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Rio Bairros

Colégios apostam em trabalho preventivo para minimizar casos de bullying entre estudantes

Escolas têm percebido o quão importante é o trabalho de conscientização e prevenção depois que um adolescente matou dois colegas em Goiânia

A psicopedagoga Júlia Lázaro com grupo de mediadoras
Foto: Dani Maia
A psicopedagoga Júlia Lázaro com grupo de mediadoras Foto: Dani Maia

Colocar apelido grosseiro no colega de classe, intimidá-lo, provocá-lo, excluí-lo do grupo. O que para muitos pode parecer brincadeira sem consequência, na verdade é uma atitude de extrema violência física e psicológica. É o bullying, uma prática comum nas escolas do Brasil e do mundo e que de inofensiva não tem nada. Para ser caracterizada como tal, ela precisa acontecer de forma intencional, sistemática e repetitiva.

No ambiente escolar, é o grande vilão dos alunos: uns praticam a violência, outros sofrem a agressão. A maioria é apenas espectadora. Mas, ao não se posicionar, essa plateia se torna conivente com a ação.

Na data em que se comemora o Dia Mundial de Combate ao Bullying, em 20 de outubro, uma tragédia chamou a atenção das pessoas para o tema. Em Goiânia, um jovem de apenas 14 anos atirou em seus colegas dentro da sala de aula. Dois morreram na hora e outros quatro foram feridos. Segundo as primeiras investigações, o rapaz teria agido assim porque era vítima de bullying.

Algumas escolas têm percebido o quão importante é o trabalho de conscientização e prevenção para tentar minimizar casos deste tipo.

Para Júlia Lázaro, psicopedagoga do Colégio Notre Dame, em Ipanema, em 2007 a escola começou a trabalhar de forma mais efetiva o combate ao bullying. Desde então, entendeu que o mais eficaz é estimular a troca de experiência entre os alunos, de forma que conheçam e compreendam a realidade do outro, interajam e respeitem as diferenças.

— Realizamos palestras sobre o tema e trazemos especialistas no assunto para conversar com eles. Mas o mais importante nessa luta foi fazer do próprio estudante o protagonista dessa causa. De cinco anos para cá, começamos a fazer a chamada Mediação de Conflitos, na qual estudantes do 8º ano do ensino fundamental, voluntários, são capacitados para serem os mediadores dessa ação — diz Júlia.

Segundo ela, outra medida positiva foi colocar em cada andar a chamada Caixinha da Mediação, uma espécie de urna onde os mais tímidos, que não têm coragem de expor o problema, têm a oportunidade de contar sua história e pedir ajuda de alguma forma. Para as amigas Dagmar Marrie e Marina Fontenelle, ambas do 8º ano, participar da mediação de conflitos é maravilhoso.

— Aqui encontramos um ambiente acolhedor e de respeito mútuo. Percebo que os casos de bullying parecem acontecer cada vez menos — diz Marina.

Respeito às diferenças é essencial

Dagmar conta que os pais ficaram orgulhosos de ver a filha atuando como mediadora no Colégio Notre Dame.

— Minha mãe é psicóloga e sabe o quanto é difícil um jovem sofrer bullying. Meu interesse inicial de participar da mediação é porque penso em ser advogada e queria ver como me saía nesse papel. Mas é claro que ficamos felizes de ver que estamos ajudando os colegas a resolverem problemas emocionais tão difíceis — analisa a menina.

Comprovando que o trabalho de prevenção é o melhor caminho, a psicopedagoga Júlia Lázaro, do Notre Dame, recorre aos números. Conta que em 2007, quando começaram a abordar o assunto, uma pesquisa interna realizada com os alunos mostrou que 30% deles achavam que era engraçado praticar bullying. Em 2016, a mesma pesquisa mostrou que apenas 3% disseram isso.

Na Gávea, a Escola Parque também recorre à questão da conscientização para lidar com o tema. Segundo Giocondo Magalhães, coordenador do ensino fundamental, o mais importante é trabalhar as relações entre os alunos e propiciar um ambiente sadio de discussão, troca e compartilhamento de experiências.

