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Economia

'Com a crise, educação vira prioridade de famílias que podem pagar’, diz Chaim Zaher, do Grupo SEB

Para empresário, ensino privado será negócio ainda mais atrativo no pós-pandemia, com fatia ‘premium’ em expansão e consolidação acelerada
Chaim Zaher, presidente do Grupo SEB Foto: Agência O Globo
Chaim Zaher, presidente do Grupo SEB Foto: Agência O Globo

RIO - À frente do Grupo SEB, gigante da educação básica privada do país, Chaim Zaher avalia que, no atual cenário, o movimento de consolidação no setor tende a crescer. Ele mesmo, que fechou a compra da tradicional escola Carolina Patrício, no Rio, no mês passado, já prospecta outras aquisições.

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E trabalha para inaugurar uma filial da rede na Zona Sul em 2022, quando pretende concretizar a abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) da Maple Bear, franquia internacional de escolas bilíngues.

O IPO, antecipa ele, poderá incluir outras marcas do grupo. Isso se as turbulências do ano eleitoral permitirem, diz, em entrevista ao GLOBO, o homem que foi bedel e se tornou um dos principais empresários do setor.

Qual o impacto da crise da pandemia no setor privado?

As escolas mais tradicionais, no geral, não perderam muito. A crise afeta principalmente quem tem tíquete (mensalidade) entre R$ 700 e R$ 1.000, o grupo que teve muito problema. Acima desse patamar, no geral, houve equilíbrio. As escolas negociaram com as famílias.

Nas premium , com mensalidades acima de R$ 2 mil, muitas cresceram. As que têm preço mais acessível e grande número de alunos, até para equilibrar custos, sofreram mais. Conforme a economia melhorar, os pais retornam seus filhos (da rede pública) para as escolas (privadas), porque acreditam nessa escolha.

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Por que o segmento ‘premium’ é resiliente?

São escolas que focam num público que vai crescer muito, porque busca isso. É quem tem renda mais alta e teve essa condição mais preservada na pandemia. Quem pode dar escola premium para o filho, vai priorizar. Ainda mais com a crise, a educação vira prioridade das famílias que podem pagar. Os pais se esforçam para preservar isso, mesmo que tenham de deixar de viajar, de comer fora. Não quer dizer que não houve perdas. Não dá para jogar mensalidade lá em cima.

A crise institucional no país, com ataques à democracia, afeta o setor de educação?

Prejudica não só a educação dos alunos, mas do país. Fica todo mundo perdido, sem saber o que vem pela frente. E o efeito na economia bate no bolso de todo mundo, do trabalhador ao CEO. É ruim deixar as pessoas desalentadas, sem motivação. Se não houvesse esses conflitos internos, com a riqueza incrível que temos, poderíamos estar lá na frente. Todo cidadão deveria ter voz. E tem: nas urnas.

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Na educação, queremos bons exemplos. O estudante vê isso e pensa: “Vou estudar para quê?”. O brasileiro é incrível, e ainda há muita gente investindo. Ele sabe que vai passar. Mas não precisava de tanto sofrimento.

O IPO da Maple Bear será no ano que vem?

Acredito que o IPO vá atrasar por essa falta de perspectiva. Está nos nossos planos fazer em 2022, mas, se vier a turbulência que se espera, teremos de adiar. A ideia pode ser abrir capital das nossas franquias, que incluem escolas de marcas de alta performance. O foco é fazer o da Maple Bear, mas poderia incluir a Sphere ou mesmo o AZ.

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O SEB seguirá com aquisições?

Sim. Estamos de olho em oportunidades. Vamos abrir mais unidades dessas marcas, ampliar o modelo e seguir fazendo aquisições. No AZ (colégio e pré-vestibular carioca, adquirido em 2018), por exemplo, estamos começando a expansão. De início, pelo Rio, com nova unidade. Mas é uma marca com oportunidade de crescimento em outros estados e até via franquia.

O IPO será nos EUA ou no Brasil?

A Maple Bear é uma franquia internacional (com mais de 500 escolas em 30 países). Faz sentido na Nasdaq, que traz múltiplo muito maior. Mas não deixa de ser uma possibilidade abrir aqui, onde há muitas operações. Lá fora, há investidores do mundo todo, acaba sendo uma chancela.

