Com escolas fechadas há quase seis meses, Brasil vive dilema entre retorno presencial e aulas online

Pais e professores temem riscos de retorno às escolas; especialistas defendem plano para priorizar o setor e evitar evasão na rede pública

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Por Ocimara Balmant , Alex Gomes e especiais para
Atualização:

Nenhum país do mundo está há tanto tempo com as escolas fechadas como o Brasil. São quase seis meses. Enquanto comércio e restaurantes voltaram a funcionar e boa parte das pessoas já está trabalhando, quase 50 milhões de crianças e adolescentes continuam em casa.

Por um lado, explicam os especialistas, há uma preocupação genuína de famílias e professores com os riscos da retomada das aulas. Por outro, a frase “melhor não voltar este ano”, tão ouvida nestes tempos, pode estar minimizando a importância da escola e as consequências presentes e futuras de ter 25% da população do País privada de frequentar esse espaço.

Entre alunos de escolas públicas que estão tendo aula remota, 26% não possuem internet Foto: Alex Silva/ Estadão

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“Quando a sociedade quer ir para a praia, mas não para a escola, é um projeto de nação. Estamos fazendo uma opção de ter lazer e compras e, para isso, a escola precisa estar fechada”, afirma Priscila Cruz, presidente executiva do Todos Pela Educação. “Priorizar educação seria abrir mão dessas liberdades para que o controle fosse mais rápido e mais rapidamente ocorresse a retomada das aulas.”

Esse descaso, diz Priscila, deixa evidente o poder de influência das lideranças nacionais, responsáveis pelo atraso no combate da pandemia. “O fato de o governo federal ter se ausentado, não ter posto em prática sua coordenação, não ter criado um gabinete de crise com diretrizes, atrasou demais. Crianças e jovens não vão nem saber o que perderam se tivessem tido acesso mais rápido ao retorno.”

Uma comparação simples com a Alemanha deixa isso evidente. “Lá, mesmo com a autonomia de cada Estado, o governo federal assumiu a coordenação da retomada escolar pelo entendimento de que isso afetaria a visão de país. No Brasil, ajudar e apoiar Estados e municípios é um papel estabelecido pela Constituição. Não é uma benesse, é uma obrigação do governo federal”, avalia Fred Amancio, secretário de Educação e Esportes de Pernambuco.

Tanto na Alemanha como em outros países europeus, no dia seguinte à paralisação das aulas já havia um comitê para iniciar o processo de retorno. É importante considerar que o calendário escolar do Hemisfério Norte já estava caminhando para o fim do ano letivo. “Os pais brasileiros são mais preocupados? É claro que não. Mas, nos outros países, já se planejava o processo de retorno. Não era ter uma data, mas entender a importância da educação. Lá, estavam preocupados com os 30% finais do ano letivo. Aqui, praticamente não tivemos ano letivo presencial”, diz Fred.

Entre alunos de escolas públicas que estão tendo aula remota, 26% não possuem internet; na rede privada, o total de estudantes sem acesso ao ambiente digital cai para 4%. Foto: Werther Santana/Estadão

Em Pernambuco, o protocolo de retorno às aulas, cuja data não está estabelecida, foi divulgado há um mês e prevê redução no número de estudantes, volta voluntária e distanciamento social. “Sempre destaco que falamos muito dos riscos do retorno, mas não dos riscos de não retornar. Mesmo se a discussão for só focada na aprendizagem, sabemos que não dá para dizer que recupera depois. Mas vai além. Em um País com tanta vulnerabilidade e violência, esses adolescentes não estariam mais protegidos se estivessem na escola?”, indaga.

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Desigualdade

Em uma nação tão longe da equidade educacional como o Brasil, a pandemia acentuou ainda mais as desigualdades existentes. A cada dia longe da escola, o cenário é agravado. A opinião é de Angela Danemman, superintendente do Itaú Social.

“O maior problema de acesso e atenção está nas áreas de renda mais baixa. São as periferias das grandes cidades. As famílias têm baixa escolaridade e poucas condições de acompanhar o filho durante as atividades. Esse estudante tem acesso ao conteúdo online pelo único celular da casa, que não está disponível o tempo todo. E, veja, é a própria desigualdade que dá à família essa condição desestruturante, sem saneamento, sem água”, afirma Angela.

