Blog do Matheus Leitão

Por Matheus Leitão


Tábata Amaral conversa com eleitor durante a campanha — Foto: GloboNews/Reprodução

Recém-eleita pelo PDT em São Paulo, a deputada federal Tábata Amaral avalia que a polarização das eleições atrapalhou o bom debate. Em entrevista ao blog, ela disse que terá a pauta da educação como prioridade e buscará o diálogo no Congresso com os dois lados da disputa eleitoral de 2018.

Quando questionada sobre as dificuldades que pode encontrar em um eventual governo conservador de Jair Bolsonaro, hoje líder das pesquisas, Tábata admitiu se preocupar com o plano de governo apresentado pelo candidato do PSL.

“As propostas que o Bolsonaro traz para a educação me preocupam menos pela questão de serem de esquerda ou direita. Elas são preocupantes porque demonstram um grande desconhecimento ou descaso com a educação”, afirma a parlamentar.

“Você não vê nenhuma proposta séria para professores, para ensino médio, para curso técnico, para financiamento. Você não vê nada sobre o que importa, o que faz o negócio girar. Ou o tema não é importante, ou se desconhece sobre ele, ou as duas coisas”, diz.

Tábata é moradora de São Paulo e saiu da periferia para se formar em Ciência Política e Astrofísica pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Depois de conquistar mais de 264 mil votos, a jovem parlamentar de 24 anos exercerá seu primeiro mandato na política.

Entre os principais projetos, Tábata destaca três pautas na educação: utilizar o financiamento do setor para implementar boas práticas e para melhorar os resultados no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica); investir na reforma do ensino médio e valorizar a capacitação dos professores.

Tábata acredita que, em relação ao ensino médio, é preciso discutir novamente as mudanças. “A reforma está com ‘zero real’ orçado para sua implementação, ficou engavetada, e o ensino médio caiu de qualidade, pelo resultado da última avaliação que saiu agora”, afirma.

“Esse é o momento pra fazer uma nova discussão do que seria a reforma do ensino médio. Dessa vez, uma reforma que escute de fato educadores, alunos, e que vá numa linha um pouco mais inclusiva. Ensino de tempo integral, um componente profissionalizante, uma formação mais ampla em esportes, música e por aí vai”, defende. Leia abaixo a entrevista ao blog.

Blog - A sua grande plataforma deve ser a educação, porque foi com esse tema que você se elegeu e tem trabalhado. Mas você poderia explicar exatamente as suas propostas?

Tábata Amaral - Em um Congresso tão polarizado, em que tanta gente se elegeu negando o outro lado e negando a política, mas de fato com poucas propostas, eu vou ter um desafio muito grande de cavar um espaço e de convencer as pessoas de que as pautas de educação vão além desses dois extremos e vão além da polarização. As três pautas que eu carrego para o ano que vem, não são de muito glamour, mas a sorte é que elas não são polarizadas e acho que tem espaço sim para liderá-las.

A primeira é a questão do financiamento da educação. O Fundeb (Fundo de Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica), que é a maior fonte de financiamento da educação básica no Brasil, vence em 2020 e se nada for feito ele acaba. Queremos focar em duas partes do Fundeb. Uma das ideias – que até já foi aplicada no passado, mas não com a mesma intenção – é atrelar uma parte do financiamento à implementação de boas práticas. Ainda hoje ¾ dos municípios do Brasil escolhem os diretores por indicação política e a mudança da indicação política é uma que está bem documentada, com impacto comprovado. Os municípios de Sobral/CE, Foz do Iguaçu/PR e alguns de Minas Gerais já fizeram. E a gente hoje não consegue escrever uma lei, em nível federal, determinando que os 5 mil municípios acabem com a indicação política. Então, tecnicamente é impossível, com a jurisdição confusa que se tem hoje, espalhar as boas práticas bem documentadas. Por isso, uma ideia que eu vou levar muito forte é a de atrelar uma parte do financiamento, do apoio federal, à implementação de boas práticas, entre elas a formação continuada dos professores, o fim da indicação política e por aí vai. Também defendo que outra parte desse financiamento seja destinado à melhoria dos resultados do Ideb, algo que, de certa forma, já começou em municípios do Ceará e que a gente fez em outras áreas, mas nunca houve um incentivo muito claro. Temos de olhar para o financiamento como uma grande motriz da educação que, por ser muito técnico, não é muito discutido.

