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Opinião Flávia Oliveira

Com estudante não se brinca

É grave erro político tratar de contingenciamento de recursos via depreciação de alunos e professores

Não é boa política brigar com estudantes, principalmente secundaristas. Nunca foi. O erro político — tanto do presidente da República quanto do ministro da Educação — de preferir viés ideológico a argumentos técnicos para justificar cortes no orçamento de universidades e institutos federais rendeu onda de protestos tão precoce quanto volumosa contra uma gestão que não completou cinco meses. Não à toa, o movimento tomou as redes sociais pela hashtag #tsunamidaeducação.

Tão habituados a usar tendências demográficas para explicar a necessidade de reformar a Previdência, os cérebros do governo Jair Bolsonaro deveriam ter consultado a pirâmide etária também para antever o 15 de maio. As projeções de população do IBGE sugerem que, neste 2019, há 50,4 milhões de brasileiros com idade entre 15 e 29 anos. Eles representam um em cada quatro habitantes. Os gestores de um país que atravessa o pico da população juvenil não podem se dar ao luxo de depreciar o grupo.

Na falta de estatísticas, uma passada d’olhos nos livros de História ou nos arquivos de notícias tampouco faria mal. Destratar estudantes nunca rendeu bons dividendos. Em março de 1968, o assassinato do secundarista Edson Luís de Lima Souto por policiais militares que invadiram o restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, resultou numa onda de protestos que abalou o regime militar. No dia do sepultamento, a cidade parou diante de atos e faixas que denunciavam: “Mataram um estudante. E se fosse seu filho?”. Cinemas da Cinelândia amanheceram com letreiros dos filmes “A noite dos generais”, “À queima roupa” e “Coração de luto”. São Paulo também marchou. A onda de manifestações atormentou a ditadura, que respondeu com o AI-5, marco dos anos de chumbo.

Já no período de redemocratização, o impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992, deve muito ao movimento dos caras-pintadas, jovens estudantes que saíram às ruas para protestar contra o então presidente com os rostos riscados por tintas preta, verde e amarela. O lema era Fora Collor. A tensão política que culminou com a saída de Dilma Rousseff da Presidência, em 2016, começou três anos antes, com manifestações de jovens, primeiro, contra o aumento das passagens de ônibus; depois, contra-tudo-que-ali-estava. No Rio, a mobilização deu na saída antecipada de Sérgio Cabral do Palácio Guanabara, que cedeu a cadeira a Luiz Fernando Pezão, reeleito na sequência, em 2014.

O rol de episódios sugere que estudantes despertam empatia. Não é por acaso que nos lembramos de Alex Schomaker Bastos, estudante de Biologia da UFRJ, morto aos 23 anos com sete tiros durante um assalto em frente ao campus da universidade na Praia Vermelha, em 2015. E de Maria Eduarda Alves Ferreira, a estudante de 13, baleada e morta por um PM dentro da escola, em Acari, em 2017. E de Marcos Vinícius da Silva, de 14, assassinado a caminho do colégio, na Maré, no ano passado. Nada mais triste que tragédias com estudantes.

A faixa etária, 2013 já ensinou, é a menos contemplada com políticas públicas. O Bolsa Família vai até 17 anos — recentemente, o ministro Osmar Terra, da Cidadania, anunciou um bem-vindo, porém insuficiente, pagamento extra de R$ 48 a famílias com jovens de 18 a 29 anos matriculados em cursos técnicos ou à frente de negócios. Famílias brasileiras já incorporaram a educação como valor e meio de entrar no mercado de trabalho e ascender socialmente. É natural que se sensibilizem quando estudantes lideram manifestações contra corte de verba na educação.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE 2017) mostrou que 87% dos adolescentes de 15 a 17 anos estão matriculados; na faixa de 18 a 24, 31,7%. A despeito dos fenômenos da evasão e dos nem-nem (aqueles que nem estudam nem trabalham), há um contingente expressivo ligado a instituições de ensino, mais de 80% na rede pública.

É grave erro político tratar de contingenciamento de recursos via depreciação de alunos e professores por rancor pessoal e perseguição política, como fizeram Abraham Weintraub e Jair Bolsonaro. Se há incapacidade em Matemática e Química dos estudantes, como afirmou o presidente, o antídoto é priorizar e aumentar a eficiência dos gastos em educação, não aplicar uma tesourada ideológica em universidades federais e instituições como o secular Colégio Pedro II.

A resposta de estudantes, pais e professores começou com uma marcha modesta até o Colégio Militar, no Rio, onde Bolsonaro participava de cerimônia dez dias atrás. Acabou em protestos caudalosos em duas centenas de cidades, aí incluídas todas as capitais, no #15M. Se o governo não acertar o passo, sabe-se lá onde essa caminhada vai parar.