as paredes do colégio são bege, as do centro alternam azul, verde e laranja vibrantes. Nelas, mensagens como "Sabe aquela ideia que você sonha em colocar em prática? Aqui é o lugar certo para começar" ou "Boas ideias para compartilhar, e muita vontade de inovar na educação" estão estampadas.

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A reportagem participou de uma trilha de sustentabilidade no centro feita com turmas do ensino médio. Ao mesmo tempo em que responderam a dúvidas dos alunos, os professores traziam questões e incentivavam os jovens a colocar a "mão na massa". Eles foram desafiados a fazer maquetes de uma vila sustentável, pensar em um podcast sobre o tema, além de desenvolver um jogo. A formação continuada de professores e gestores educacionais também é oferecida no centro.