Em relação ao ensino médio, a reforma está com “zero real” orçado para sua implementação, ficou engavetada, e o ensino médio caiu de qualidade, pelo resultado da última avaliação que saiu agora. Então, esse é um momento para fazer uma nova discussão do que seria a reforma do ensino médio. Dessa vez, uma reforma que escute de fato educadores, alunos, e que vá numa linha um pouco mais inclusiva: ensino de tempo integral, um componente profissionalizante, uma formação mais ampla em esportes, música e por aí vai. Como fazer para que um aluno de escola pública tenha a mesma chance de quem saiu da escola particular? Não vamos conseguir isso enquanto o aluno de escola pública tiver duas, três horas de aula por dia, no máximo, e o de escola particular ficar o dia inteiro em atividades escolares.

Outro ponto, que todo mundo fala a respeito, mas ninguém faz nada, é a questão do professor. É preciso olhar para a formação inicial, formação continuada, desenvolvimento, avaliação, salário, condições de trabalho.

Então, são essas três pautas que eu destaco na educação. Hoje elas não estão muito tomadas por nenhum dos dois lados, há uma dificuldade muito grande de criar espaço para elas, mas são pautas muito urgentes. Estamos falando não de coisas que ficam mais no discurso raso, como “ideologia de gênero” ou “escola sem partido”. Você fica falando ali do raso, você cria uma polarização gigantesca, mas isso não muda o total de alunos aprendem a ler e escrever. Essa é um pouco da visão que estou levando. Espero fazer parte da Comissão de Educação e tudo indica que estarei.

Blog - Você já está trabalhando nisso politicamente?

Tábata Amaral – Sim. A principal razão de estar no PDT é porque as pautas de educação que eu defendo tem espaço muito grande no partido. É um tema que a gente conversa desde o princípio. Eu quero liderar não só a construção de conhecimento em educação, mas também as reformas. Quero estar sim na Comissão de Educação e entendendo também que eu vou ter um papel muito grande no Congresso de dialogar com os dois lados. Essa polarização traz o risco de ficarmos paralisados e eu acho que há espaço para, em algumas pautas, concordar com todo mundo ou com algumas pessoas.

Blog - Sobre a polarização...Você foi eleita pelo PDT, um partido considerado de esquerda moderada, mas você vai estar numa Câmara mais conservadora, se olharmos o resultado das eleições no Legislativo. Você acha que através do diálogo dá para construir alternativas para avançar na área de educação?

Tábata Amaral - Com certeza será uma Câmara mais conservadora que a anterior, mas muito dividida. Tem uma galera eleita que a gente não sabe muito bem o que pensa, ou se pensa, sobre alguns assuntos. A eleição foi muito pautada pela briga, pelo ódio. Tem coisas que vão além da esquerda e da direita. Tem muita coisa que surgiu no mundo que não existia há 200 anos, quando a gente fala de direitos humanos, desenvolvimento sustentável, gestão eficiente e por aí vai. Então, eu acho que há espaço para o diálogo pela natureza das pautas que eu carrego. Acho que é uma questão de necessidade. Um Congresso tão dividido, em que as maiores bancadas são do PT e do PSL, se eu não conseguir dialogar com os dois lados, eu não vou conseguir fazer nada. Então, desde agora – ainda não saí de férias, em algum momento isso vai acontecer, se Deus quiser –, estou fazendo vários cursos. Eu vou amanhã para Brasília para conversar com vários parlamentares de outros partidos, porque eu preciso chegar lá preparada, conhecendo pelo menos como as pessoas veem as minhas pautas, para conseguir fazer o melhor trabalho possível.

Blog - E na hipótese de o Bolsonaro ganhar, como você pretende interferir nas políticas públicas e ampliá-las ou melhorá-las na área de educação, se o que ele pretende para a educação está distante desse ideário?

