Por Amanda Ferreira, Ana Carolina Moreno, Natália Ariede, Vivian Reis, SP1 — São Paulo


SP bate meta de frequência em creche, mas menos da metade das crianças pobres são atendidas

SP bate meta de frequência em creche, mas menos da metade das crianças pobres são atendidas

A cidade de São Paulo está no seleto grupo de cerca de 800 municípios brasileiros que já bateram a meta do Plano Nacional Educação de garantir que pelo menos metade das crianças de 0 a 3 anos estejam matriculadas em creche em 2024.

Em 2019, ano dos dados mais recentes divulgados, a taxa de frequência em creche na capital paulista já estava em 63,7%. Mas um levantamento divulgado nesta terça-feira (8) pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal mostra que, considerando apenas as crianças de famílias em situação de pobreza, o índice no ano anterior à pandemia ainda estava em 48,3%.

Os dados fazem parte da segunda edição do Índice de Necessidade de Creche (INC), um indicador elaborado pela fundação para munir gestores públicos de informações sobre quantas crianças nessa faixa etária estão nos grupos considerados prioritários para o atendimento em creches.

O estudo usa como base os dados da Pnad Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para a cidade de São Paulo em 2019, a estimativa era de que cerca de 598 mil crianças de 0 a 3 anos viviam na zona urbana, e 385 mil frequentavam a creche. Mas, considerando apenas as 80 mil crianças em situação de pobreza, menos de 39 mil estavam sendo atendidas, o que representa menos da metade desse grupo.

De acordo com o levantamento, as crianças em famílias pobres representam 13,3% do total da população na zona urbana, mas apenas 10% das crianças que frequentavam a creche em 2019 (compare no gráfico abaixo).

Os dados mais recentes, de 2019, mostram que antes da pandemia a capital já tinha quase 64% das crianças frequentando a creche. Mas, considerando apenas as crianças em situação de pobreza, atendimento cai para 48%. — Foto: Ana Carolina Moreno/TV Globo

No Jardim Lucélia, na Zona Sul da capital, a Dona Hilda Maria de Jesus, de 74 anos, conhece a situação há quase 30 anos, desde que migrou de Minas Gerais e não encontrou vagas na escola para matricular os três filhos. Acabou criando o Movimento Sem Escola que, com muitas manifestações, conseguiu a expansão de vagas e construção de novas escolas no bairro.

“A gente começou com muito barulho, né”, contou ela à TV Globo. “Nós fizemos passeata, panelaço, cafés da manhã na SME, que é a Secretaria Municipal de Educação, vários cafés da manhã. E com panelaço e apitaço também.”

Demanda real x demanda manifesta

O objetivo do indicador é fornecer às prefeituras – responsáveis pela oferta de creches, com apoio do governo federal na construção das escolas – subsídios para a chamada busca ativa de crianças. Ou seja, não apenas atender as famílias que procuram a secretaria municipal, mas encontrar as famílias que podem não saber que, apesar de a matrícula nessa faixa etária não ser obrigatória, frequentar a creche é um direito da criança, e oferecer a vaga é um dever do poder público.

Creche CEI Rio Pequeno, no Butantã, na Zona Oeste de SP — Foto: Zelda Mello/TV Globo

Para cada município brasileiro, o INC estima qual é a proporção do total de crianças em três grupos prioritários:

  • Famílias em situação de pobreza: crianças vivendo em lares onde a renda per capita é inferior à linha de pobreza determinada pelo governo federal;
  • Famílias monoparentais: lares fora da linha de pobreza, mas com uma única pessoa responsável pelo cuidado da criança;
  • Cuidadoras economicamente ativas: lares fora da linha de pobreza onde a principal pessoa responsável pela criança trabalha, ou trabalharia, caso tivesse uma vaga na creche.

Nesse terceiro grupo, a quantidade de famílias inclui uma estimativa baseada na proporção de famílias nessa mesma situação, mas com crianças de 4 a 6 anos, que têm atendimento escolar praticamente universalizado. “Se os índices de atividade econômica das mães da pré-escola forem superiores aos das mães de crianças em idade de creche, há indícios de que a falta de creches esteja tirando algumas dessas mães da força de trabalho, evidenciando necessidade de creche”, explica o estudo.

