Opinião

Colapso do sistema socioeducativo

Se, no ano de 2010, para cada quatro adultos presos havia a apreensão de um adolescente, no ano de 2017 tal proporção passou a ser de dois adultos para um adolescente

O Estado do Rio de Janeiro tem um dos piores sistemas socioeducativos do país, fruto da omissão histórica do governo estadual, que sempre se manteve inerte diante do crescimento exponencial do número de atos infracionais graves cometidos por adolescentes. Nos últimos 15 anos, o governo descumpriu praticamente todas as pactuações políticas e até mesmo decisões judiciais que reconheceram a necessidade de regionalização da medida socioeducativa de internação e de ampliação do número de vagas.

Merece destaque o Termo de Ajustamento de Conduta celebrado, em 2006, entre o Ministério Público e o Estado, no qual foi prevista a construção de quatro unidades de internação. Contudo, ultrapassada mais de uma década, apenas duas novas unidades foram construídas — Volta Redonda e Campos dos Goytacazes. No ano de 2015, o Plano Decenal de Atendimento Socioeducativo do Estado estabeleceu a meta — mais uma vez ignorada pelo governo estadual — de oferecer 1.086 novas vagas com a construção de 14 novas unidades regionalizadas.

A inércia do governo tem resultado na superlotação de todas as unidades de internação. Existem hoje cerca de mil vagas disponíveis para internação para uma demanda de quase dois mil adolescentes internados. No Estado de São Paulo, são quase dez mil vagas para uma população de 46 milhões de habitantes. No Distrito Federal e no Espírito Santo, há mil vagas para quatro milhões de habitantes. Já no Rio de Janeiro, embora o número de apreensões de adolescentes por atos infracionais graves seja superior, são disponibilizadas as mesmas mil vagas para mais de 16 milhões de habitantes.

Na outra ponta do problema, verifica-se a explosão do número de adolescentes apreendidos em flagrante. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública, no ano de 2006 foram apreendidos 1.800 adolescentes, ao passo que, em 2016, foram quase dez mil os adolescentes apreendidos. Se, no ano de 2010, para cada quatro adultos presos havia a apreensão de um adolescente, no ano de 2017 tal proporção passou a ser de dois adultos para um adolescente. Observa-se, ainda, a participação cada vez maior de adolescentes na prática de atos infracionais de natureza grave, como latrocínios e roubos de carga.

Nesse contexto, a construção de novas unidades é essencial para resgatar o sistema socioeducativo da situação de colapso em que se encontra. Essa medida de urgência deverá ser acompanhada da implementação de políticas públicas que previnam a prática infracional, como o combate à evasão escolar, a melhoria dos serviços socioassistenciais e o fortalecimento das medidas socioeducativas em meio aberto.

Por fim, deve-se registrar que o governo federal detém a obrigação legal de cofinanciamento do sistema socioeducativo. Contudo, apesar da intervenção federal, a questão infracional, que também guarda íntima relação com a política de segurança pública, não vem recebendo a atenção devida. De fato, não obstante a prioridade estabelecida constitucionalmente, até o momento não houve a destinação de verba federal para o financiamento do sistema socioeducativo do estado.

O sistema socioeducativo fluminense não sobreviverá a mais um ano de descaso. A ampliação regionalizada do número de vagas para internação é imprescindível para que adolescentes autores de atos infracionais passem a ter um atendimento socioeducativo digno e comprometido em lhes oferecer novas perspectivas de vida.

Luciana Benisti e Afonso Henrique Lemos são promotores de Justiça na área de infância e juventude no Ministério Público do Rio de Janeiro