Tábata Amaral – Falo com muita sinceridade, de alguém que realmente tem educação como causa de vida, que as propostas que o Bolsonaro traz para a educação me preocupam menos pela questão de serem de esquerda ou direita. Elas são preocupantes porque demonstram um grande desconhecimento ou descaso com a educação. Você não vê nenhuma proposta séria para professores, para ensino médio, para curso técnico, para financiamento. Você não vê nada sobre o que importa, o que faz o negócio girar. Ou o tema não é importante, ou se desconhece sobre ele, ou as duas coisas. Eu me preocupo quando vejo discursos como “vamos falar sobre o currículo das escolas, sobre a militarização” tomando todo o espaço do que ele defende. Tento fazer uma análise um pouco diferente. Claro que não quero que as escolas sejam militarizadas. As escolas militares são boas porque são seletivas, assim como todas as escolas seletivas que eu conheço. Escolas particulares são boas porque o aluno vem com uma bagagem gigantesca dos pais. Então, é fácil sabe? Me dá uma escola em que eu possa fazer uma prova de seleção que eu também vou fazer um bom trabalho. O meu ponto não é esse.

Ao não falar do que importa na educação, a situação vai piorar. Nada do que ele aponta ali mexe o ponteiro de quantos alunos aprendem a ler e escrever. Então, de novo, o meu enfrentamento vai ser nesse sentido. A gente vai discordar sobre o que você pensa, sobre currículo, sobre a militarização das escolas, sobre a existência ou não de ideologia de gênero? Vamos. Mas vamos falar agora do que importa? Tem espaço para isso? E aí eu vou ter que criar esse espaço porque na campanha ele não existiu. Então, essa é um pouco da visão que eu faço. Acho que tem muita gente falando dos problemas e se posicionando contra, mas tem pouca gente falando de como a educação foi tratada com menor importância. E foi um puxadinho do plano de governo para ciência e tecnologia, na área que é a mais importante do país. Então, eu acho que o meu desafio lá será falar: “Olha, beleza, discordamos aqui, mas isso aqui importa, tem espaço para isso? A gente vai fazer alguma coisa sobre isso?”

Blog - Pegando a sua história, você começou muito cedo a mobilizar pessoas a trabalharem juntos e influenciar as políticas públicas através do mapa educação. Como você vai interagir, partindo desse pressuposto de que você mobilizou muitas pessoas, com outros jovens da Câmara dos Deputados, por exemplo?

Tábata Amaral - Acho que é um pouco do que eu estou fazendo agora. Tem uma galera que se elegeu, muita gente jovem, que eu não sei se representa uma renovação de práticas e ideias, mas é uma renovação de pessoas. Tem uma galera que se elegeu que eu sei que está preocupada com mudança de práticas. Talvez pensem diferente de mim, mas se a gente concorda que as práticas têm que mudar, a gente consegue dialogar. Então, usando dois exemplos diferentes: o Vinícius Poit, do NOVO, que pensa completamente diferente de mim sobre a questão da segurança, foi o primeiro a se manifestar sobre o aumento de salários. O [ministro Dias] Toffoli e o [presidente Michel] Temer aprovaram e foi efeito cascata, daquilo que a gente já conhece. Eu apoiei o Vinícius Poit e muita gente se surpreendeu em ver alguém do PDT e do NOVO trabalhando juntos em uma frente. Talvez eu discorde dele em muitas coisas? Sim, discordo. Mas ele quer mudar as práticas também, aí tem diálogo. Tem um parlamentar do PSB, Felipe Rigoni, eleito pelo Espírito Santo, do Movimento Acredito, que está muito alinhado às minhas ideias. A gente está querendo compartilhar nosso gabinete de alguma forma, compartilhar especialistas, trocar algumas ideias para renovar as práticas por lá. Fazer do gabinete uma startup política. Tem também o Túlio Gadelha, que foi eleito pelo PDT em Pernambuco. Eu vou amanhã para Brasília, com ele, pra gente pensar como vai ser a nossa atuação para ela se tornar mais poderosa. O filtro que eu estou fazendo inicial – depois tenho que falar com todo mundo – é com quem está topando renovar as práticas, independentemente de onde está no espectro. Se a gente consegue concordar em uma coisa, naquela única coisa vamos trabalhar juntos. Agora, o passo dois, que eu estou me preparando ainda, é quem não quer renovar as práticas, porque aí fica difícil falar de ideias quando a base de valores é tão diferente.