— É importante ter clareza sobre o que é o bullying. Não é apenas a violência física. A psicológica ou mesmo a exclusão de uma pessoa também machuca muito. Por isso, um ponto de partida ao falar de bullying tem que ser a noção do que é ou não essa prática e de como ela afeta cada um dos envolvidos. Dessa forma, favorecemos um ambiente de diálogo e confiança. Isso fortalece e encoraja o aluno a falar, se posicionar e enxergar o espaço do outro — diz Magalhães.

Há dois anos, a escola passou a realizar as chamadas assembleias, espaços onde alunos de uma determinada turma levam à coordenação problemas e demandas a serem discutidas e resolvidas entre o grupo de estudantes e a equipe pedagógica. Valentina Gomes, do 8º ano do ensino fundamental, participa dessas assembleias.

— A Escola Parque sabe impor limite ao mesmo tempo em que ouve e confia no aluno. Isso é muito bom porque estimula em nós a confiança para falar e nos abrirmos — diz Valentina.

Colega de Valentina, Igor Rocha estuda há um ano na Parque. De cara se interessou em participar das assembleias:

— Aprendemos a conviver, a respeitar as diferenças e a sermos cidadãos melhores.

Habilidades emocionais em pauta

Caio Lo Bianco trabalha o combate ao bullying por meio do Laboratório Inteligência de Vida (LIV) Foto: Dani Maia/Agência O Globo
Caio Lo Bianco trabalha o combate ao bullying por meio do Laboratório Inteligência de Vida (LIV) Foto: Dani Maia/Agência O Globo

Em Botafogo, a Escola Eleva, aberta em 2017, também trabalha o combate ao bullying. Por meio do LIV (Laboratório Inteligência de Vida), busca desenvolver nos alunos habilidades emocionais que vão além da esfera acadêmica. Segundo Caio Lo Bianco, gerente do Programa Socioemocional do Grupo Eleva Educação, o LIV é uma ferramenta que auxilia o professor a trabalhar com os alunos as emoções, os sentimentos e os relacionamentos. Os assuntos abordados têm a ver com cada faixa etária. É nesse contexto que se fala do bullying com a garotada.

— O tema permeia todas as séries, mas no 6º ano é abordado de forma mais direta, já que é a idade em que os estudantes estão mais receptivos ao assunto. Conversamos, fazemos rodas de debate, ouvimos e levamos o aluno a expressar suas vivências. Uma das atividades que eles mais gostam é o Círculo de Confiança, que tem como objetivo a resolução de conflitos dentro da sala de aula, com algumas regras: tudo o que entra no círculo fica lá. O aluno não precisa falar, se não quiser. E é preciso respeitar o que o outro diz. A interação entre o grupo faz com que um olhe o outro de forma mais madura e amigável. Isso ajuda a minimizar os casos de bullying — explica Caio.

Christina Vieira, assessora pedagógica do Colégio Logosófico González Pecotche, diz que os casos de bullying são pontuais. Para ela, isso se deve ao fato de desde cedo trabalharem com os alunos a importância do respeito ao outro e do convívio com as diferenças.

— Este ano, nosso projeto pedagógico teve o tema “Melhores atitudes, melhor humanidade”. As atividades propostas giraram em torno disso. De forma divertida e integrada, todos falaram com os alunos sobre o respeito às diferenças, práticas inclusivas e atitudes de paz. Nem precisamos usar o termo bullying, embora o assunto tenha sido trabalhado o tempo todo.

No Centro Educacional Amora, no Flamengo, que atende crianças de até 6 anos, o caminho trilhado é o da prevenção. Segundo a psicóloga Yara Macieira, nessa faixa etária elas não sabem o que é bullying. Mas lidam com muitas emoções e precisam aprender a construir suas habilidades emocionais.

— Até os 2 ou 3 anos, a criança está focada só nela. A partir dos 4 ou 5, tem que começar a lidar melhor com o outro e com o mundo que a rodeia. Mas como são pequenas, trabalhamos de forma lúdica — diz Yara.

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