Qual o foco de expansão aqui?

Temos três segmentos de atuação: o premium ; o das escolas de alta performance, como AZ, que vai ter forte expansão este ano, além da Luminova (franquia voltada para classes B e C); e o de vanguarda, a Concept, que estamos mirando abrir uma no Rio em 2023.

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Se o avanço da variante Delta exigir, as escolas estão preparadas para parar de novo?

Não esperamos isso. Mas sempre temos um plano B. Se acontecer, estamos mais preparados agora. Gosto do ditado: “Se uma pessoa te engana uma vez, a culpa é dela. Se ela te engana a segunda, a culpa é sua”.

A escola é hoje, na rede privada, um ambiente de estrutura muito segura. Há alegria de alunos e famílias no retorno. Escola vazia é algo triste. Não queremos. Mas, se preciso, estaremos preparados, com motivação, jogos, usando o aprendizado que tivemos para manter o engajamento.

A Covid bateu forte na educação.

Na rede pública, detonou todas as classes e alunos. A rede privada conseguiu migrar para o ensino remoto. No púbico, demorou demais. Quando resolveram fazer, faltava acesso. As famílias não tinham telefone ou conexão com a internet . O resultado é que os estudantes perderam o interesse.

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Há famílias que mandam as crianças para a escola pela refeição. Em muitas delas, os pais perderam o emprego. Muitos não tiveram chance de estudar, como vão ajudar os filhos a estudar em casa? Muitos (alunos) perderam o estímulo. Quase um ano sem aula não alfabetiza, ninguém aprende, é um faz de conta. Perderam-se dez anos na educação pública. Vamos levar uma década para recompor, se fizermos tudo direitinho. Foi devastador.

Há segmento mais impactado?

Foi grave em todos, tem efeito dominó. Lá na frente vêm os ‘nem-nem’ (jovens que nem estudam nem trabalham). Jovens que ingressariam num curso técnico e não entram. Atrapalha o aprendizado e a formação para o mercado. O país tem áreas como a de TI com vagas abertas e que não se consegue preencher .

O setor privado pode ajudar o público na educação?

Claro. Já há uma série de iniciativas nesse sentido. O SEB, ano passado, fez uma parceria com o Estado de São Paulo para oferecer cursinho (pré-vestibular) on-line e gratuito a 400 mil alunos da rede estadual. E há organizações como a Fundação Lemann e o Todos pela Educação, que envolvem muitos empresários.

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Há milhares de pessoas preocupadas e colaborando. É mais que sabido que a educação é a chave para o crescimento de um país. Todo país de primeiro mundo chegou lá pela educação.

A crise na educação básica vai impactar o ensino superior?

A primeira coisa a se pensar em educação agora é na “doença” mental que alunos e professores passaram a ter. Investir em apoio psicológico, conteúdo socioemocional. Tanto tempo em isolamento mudou tudo. É preciso resgatar o prazer de estudar, de querer e acreditar que é possível ser alguma coisa na vida, recuperar a confiança. Os jovens ficaram descrentes. As escolas têm o desafio e a função muito importante de trazer esperança.

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E isso se repete no superior?

Se as instituições não mudarem o sistema de ensino, não vai funcionar. É preciso mudar currículo, ajudar o aluno a colocar a mão na massa. O jovem pensa: “Por que eu vou trabalhar o dia todo e estudar à noite?”. Assim, alguns migram para o EAD e outros desistem. É preciso qualidade para motivar o aluno.

Então a evasão não é um problema apenas econômico?

Não. É preciso também ter aulas diferenciadas, levar tecnologia ao ensino, oferecer matérias de acordo com a profissão que o aluno busca. No básico, o aluno tem de participar ativamente do processo de aprendizado. Não dá mais para ensinar o que não será aproveitado.

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O novo currículo (Base Nacional Comum Curricular), se for implementado ao menos 50% do que está sendo proposto, há esperança de recuperar o que foi perdido agora. Na rede privada, será implementado mais rapidamente. Mas se a pública não fizer isso, a evasão vai triplicar. O novo currículo é a esperança na educação básica. Mas tem de entrar urgente, puxando mudanças também no superior.