Blog - O seu trabalho social continua?

Tábata Amaral - Continua, mas em nível diferente. Eu sempre penso que temos que levar o otimismo para outro patamar. Nos movimentos dos quais eu sou fundadora, principalmente o Mapa e o Eu acredito, eu continuo no conselho porque é o conselho destinado aos fundadores. Mas eu não posso mais ser a pessoa que manda as cartas para os candidatos, que organiza o protesto, que organiza a limpeza da praça, porque seria um pouco de hipocrisia, sabe? Eu agora estou em um lugar onde consigo fazer uma mudança de outro ponto de vista. Então, o meu ativismo será dentro da Câmara. Não faz sentido eu fazer fora, porque agora eu sou parte do que queria mudar. Eu tenho que mudar mesmo. Agora, o que eu sempre vou fazer no contato com as pessoas é ter um diálogo aberto, porque independentemente de dar certo ou não esse diálogo com outros parlamentares, estar junto com a população faz diferença. A gente fala muito no gabinete itinerante, que é para levar formação política e ouvir as pessoas no final de semana, na periferia, no litoral, no interior. Vamos começar agora em novembro, visitando primeiro os lugares onde eu tive uma votação mais expressiva para agradecer, mas também para iniciar o processo de escuta. Esse gabinete itinerante vai ser uma forma de continuar meu ativismo dentro do mandato. Uma segunda forma é a comunicação constante, pelas redes sociais, sempre com lives, mostrando o que está acontecendo. Também vamos criar um aplicativo para as pessoas conseguirem acompanhar as votações e meus posicionamentos. Esse diálogo vai ser expandido, mas acho importante que os eleitos entendam que agora não dá para seguirem como ativistas de fora. Temos que ser ativistas de dentro [do Legislativo].

Blog – O que você está levando para a sua vida política do aprendizado na Universidade de Harvard?

Tábata Amaral - Tem muita coisa que eu aprendi, minha cabeça mudou muito quando estive em Harvard. Um exemplo: eu fui para Harvard com todos os preconceitos de quem vem de uma família nordestina, é criada na periferia e que nunca viu um mundo diferente daquele. E não é ruim e nem bom, sabe? Eu tinha uma referência para tudo e, quando eu fui pra lá, passei a ter novas referências para muitas coisas. Então, muitos preconceitos meus foram caindo. Eu estava em Harvard na segunda eleição do presidente Barack Obama, em 2012, e me lembro de quantos amigos meus usaram o adesivo na sala de aula, colocaram adesivo no computador, fizeram campanha, foram voluntários, um trabalho simples de bater na porta, de ligar. Eu lembro quantas pessoas se matavam para conseguir um estágio na Casa Branca, enquanto só eu da minha turma quis fazer estágio na Secretaria da Educação. Lembro que eu voltei pro Brasil falando “as pessoas têm que olhar para a política dessa maneira, com esse engajamento, com essa alegria, com esse orgulho”. Até então eu nunca tinha colocado um adesivo de político no meu computador ou na minha camiseta. Eu tinha vergonha. Perguntavam lá em casa: “Pinta o muro?”. E a gente: “Não, é ridículo”. E, na campanha, eu quis fazer isso, uma campanha diferente, colorida, as cores eram laranja com rosa, coisas bem doidas, com verde, com roxo. As pessoas iam pra aula com o adesivo na camiseta, colocavam o adesivo no celular, no computador. Tinha mais de 5 mil pessoas engajadas voluntariamente. Então, eu acho que é isso que eu quero levar para o mandato, esse gosto da política, de participar não só do lado negativo, na hora de cobrar e de reclamar, mas participar para construir, se ver parte da solução. É uma coisa meio difusa. É o sentimento sobre a política que eu vi nos Estados Unidos, que eu não tinha visto aqui ainda.

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