Por Marina Pagno, g1 — São Paulo


Cientista manipula amostras em teste de laboratório — Foto: Feevale/Divulgação

“Estamos ansiosos”. A frase da mestranda Isis Paris Maia, de 32 anos, reflete o sentimento da comunidade acadêmica que vê no novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva a possibilidade de reajuste nas bolsas de pesquisa. Os valores podem completar 10 anos de congelamento em março de 2023.

Aluna de políticas públicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Isis ganha por mês uma bolsa da Capes, órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC), de R$ 1,5 mil o valor representa o preço de duas cestas básicas em Porto Alegre, cidade onde mora. Ela conta que, se dependesse apenas da bolsa, não teria condições de sobreviver.

“Você não pode deixar de optar pela bolsa porque você não consegue trabalho. As aulas do mestrado são todas durante o dia. Mas, aí, a bolsa não te sustenta. É complicado”, contou ao g1.

Para complementar a renda, Isis concilia o mestrado com outros projetos remunerados dentro da universidade, relacionados à sua área de pesquisa. E disse que já viu pessoas próximas terem que “abrir mão da ciência” por não conseguirem se sustentar com o baixo valor das bolsas.

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Desafio da nova gestão Lula

A valorização de estudantes que, depois da graduação, querem seguir dentro das universidades é considerado um dos desafios da nova gestão Lula para alavancar a área da ciência e da educação.

Especialistas apontam que incentivar a permanência dos jovens na pesquisa é um dos caminhos para recompor uma área que foi alvo de cortes no Orçamento nos últimos anos.

“Ciência necessita de recursos humanos. Não adianta você só ter investimento na ciência se você não tiver isso acoplado com a formação de recursos humanos”, afirmou a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e professora da Unifesp, Helena Nader.

Na comunidade acadêmica e científica, a expectativa é a de que o novo governo dê uma atenção maior para a Capes e para o CNPq, as duas agências federais de fomento à pesquisa ligadas ao MEC e ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).

A partir delas, estudantes podem conseguir bolsas para se dedicar exclusivamente à pesquisa dentro das universidades fazendo mestrado ou doutorado, por exemplo.

Desde 2013, as bolsas de pesquisa congelaram em R$ 1,5 mil para o mestrado e R$ 2,2 mil para o doutorado – segundo a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), esses valores já perderam quase dois terços do poder de compra.

Pelos cálculos da entidade, os valores de hoje, corrigidos pela inflação, deveriam ser de R$ 2.628 para uma bolsa de mestrado e R$ 3.855 para doutorado.

“A bolsa para mim seria ter, em primeiro lugar, a tranquilidade de dizer: ‘Bom, estou com as contas pagas, só preciso me preocupar em estudar’. Mas não é assim”, conta Arnaldo de Carvalho, de 46 anos, doutorando em educação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Com três filhos, Carvalho conta com a renda da esposa para ajudar no sustento da família, o que permite a ele se dedicar aos estudos. “É muito importante que a bolsa seja digna o bastante para a pessoa se afastar e ter tranquilidade”, disse.

'Fuga de cérebros'

Para o presidente da ANPG, Vinícius Soares, o baixo valor das bolsas contribui para que os estudantes percam o interesse em continuar sua formação após o término da faculdade, já que o mercado de trabalho acaba sendo mais atrativo financeiramente.

“Toda essa crise de desvalorização da juventude pesquisadora e do desmonte está ocasionando alguns fenômenos sociais. A chamada ‘fuga dos cérebros’, nossos jovens pesquisadores tendo que migrar para outros países para terem melhores condições de vida, e também a perda de talentos”, explicou Soares.

Doutorando em linguística, Yuri Fernando da Silva Penz, 29, conta que já viu pessoas próximas renunciarem à bolsa para ter um emprego com carteira assinada. O estudante, bolsista do CNPq há quase 4 anos, consegue sobreviver graças à ajuda do pai e a trabalhos sem vínculos formais, ainda que, em algumas vezes, atrapalhem seus estudos.

“Ainda bem que eu sempre tive oportunidades paralelas e eu nunca pensei em depender exclusivamente da bolsa. E eu sinto muito por quem tem, porque realmente é muito pouco para fazer uma pesquisa de qualidade e para manter um mínimo de qualidade de vida”, relatou.

Muita demanda, pouco dinheiro

A falta de dinheiro, porém, pode ser um obstáculo para o reajuste das bolsas de pesquisa logo no primeiro ano do mandato do presidente eleito.

Tanto a Capes como o CNPq podem sofrer mais cortes no Orçamento em 2023, segundo a atual previsão da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) em análise no Congresso.

De acordo com estudo divulgado nesta semana pelo Observatório do Conhecimento, a previsão de despesas totais para o CNPq em 2023 é 54% menor do que foi em 2015. Na Capes, as verbas previstas apenas para o pagamento de bolsas no ano que vem são 21% menor do que em 2022.

De acordo com o levantamento mais recente da ANPG, 40% das matrículas de mestrado e doutorado são de bolsistas. A maior parte delas (73%) são pagas pela CAPES.

“Você tem que valorizar o valor das bolsas e reajustá-las, mas você também tem que aumentar o número de bolsistas. São duas políticas diferentes. Qual é a mais importante? Qual é a que cabe no orçamento? Difícil dizer. O primeiro ponto é recompor um sistema que está todo prejudicado”, ponderou o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine.

Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em foto de 2015 — Foto: Heinrich Aikawa/Instituto Lula/Divulgação

Para especialistas, o futuro pode repetir o passado. Durante os dois primeiros mandatos de Lula, as bolsas de pesquisa receberam três reajustes. Em 2003, quando o petista entrou na Presidência, a bolsa de mestrado era de R$ 724 e de doutorado, R$ 1.073. Em 2010, no último ano do governo, os valores saltaram para R$ 1,2 mil e R$ 1,8 mil.

Dois desses três reajustes foram anunciados pelo professor e físico Sérgio Machado Rezende, que foi ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações no governo Lula de 2005 a 2010. Para ele, o aumento hoje é considerado uma das principais demandas em ciência e educação superior no Brasil.

“Isso também está nas nossas propostas para o novo governo”, disse Rezende, que participa de um grupo para assessorar a equipe de transição do novo governo Lula na área de ciência e tecnologia.

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