publicado dia 01/12/2022

Como a política educacional pode contribuir para a redução das desigualdades

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Para que a tarefa da educação integral seja cumprida na perspectiva de apoiar intersetorialmente no fortalecimento da democracia e no enfrentamento às profundas desigualdades ainda existentes no Brasil, é preciso rever várias dimensões da educação. Apresentar orientações de como concretizar isso na prática foi o objetivo da mesa “Educação integral e a questão do direito ao conhecimento: planejamento, gestão democrática, currículo e avaliação”.

Leia + O que é e como implementar um currículo decolonial?

O debate fez parte do “1° Seminário Nacional de Educação Integral – Por uma agenda de direitos e políticas intersetoriais na reconstrução da democracia”, que aconteceu nos dias 25 e 26 de novembro, com transmissão online e de forma presencial em Diadema (SP). 

O 1º Seminário Nacional de Educação Integral foi organizado pela Prefeitura de Diadema (SP), pela Secretaria Municipal de Educação de Diadema, pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), pelo Observatório Nacional de Educação Integral, Cidade Escola Aprendiz e o Centro de Referências em Educação Integral.

Abrindo a conversa, Celso Vasconcellos, pedagogo, filósofo e especialista em planejamento escolar, destacou que a alegria e o amor, em suas concepções mais profundas, devem estar na base de qualquer trabalho pedagógico na escola. 

“Queremos que os estudantes tenham alegria durante a aula, a alegria crítica do [filósofo holandês] Espinosa, a alegria do conhecimento, da potência do trabalho em parceria entre professor e aluno. Esse é um grande indicador de qualidade de uma escola”, disse Celso. 

Retomando Paulo Freire, que diz ser “preciso ousar, no sentido pleno desta palavra, para falar em amor sem temer ser chamado de piegas, de meloso, de a-científico, senão anticientífico”, Celso afirmou que este afeto é a maior força motriz da educação e explicou os vários espectros de afeto que costumam mobilizar um professor – os positivos e os negativos.

“É amor não no sentido romântico, mas no sentido antropológico e ontológico. É uma postura de acreditar em outro mundo onde todos têm lugar, que todo ser humano é capaz de aprender e portador de uma dignidade inalienável, é acolher cada aluno na sua singularidade e complexidade”, afirmou. 

Para Gina Vieira Ponte, formadora de professores da educação básica do Distrito Federal e membro do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, também não é possível pensar em uma educação integral sem valorização dos professores.

Ela relembrou a dedicação e o esforço hercúleo dos profissionais da Educação durante a pandemia e o pouco reconhecimento que tiveram. “Eles se dedicaram à exaustão e o que receberam foi que o ex-presidente da República – e temos que chamá-lo assim para dar concretude a isso – deu a notícia de que os dois anos de pandemia não vão contar para a aposentadoria dos professores. Não há educação integral sem valorização do professor como profissional transformador, a grande liderança que ele é”, defendeu Gina. 

Nesse sentido, os professores também precisam de autonomia e condições de trabalho para serem autores de suas práticas pedagógicas, isto é, para conhecerem verdadeiramente seus estudantes, suas famílias, a comunidade e o território, organizando o trabalho pedagógico a partir dessas especificidades e em diálogo democrático com todos os sujeitos envolvidos. A experiência democrática, inclusive, deve fazer parte da vivência das crianças e adolescentes desde a Educação Infantil: 

“Ainda há brasileiros embalados em uma delírio coletivo contestando o resultado das eleições. Isso acontece porque não conseguimos cumprir a profecia de Anísio Teixeira de que a escola tem que ser a fábrica da democracia. Se nossas crianças tiverem uma experiência genuinamente democrática desde a primeira infância na escola, nunca mais a gente elege um Bolsonaro, porque a democracia é um valor humano que na escola tem que virar experiência concreta”, explicou a educadora, pontuando ainda que o projeto educacional mais distante disso são as escolas cívico-militares. “É um projeto de encarceramento da juventude preta e periférica”, disse.

Outro ponto fundamental para implementar uma educação verdadeiramente integral depende de dar centralidade à questão racial, dando nome, rosto e cor para as desigualdades que assolam o país e formar os professores para trabalharem de maneira transversal e o ano todo a partir da lei nº. 10.639.

“As escolas costumam trabalhar a questão racial em uma lógica do que chamo de pedagogia de eventos, que reduz a presença negra na cultura brasileira a quatro ou cinco manifestações culturais. Crianças negras e brancas precisam saber que todo conhecimento que circula hoje no mundo nasceu no continente africano, o berço da humanidade”, explicou Gina. 

Celso Vasconcellos em participação remota no 1º Seminário Nacional de Educação Integral

A maneira de conceber e utilizar as avaliações é outro dos pilares que sustentam uma educação integral. Penildon Silva Filho, vice-reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), apontou que o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), tem importância para as políticas públicas educacionais, mas também tem limitações.   

“Avalia pouco e não corresponde ao que precisamos formar na educação, como o processo de amadurecimento democrático, o respeito aos direitos humanos e a capacidade de viver em uma sociedade diversa. Não avalia se a escola tem racismo, violência de gênero e contra a diversidade sexual”, disse Penildon. 

A maneira de lidar com essas avaliações também costuma gerar uma situação de privilegiar o ensino de Português e Matemática e dar menos centralidade às demais áreas do conhecimento, o que prejudica a capacidade de leitura crítica do mundo e o direito dos estudantes a acessar o patrimônio cultural da humanidade. 

“É necessário municiar gestores para tomar decisões de gestão a partir das avaliações, não para rankear, punir e estabelecer premiação. Tem que premiar a escola com o menor Ideb para dar melhores condições e promover equidade”, afirmou o vice-reitor. 

Selma Rocha, professora universitária e integrante do setorial de educação do PT, acrescentou que unir teoria e prática na escola, trabalhando todas as áreas do conhecimento de forma transversal, é fundamental para que os estudantes tenham a capacidade de ler o mundo e construir reflexões mais complexas. “Temos que pensar o currículo considerando o direito à ciência, à tecnologia, à pesquisa. Escola não é lugar de reprodução, é de investigação”, disse Selma. 

Para tanto, os professores precisam de um horário para elaborar e planejar seu trabalho de forma coletiva. “Professor tem que ter dúvida sobre conhecimentos científicos e sobre os seres humanos. Tem que ter com quem falar, perguntar. Não tem como exercer docência sem dúvida e reflexão coletiva”, explicou a professora. 

O norte dessas discussões, defendeu Selma, deve ser olhar para os estudantes de forma integral, para suas necessidades além das cognitivas, integrando o trabalho entre Educação, Cultura, Saúde, Esporte e Assistência nos territórios. Só assim será possível construir uma educação que promova uma sociedade melhor para todos e todas.

“Bolsonaro e seus ministros da Educação disseram que estudar Filosofia, História, Sociologia é para rico, para quem não tem o que fazer, que quem tem o que fazer vai vender sua força de trabalho barata, sem direitos trabalhistas e previdenciários ao mercado. É essa escola que não podemos aceitar para atender aos interesses da OCDE. Nosso país não tem saída se os protocolos educacionais prevaleceram sobre uma educação transformadora. Se queremos reindustrializar, o desenvolvimento científico, tecnológico, a soberania, superar o racismo e os padrões éticos, políticos e sociais da violência, necessitamos de capacidade de reflexão sobre o nosso tempo pelas maiorias sociais, sem o que não sustentaremos a democracia no mundo”, finalizou Selma.

Assista aos dois dias de evento e leia as demais reportagens de cobertura do 1º Seminário Nacional de Educação Integral:

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