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Economia Emprego

Com fim do programa de redução salarial, governo aposta no primeiro emprego

Vagas com bolsas para jovens podem durar até um ano e servir de ponte para Carteira Verde e Amarela. Especialistas alertam para risco de falta de foco
Taxa de desemprego de jovens no Brasil é muito mais alta do que a de pessoas de média idade, diz especialista Foto: Agência O Globo
Taxa de desemprego de jovens no Brasil é muito mais alta do que a de pessoas de média idade, diz especialista Foto: Agência O Globo

BRASÍLIA - Com o saldo de empregos influenciado pelo programa de redução salarial, o governo já sinalizou ontem que o plano para incentivar a contratação de jovens pode durar mais tempo que o inicialmente previsto. Segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, o chamado Bônus de Inclusão Produtiva (BIP), que prevê o pagamento de bolsas para jovens que não estudam nem trabalham, poderá funcionar com contratos de até um ano — mais que os seis meses originalmente previstos.

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A medida serviria como uma ponte para um novo regime de trabalho com menos encargos trabalhistas, conhecido como Carteira Verde e Amarela. Para especialistas, a iniciativa precisa ser monitorada para garantir que os postos gerados resultem em qualificação de trabalhadores e não sirvam apenas para inflar os dados de contratações.

O anúncio foi feito por Guedes durante a divulgação dos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Segundo o levantamento, o saldo entre contratações e demissões em abril ficou em 120,9 mil postos. No acumulado do ano, o balanço aponta abertura de quase 1 milhão de vagas — 957 mil no total.

2,9 milhões protegidos

O número positivo é reflexo de fatores que incluem o efeito do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm), que permite que empregadores e empregados firmem acordos de redução de jornada e salário e suspensão de contratos. A medida vigorou em 2020 e foi renovada no fim de abril.

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Como quem firma acordo tem direito a estabilidade, 2,9 milhões de empregados ainda contavam com essa proteção  em abril por causa de negociações do ano passado.

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O novo BEm tem duração de quatro meses, com efeitos de estabilidade até o fim do ano — de 28 de abril, quando foi lançado, até a última terça-feira quase 2 milhões de acordos haviam sido celebrados. Com a expectativa de término do programa, Guedes deu ontem mais detalhes sobre o BIP, que já havia sido mencionado pelo ministro no mês passado.

— Nós temos recurso para este ano, mas, em vez de lançar contrato de seis meses, nós estamos tentando arrumar já a ponte para o ano que vem, para poder ser um contrato de um ano pelo menos — explicou o ministro. — O governo vai pagar R$ 300, e as empresas vão pagar R$ 300. As empresas pagando para dar curso de qualificação de mão de obra. É o treinamento no mercado de trabalho no próprio emprego.

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Interesse de ‘fast food’

Guedes citou que já há empresas conversando com o governo sobre qualificação para jovens, e citou o McDonald’s como uma delas. O ministro não detalhou qual a fonte de recursos para este ano, e se limitou a dizer que o impasse que impede o lançamento da ação é em relação a 2022.

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O secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, confirmou conversas, mas frisou que BIP ainda é discutido em âmbito de governo e que o programa não se tornará um meio para contratação de mão de obra barata:

— Muitas empresas nos procuram porque têm programas de qualificação e querem participar de uma qualificação de pessoas que vivem hoje à margem do mercado formal de trabalho

E acrescentou:

— Eu quero que as empresas contratem jovens que precisam de oportunidades. Isso não é mão de obra barata. Isso é redução do custo da mão de obra, aumento da produtividade e qualificação do jovem. É uma ponte para o emprego: ele não tem qualificação, e sem qualificação ele não tem oportunidade.

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Procurada, a Arcos Dorados, operadora do McDonald’s na América Latina, afirmou que está constantemente avaliando formas de ampliar seu programa de geração de primeiro emprego formal e capacitação de jovens para contribuir com a redução do desemprego.

Guedes justificou o programa como um olhar para evitar o efeito cicatriz, ou seja, as marcas que essa geração de jovens vai carregar por ter sido afetada pela pandemia tanto na educação quanto no mercado de trabalho.

A proporção de jovens que não trabalham nem estudam aumentou durante a pandemia da Covid-19 no Brasil. Levantamento da FGV Social feito pelo pesquisador Marcelo Neri mostra que a quantidade de jovens entre 15 e 29 anos considerados “nem-nem” sofreu uma aceleração a partir do fim de 2019, teve seu recorde histórico durante 2020 e fechou o ano com taxa de 25,52%.

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Perda é mais ampla

O pesquisador do Ibre/FGV Rodolpho Tobler diz que a taxa de desemprego de jovens no Brasil é muito mais alta do que a de pessoas de média idade, mas a efetividade do programa vai depender de como será feita a qualificação:

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— A gente pode usar esse programa para remediar ou se prevenir. Pode usar o programa só para diminuir a taxa de desemprego desses jovens. Vai ser positivo, mas, no longo prazo, não vai ter um efeito tão grande. Dependendo do desenho do programa, ele pode não só remediar o problema de agora como estimular a produtividade no longo prazo.

Já Patrícia Krause, economista da Coface para América Latina, pondera que o governo precisa delimitar o foco desse programa:

— Algumas mudanças estruturais e processos de digitalização foram acelerados pela Covid e vão seguir. É preciso preparar a população para os empregos que surgirão. Não é qualquer tipo de emprego, é para essa futura demanda.

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O BIP é elaborado em um momento em que as estatísticas de emprego com carteira assinada se descolam de dados mais amplos do mercado de trabalho, que consideram as vagas informais.

No mês passado, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua mostrou que o país havia perdido 7,8 milhões de postos durante a pandemia, no balanço até fevereiro. O IBGE divulga hoje os dados até março.

Tobler, da FGV, afirma que o retrato do mercado de trabalho é um meio do caminho: nem tão otimista quanto o Caged nem tão pessimista quanto a Pnad:

— Com a piora da pandemia, março e abril foram os meses com mais restrições, e era esperado que tivesse uma desaceleração (das contratações com carteira) — pontuou, lembrando que o BEm pode ter incentivado a manutenção dos empregos.