Por Taymã Carneiro, g1 Pará — Belém


Turma da antiga quarta série do fundamental em comunidade ribeirinha no Pará. Foto tirada em setembro de 2010. — Foto: Rai Pontes

Uma reunião, marcada para a próxima segunda-feira (25), em Belém, a pedido do Ministério Público Federal (MPF) e movimentos sociais ligados à educação, deve discutir com a Secretaria de Educação do Pará (Seduc) sobre a implantação de turmas com aulas remotas no campo, sem o professor presencialmente, para atender o ensino médio regular.

Para mais de 150 entidades da sociedade civil, o Estado voltou a se articular para implantar turmas de ensino à distância para populações do campo, incluindo indígenas, quilombolas, extrativistas e ribeirinhos.

As associações se posicionam contrárias à implantação do Sistema Educacional Interativo (SEI) no campo, o que já foi alvo de ação do Ministério Público por "inconstitucionalidade". O sistema já funciona há cinco anos, atendendo comunidades carentes no estado.

Segundo o Fórum Paraense de Educação do Campo, o ensino médio atende apenas 18% dos jovens entre 15 a 17 anos nos territórios do campo, que inclui indígenas, extrativistas e quilombolas, de acordo com os dados mais recentes, divulgados em 2020.

Segundo o MPF, a reunião é para tentar uma conciliação com o governo do Pará para que "direitos das comunidades tradicionais e do campo não sejam violados por um projeto que afeta a educação pública".

Para o órgão, o projeto do SEI "não cumpre a legislação sobre transparência" e "ignora estratégia prevista no Plano Estadual de Educação, transferindo indevidamente responsabilidades aos municípios para oferta do ensino médio, sem análise do impacto nos planejamentos municipais".

"O SEI também não tem estratégia de educação inclusiva para pessoas com deficiência, e o Estado do Pará descumpre regra do concurso público ao implantar o sistema", afirma o MPF.

O g1 tentou entrevistar representante da Seduc sobre o assunto, mas não havia obtido retorno até a publicação da reportagem.

A implantação do SEI foi aprovada pela Seduc, com apoio do Conselho Estadual de Educação, em 2017, ainda na gestão de Simão Jatene.

Em 2018, o Ministério Público do Pará (MPPA) entrou com uma ação civil pública contra a implantação do SEI.

O órgão entendeu que o projeto não contemplava o público-alvo, que são as comunidades rurais, incluindo quilombolas, povos indígenas e ribeirinhos.

Para o MPF, a implementação da proposta deveria ser anulada por "inconstitucionalidade" e pediu a suspensão das atividades em todos os municípios do Pará, sob pena de multa diária, além de condenação do Estado e do gestor da Polícia de Educação do Governo em danos morais coletivos.

A ação também recomendava prefeitos municipais a não assinarem convênio proposto pelo Estado à época.

Uma decisão da Justiça determinou a suspensão da oferta do sistema interativo para novas turmas, condicionando a continuidade do sistema à avaliação das turmas já implantadas, e a partir da escuta de comunidades tradicionais sobre a modalidade de ensino.

Na pandemia de Covid-19, com o ensino não presencial, muitos estudantes paraenses tiveram dificuldades com o ensino remoto, principalmente os que se preparavam para o Exame Nacional do Ensino Médio.

Agora, segundo o Fórum de Educação no Campo, após essa experiência, a Seduc voltou a anunciar que pretende implantar novas turmas do SEI, "sem cumprir as exigências judiciais" e "sem apresentar relatório sobre os resultados da experiência nas turmas já implantadas".

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Governo implanta ensino remoto durante a pandemia de Covid-19 no Pará. — Foto: Reprodução / Agência Pará

'Há problemas da concepção à execução', diz MPF

A procuradora regional dos direitos do cidadão, Nicole Campos Costa, disse em entrevista ao g1 que, na concepção do MPF, "há inúmeras questões envolvendo o SEI desde a concepção até atualmente a sua execução".

"Na sua concepção, o MPF já relatou problemas em ação civil pública, por exemplo da ausência de consulta livre, prévia e informada às comunidades tradicionais, que são afetadas pela execução do SEI. E, atualmente, também há alguns relatos de problemas de comunicação, como acesso à internet, para que a gravação de aulas, por exemplo".

Para a procuradora, "as aulas podem ficar mais impessoais, mais dissociadas da realidade do campo e dessas comunidades tradicionais, que são indígenas, quilombolas, e que frequentam essas escolas atendidas pelo SEI".

"O que acontece é que está sendo vislumbrada uma educação massificada, sem atentar a questões específicas de cada comunidade, como problemas, história, aspectos culturais. É uma educação, portanto, que não vai respeitar as balizas das normas educacionais, previstas na Constituição, que dizem respeito às tradições das comunidades tradicionais", conclui.

O que dizem organizações da sociedade civil?

O Fórum Paraense e os Fóruns Regionais e Municipais de Educação do Campo reuniu 168 assinaturas de associações e entidades ligadas à educação contra o SEI.

O documento pede que a sociedade paraense se manifeste contra a implantação do sistema como forma de ofertar o ensino médio nos territórios do campo, indígenas, extrativistas e quilombolas do estado.

Para as entidades, "não houve qualquer diálogo com a comunidade acadêmica e educacional, e também com movimentos e organizações sociais representativos de povos do campo, indígenas, extrativistas e quilombolas, e sem considerar todo o arcabouço legal que normatiza a educação do campo, educação escolar indígena e educação escolar quilombola existente no Brasil, tampouco as legislações nacionais e internacionais que estabelecem a necessidade de consulta prévia e qualificada aos povos tradicionais quanto à implementação de políticas e ações em seus territórios".

As entidades entendem que ao invés de melhorar as escolas do campo, o governo "tem se organizado para a ampliação da oferta de novas turmas do SEI à revelia das demandas das comunidades do campo".

"Esse sistema (...) rompe com laços afetivos ao substituir a figura humana do professor por uma tela fria, (...) em lugares onde, muitas vezes, sequer conseguimos realizar uma ligação de celular, dada à ausência de sinal para o acesso à internet", diz o documento.

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