Uma pesquisa divulgada em 12 de agosto pelo Instituto DataSenado mostra que a diferença entre a educação na rede pública e na privada também se revela no acesso dos alunos ao ambiente digital. Dos lares brasileiros cujos estudantes estão tendo aulas remotas na rede pública, 26% não possuem internet. Já nos colégios particulares, o total de alunos sem conexão online cai para 4%.

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“O que foi feito pelas secretarias é importante, mas quase 30% não têm acesso a nada. Sofrem com estresse tóxico, sem dinheiro e sem educação. Essas coisas precisam ficar muito claras para que a gente atue sobre os problemas como eles são”, pondera Angela. “Trazer os estudantes, respeitando todos os protocolos de saúde para que tenham segurança e educação, pode ajudar a reduzir essa situação de toxicidade.”

Preparo

Conscientizar a população – famílias e docentes – sobre a importância de se planejar o retorno às aulas presenciais tem sido o desafio dos gestores educacionais. Até porque o planejamento não significa a volta, mas a prontidão para o momento em que isso for possível. “É preciso respeitar o temor, o medo que professores e pais têm neste momento. Todo nosso esforço no Espírito Santo tem sido fazer um planejamento transparente e responsável. As famílias estão com medo da pandemia. Por isso, quanto mais claro, mais todo mundo ganha.”

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Em São Paulo, a rede estadual autorizou a abertura das escolas a partir de 8 de setembro para atividades não curriculares. A retomada do calendário presencial pode ocorrer a partir de 7 de outubro, de forma gradual e com distanciamento social. O retorno oficial das aulas no Estado ocorrerá somente se 80% das regiões estiverem por 28 dias seguidos na fase amarela do Plano São Paulo.

Mas todo o cronograma depende da avaliação municipal. A capital descartou volta em setembro. Prefeitos de seis das sete cidades do ABC já descartaram reabrir as escolas em 2020, ainda que haja autorização para isso. “Alguns prefeitos dizem que não vão voltar neste ano. Mas a avaliação (feita com base no Plano SP) serve para o sim e para o não. Eu defendo que, se tiver condição de voltar por um dia, que a gente volte um dia”, afirma Rossieli Soares, secretário de Educação do Estado.

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Exemplo de estratégia educacional

Na Nova Zelândia, o primeiro caso de covid-19 foi diagnosticado em 28 de fevereiro. Em meados de março, todas as escolas do país foram fechadas. Um mês depois, as aulas presenciais foram retomadas para os estudantes que mais precisavam, como os filhos de profissionais da saúde. Em maio, todas as escolas foram reabertas. A retomada rápida das atividades escolares foi resultado de um trabalho que começou com o enfrentamento precoce da doença e com a educação sendo prioridade na agenda de combate ao novo coronavírus.

“A estratégia para lidar com o impacto da pandemia na educação teve uma forte liderança, com intervenção precoce, gentileza, empatia e comunicação clara”, afirma Graciélli Ghizzi-Hall, conselheira de Cooperação Internacional e Engajamento do Ministério da Educação da Nova Zelândia. Brasileira, ela emigrou para a ilha do Pacífico na adolescência.

No dia a dia, o Ministério da Educação tem trabalhado em estreita colaboração com o Ministério da Saúde na adoção de medidas de segurança. O alcance e as ações são amplos e chegam a todo o sistema educacional. As escolas recebem um boletim diário por e-mail com as informações atualizadas da covid-19, material de ensino a distância e conteúdo sobre bem-estar mental.

“Nossa capacidade para moldar o sistema para garantir a equidade incluiu estratégias que garantem o fornecimento de conectividade, o desenvolvimento de um site com recursos de apoio a pais e professores, e a criação de materiais físicos para quem não tem acesso ou quando são mais adequados”, diz Graciélli. Estudantes indígenas, carentes e com necessidades especiais foram prioridade.

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O apoio aos docentes incluiu iniciativas como a comunicação clara e regular, a oferta de modelos e orientações para que eles pudessem refletir e enfrentar o momento e cursos com foco em questões relacionadas ao aprendizado.

O desafio mais amplo agora, afirma Graciélli, é equilibrar a saúde pública, as necessidades do mercado de trabalho, as restrições de fronteira e os desafios da educação. “Os esforços para resolver a crise têm apoiado nosso objetivo de moldar um sistema de educação equitativo.”

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