Procurada pela TV Globo, a Secretaria Municipal de Educação (SME) afirmou que, em 2021, zerou a fila de creches pelo segundo ano consecutivo, e que as únicas crianças na fila de espera são as de famílias que aguardam vaga em uma creche específica, e não aceitaram vaga oferecida em outra unidade. Sobre esforços de buscar ativamente famílias que podem precisar de creche, mas não sabem que têm direito à vaga, a secretaria não respondeu (leia a íntegra da nota abaixo).

Economia puxa média da capital para cima

Para Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, a taxa de matrícula geral da cidade indica que “São Paulo tem feito um trabalho muito importante de trazer as crianças para a creche. Mas por quê? Porque a economia pujante de São Paulo cria essa demanda, cria essa necessidade”.

Com a meta do PNE já atingida com cinco anos de antecedência, a capital, de acordo com a especialista, tem condições de afinar o foco para encontrar quem ainda precisa de creche e não foi contemplado.

“A forma como o município de São Paulo pode atuar é olhando: há uma necessidade nos grupos prioritários. Como é que a gente focaliza? Como é que a gente faz uma busca ativa, como é que a gente traz a política pública para atender aqueles mais vulneráveis? Isso é possível, é um avanço. São Paulo, como já está nesse patamar, pode ainda ter um papel ainda mais sofisticado para olhar para os que mais precisam e para fazer um atendimento adequado.”

Movimentação de estudantes na retomada das aulas presenciais na Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) São Paulo, na Vila Clementino, zona sul da capital paulista, na manhã desta segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021, em meio à pandemia de coronavírus (covid-19). — Foto: BRUNO ROCHA/ENQUADRAR/ESTADÃO CONTEÚDO

Segundo ela, apesar de a maior parte das famílias com necessidade de creche ser do grupo de cuidadoras economicamente ativas e fora da linha da pobreza, a discrepância é um dos obstáculos para reduzir a desigualdade socioeconômica que afeta as famílias mais vulneráveis há várias gerações.

“A educação de qualidade, sobretudo na educação infantil, na creche, na pré-escola, nessas etapas em que o cérebro funciona como um ‘super-herói’, está se formando as bases de um indivíduo, elas são fundamentais para todo o processo de desenvolvimento escolar, pra todo o processo de aprendizagem ao longo da vida”, afirma ela. “Portanto, é muito importante que essas crianças tenham a oportunidade, que a gente assegure o direito, que elas estejam nas escolas, e que seja uma escola de qualidade. O acesso e a qualidade são componentes fundamentais e igualmente importantes no processo de aprendizagem da educação infantil.”

Íntegra da nota da Secretaria Municipal da Educação:

“A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Educação (SME), informa que é errado afirmar que a demanda de creche por unidade específica está relacionada a falta de vagas na rede, pois, nesses casos, os responsáveis pelas crianças optaram por esperar atendimento por creche específica, mesmo já tendo sido oferecido atendimento antes em outro CEI próximo do endereço informado em cadastro, que foi recusado por parte dos responsáveis. A pasta zerou a fila de demanda de creche pelo segundo ano consecutivo, por meio de parcerias com 60 novas Organizações da Sociedade Civil (OSCs), implantação de novas unidades e ampliação em unidades já existentes, garantindo atendimento de todas as famílias cadastradas.

A ampliação de vagas vem dentro de um esforço continuado da SME em garantir o acesso ao atendimento de bebês e crianças. Em dezembro de 2019, eram 8.083 crianças na fila e a Pasta atendeu 345 mil crianças em seus Centros de Educação Infantil. Em dezembro de 2020, o atendimento passou para 374 mil matrículas e a fila zerada que se mantém zerada até hoje, com o último levantamento, em dezembro de 2021, atingindo a marca de 385 mil crianças atendidas nos CEIs.”

Veja também

Mais lidas

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!