Sonar - A Escuta das Redes
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Um mergulho nas redes sociais para jogar luz sobre a política na internet.

Informações da coluna

Por Jéssica Marques — Rio de Janeiro

A dois meses das eleições, jovens que até pouco tempo atrás não tinham o hábito de se posicionar sobre política encontraram nas charges uma alternativa descomplicada de mostrar suas preferências. Eles avaliam que, ao usar as sátiras — de linguagem fácil, acessível e, o melhor, bem-humorada — para criticar determinados candidatos, via redes sociais ou em bate-papos com família e amigos, o ambiente se torna menos desconfortável ao mesmo tempo em que se sentem mais assertivos.

Para esse grupo de eleitores — que nos últimos meses foi alvo tanto da Justiça Eleitoral, para que tirasse o título, quanto de políticos, que acenam criando conteúdos em plataformas, como o TikTok — vale a máxima de que uma imagem vale mais do que mil palavras.

A estudante paulista de teatro musical Myllena Vicentin, de 22 anos, conta que passou a compartilhar charges há pouco mais de cinco meses para comunicar posicionamentos políticos a amigos que não os veriam em outro contexto fora das redes sociais.

Para ela, esse foi o caminho mais inteligente para se expressar sem precisar aderir a “debates desgastantes”. Ela, então, trocou os memes que costumava usar por uma comunicação mais crítica e objetiva:

— As charges têm força comunicativa. Não preciso ficar justificando o que penso e como penso. E ao compartilhá-las nas redes, criamos uma responsabilidade social e política.

Na expectativa para as eleições de outubro, Myllena avalia que os valores da população estão distorcidos e afirmar que acredita em mudança:

— Se eu puder, vou contribuir um pouco para conscientizar outros jovens.

Aos 20 anos, o estudante de ciências e tecnologia Kaique Castro eliminou com as charges a dificuldade que tinha de se expressar politicamente nas eleições de 2018, quando estava com 16:

— Hoje em dia todo mundo pode e deve falar sobre política da maneira que achar mais confortável. As charges são apenas uma forma mais fácil de se informar do que está acontecendo. Na era do dinamismo, é muito mais prático você se comunicar com uma imagem do que com o texto. Por isso, eu aderi a elas como ferramenta de comunicação.

'Abordar assuntos delicados de forma descomplicada'

Professora de português no Espírito Santo, Maria Gorette Vescovi conta que as charges políticas viraram assunto nas suas aulas do ensino médio e fundamental quando um de seus alunos levou um desenho que encontrou no Twitter com críticas aos ataques do presidente Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas. Ela disse que se surpreendeu ao ver o interesse pela arte "descoberta" recentemente por essa geração e que a diferença de opinião na classe promoveu um debate que, acredita Maria Gorette, vai ajudar os alunos a encontrar um ponto de equilíbrio e tolerância nessas eleições.

— Meus alunos têm total abertura para levar os acontecimentos políticos para sala de aula. E para não parecer que estamos abordando uma postura partidária, usamos as charges para contextualizar notícias, fatos históricos e dados estatísticos. Isso é fundamental para a gente abordar assuntos delicados de forma descomplicada — concluiu a professora.

Se de um lado estão os jovens que compartilham as charges, do outro estão os seus criadores. Aos 60 anos — 35 de carreira — e com 13 mil seguidores no Instagram, o chargista Amarildo Lima reconhece que as sátiras políticas, publicadas por jornais impressos há mais de um século e meio, ganharam nova roupagem para se adaptar à internet e se comunicar melhor com as novas gerações.

— A primeira adaptação foi tornar os desenhos menos elitizados e mais populares. Antes, meu trabalho era menos imagem e mais texto. Agora, tive que mudar isso e optar pela simplificação da linguagem para fazer a mensagem chegar a todos, em especial aos jovens dessa geração — explica o capixaba, que acompanhou os governos de José Sarney a Jair Bolsonaro e se diz apartidário. — Meu trabalho é fiscalizar os acontecimentos que impactam a sociedade diante da atuação dos políticos.

Aos 42 anos, o cartunista Nando Motta escolheu um lado no campo político. Ativo nas redes sociais e seguido por mais de 100 mil pessoas, ele se mostra abertamente contra o governo de Jair Bolsonaro. Nando utiliza desenhos de traços simples e coloridos para cativar a atenção do público jovem desde 2018, quando começou a militar na internet. O post da charge Cidadão de Bem, que ironiza o relacionamento com do presidente com seu eleitorado, publicada no dia 10 de junho, teve mais de 34 mil compartilhamentos no Instagram.

— A premissa do meu trabalho é estar sempre informado. Eu acompanho notícias, da mídia progressista, hegemônica e dos canais da extrema-direita. Tenho sempre o cuidado de antes de publicar uma charge me certificar de que estou passando a mensagem correta. Já que a minha responsabilidade é muito maior porque eu exerço o papel de comunicador. Meus desenhos falam com as pessoas, e elas os utilizam para se expressar também — afirmou Nando que lançou no início do mês um livro com as 100 charges mais compartilhadas.

Do lado do espectro conservador, está o cartunista Sr. Macaco, que prefere não se identificar por medo de represálias. Ele trabalha com ilustrações há mais de 12 anos e tem mais de 80 mil seguidores no Instagram. O artista abastece a página Sociedade Ilustrada com charges mais reflexivas e de protesto contra pautas progressistas, o PT e o ex-presidente Lula.

Para o cartunista, a circulação das charges na internet representa liberdade de expressão, mas, muitas vezes, é usada como “massa de manobra”. A publicação da charge Faz o L, criticando as acusações de corrupção no PT, teve mais de 38 mil compartilhamentos.

— Percebo que, devido à educação precária do país, os jovens sentem menos vontade de obter informações através de fontes em que é preciso passar algum tempo lendo, como livros, artigos ou até mesmo matérias jornalísticas. Se você insere um tema em uma ilustração é bem mais fácil de eles assimilarem — afirmou. — Alguns seguidores chegam como haters no meu perfil, mas após longas conversas no direct, acabam virando seguidores e se interessando pelas informações inseridas nas ilustrações.

Estudiosa da adaptação das charges às mídias digitais, a pesquisadora do Núcleo de Estudos Pós-Graduados em Arte, Mídia e Política da (PUC-SP) Silvana Martinho conclui que, com as redes, as charges não ficam mais "presas" aos editoriais, ganhando projeção. Além do alcance, a analista diz que, por ter ironia, os desenhos são mais compatíveis com as notícias produzidas pela política brasileira, trabalhada "na teoria dos absurdos":

— O que antes era ilustrado de forma caricata pelos cartunistas para dar o tom de humor, agora, reforça o efeito reverso na tentativa de minimizar escândalos e polêmicas.

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